28/03/2009

Pe. Jon Sobrino

Celebrando Mons. Romero: Homilia de 24 de março na capela da UCA


Tradução e fonte: ADITAL







Monsenhor no Hospitalito, sozinho com Deus.

Na Catedral, com seu povo.
Em meio ao povo e em sua defesa até o fim.


Em muitos lugares está sendo celebrado o XXIX Aniversário do assassinato-martírio de Monsenhor Romero. No sábado, 21, em uma vigília popular. Hoje (24), às 12:00 horas, em uma missa na Catedral, presidida pelo arcebispo, Dom José Luis Escobar, e às 15:30 horas em outra missa na Cripta, presidida por Monsenhor Rosa. Agora, nesta eucaristia, o recordamos na Capela da UCA (Universidad Centroamericana, em El Salvador). Pedimos-lhe que nos abençoe; que nos anime a ser uma universidade como ele queria e a converter-nos quando, por ação ou por omissão, não o somos. E lhe pedimos que professores, administrativos, trabalhadores/ras e alunos sempre recordem seu nome, o recordem e o honrem.

Para torná-lo presente entre nós, elegi duas leituras. O evangelho é o do Bom Pastor, pois a universidade, com tudo o que tem, conhecimentos e recursos, deve pastorear de maneira universitária o povo salvadorenho. Antes de qualquer outra coisa, deve alimentar as maiorias famintas de pão e de trabalho, de justiça e de verdade. E deve defendê-las dos mercenários, dos poderosos de todo tipo, que não as apascentam; mas, que, muitas vezes, as devoram, como denunciava o profeta Oséias. E nessa defesa, a universidade deve correr riscos, como o bom pastor. Quem nos recorda essa verdade são os nossos companheiros aqui enterrados.

A segunda leitura nos diz quem é esse bom pastor: Jesus de Nazaré. Em palavras belas e bem pensadas, diz-se que Ele "passou fazendo o bem, curando os oprimidos". E agrega, em tom de confissão, o que não costumamos levar em consideração: "que Deus estava com Ele".

Agora, queremos recordar Monsenhor Romero bom pastor a partir de três coisas muito próprias dele: o Hospitalito, a Catedral e seu caminhar com o povo, defendendo-o até o fim.

1. No Hospitalito, sozinho com Deus

Sabe-se que, após sua nomeação como arcebispo, a oligarquia quis atraí-lo para seu lado e lhe ofereceu um palácio episcopal com as habituais comodidades mundanas. Porém, Mons. Romero não aceitou e foi viver em uma modesta casa junto ao Hospital ‘La Divina Providencia’. Lá, muitas vezes, recebeu à noite pessoas de todo tipo. Lá, aos sábados, preparava suas homilias dominicais. E lá, como Jesus junto ao lago ou no horto, orava ao Deus que vê no escondido. A Ir. Teresa contava que altas horas da madrugada via luz na casa de Monsenhor e lhe levava um suco de laranja. O encontrava rezando.

No Hospitalito, em tempos de graves riscos, Mons. Romero vivia sozinho e sem segurança. As pessoas mais próximas eram mulheres, enfermas de câncer incurável, pobres todas elas, com a angústia permanente de não saber o que seria de seus filhos depois que morressem. Monsenhor -tão indiferente às honras mundanas- confessou que teria gostado de ganhar o Prêmio Nobel da Paz de 1978 para, com o dinheiro do prêmio, aliviar a sorte das mulheres enfermas.

Somente Deus que vê no escondido sabe bem quem era o Monsenhor do Hospitalito e o que significava Deus para ele. Porém, algumas coisas podemos recordar. Pouco antes de sua morte, nos momentos mais difíceis do povo salvadorenho, Mons. Romero lhes falou de "Deus":

"Nenhum homem se conhece enquanto não se encontrou com Deus. Quem me dera, queridos irmãos, que o fruto dessa predicação fosse que nos encontrássemos com Deus" (Homilia de 10 de fevereiro de 1989).

E a essas palavras mais reflexivas, agregou outras mais entranháveis. Com humildade dizia: "meu desejo mais íntimo é que eu não seja um empecilho no diálogo de vocês com Deus". E, com entusiasmo, acrescentou: "me alegra muito quando tem gente simples que encontra em minhas palavras um veículo para aproximar-se de Deus" (Homilia de 27 de janeiro de 1980). E com Deus consolava as pessoas: "Deus vai com nossa história. Deus não nos abandonou" (Homilia 9 de dezembro de 1979).

A todos, também a UCA e à Igreja, Ele nos pergunta e nos convida a "estar sozinhos com Deus". E aos que não mencionam esse nome, pergunta-lhes e os convida a estar socinhos, sem defesas e em entrega total, com aquele bom que vejam como último: a compaixão, a justiça, a verdade. "Sozinhos". Sem poder ir além.

2. Na Catedral com seu povo

O Monsenhor da Catedral é mais conhecido. É o Monsenhor das homilias, dos pobres e das vítimas, dos horrores da repressão e da esperança de justiça. É o Deus das organizações populares, dos sacerdotes perseguidos e assassinados, dos inúmeros mártires, sem que Monsenhor deixasse a nenhum deles e delas sem nome. É o Deus do povo salvadorenho. Aqueles que tivemos a sorte de escutá-lo, o recordamos muito bem. Vamos citar algumas palavras suas; porém, talvez o mais importante é saber como preparava suas homilias -profunda lição- para a Igreja, para a UCA, para os meios de comunicação, e para todas as instituições e organismos que querem servir ao povo. Na véspera de seu assassinato, disse Monsenhor:

"Peço ao Senhor, durante toda a semana, enquanto vou recolhendo o clamor do povo e a dor de tanto crime, a ignomínia de tanta violência, que me dê a palavra oportuna para consolar, para denunciar, para chamar ao arrependimento" (Homilia de 23 de março de 1980)

Daí surgia a denúncia e a profecia, e por surgir da dor e do clamor do povo, iam além de declarações éticas ou da doutrina social:

"Eu denuncio, sobretudo, a absolutização da riqueza. Este é o grande mal de El Salvador: a riqueza, a propriedade privada como um absoluto intocável. E ai daquele que toque nessa cerca de alta tensão! Se queima!". "Vivemos em uma falsa ordem baseada na repressão e no medo". "Roubar tornou-se comum. E aquele que não rouba é chamado de tonto". "Brinca-se com o povo; brinca-se com as votações; brinca-se com a dignidade das pessoas". "Estamos em um mundo de mentiras, onde ninguém acredita em nada". E como um Amós ou um Miquéias, dizia: "isso é o império do inferno". A exigência é como ser Igreja e ser universidade de ciência e de profecia.

Nos últimos meses, Monsenhor Romero foi, todavia, mais duro -se é que se pode falar assim-, ao dizer a verdade. E a razão era a compaixão: a verdade estava a favor do povo, que muitas vezes somente tinha a verdade a seu favor. Por isso, a denúncia profética subiu de tom. Porém, é importante recordar também umas palavras cheias de honradez e muito próprias de Monsenhor, que, tomara, todos as tenhamos presentes: "temos que começar em casa".

"Quem denuncia deve estar disposto a ser denunciado e se a Igreja denuncia as injustiças, está disposta também a escutar denúncias contra si e está obrigada a converter-se... Os pobres são o grito constante que denuncia não somente a injustiça social, mas também a pouca generosidade de nossa própria Igreja" (Homilia de 17 de fevereiro de 1980).

3. No meio do povo e em sua defesa até o fim

Monsenhor manteve-se firme na compaixão e na denúncia, sem falcatruas. Sua compaixão e sua profecia não foram ‘flor de um dia’, nem foram palavras, política e eclesiasticamente, corretas. Na sociedade não encontrou facilidades; porém, tampouco encontrou facilidades na Igreja enquanto instituição hierárquica; às vezes, muito pelo contrário. Manteve-se firme e até o último momento defendeu as vítimas, mesmo sabendo que ele poderia ser a próxima. E assim foi.

Monsenhor Romero levou a serio as palavras de Puebla. Deus "ama os pobres e os defende". A primeira o levou a desgastar-se em uma pastoral a favor da justiça, da esperança e da vida dos pobres. A segunda, a enfrentar-se com quem os oprimiam e reprimiam. Colocou a sua Igreja nessa direção de defesa e enfrentamento, de modo que, sem intenções idealistas, chegou a ser uma "Igreja dos pobres". Isso significou riscos e confrontos. "Por defender o pobre, a Igreja entrou em grave conflito com os poderosos das oligarquias econômicas" (Discurso de Lovaina, 2 de fevereiro de 1980). Já antes havia constatado as consequências e emitiu um julgamento notoriamente evangélico, que nunca se emite: "Seria triste que em uma pátria onde estão assassinando tão horrorosamente não contáramos também sacerdotes entre as vítimas. Estes, são o testemunho de uma Igreja encarnada nos problemas do povo" (Homilia de 24 de junho de 1979).

Atualmente, em um mundo mal chamado de globalização e que, na realidade, vive em transe de cruz, pretende eliminar arestas ao horror da realidade e silencia milhões de crucificados -no Iraque, no Congo, em Gaza, no Haiti-, tornar Deus presente na história é seguir Jesus carregando a cruz. Não com uma cruz abstrata e sem história; mas concreta, salvadorenha. "Cristo é Deus majestoso que se faz homem humilde até a morte dos escravos em uma cruz e vive com os pobres... assim deve ser nossa fé cristã" (Homilia de 17 de fevereiro de 1980). Monsenhor o intuiu desde o início. Em Aguilares, no dia 19 de junho de 1977, começou a homilia com estas palavras: "minha responsabilidade é ir recolhendo atropelos e cadáveres". Palavras para a UCA, para a Igreja e para todos.

Monsenhor manteve a defesa de seu povo até o fim e, com isso, manteve a esperança. Dois eram seus pilares, como intuiu Ignacio Ellacuría: Deus e o próprio povo. Sem nenhuma rotina, nas horas mais trágicas de El Salvador, não se cansou de repetir o Emanuel. "Deus vai com nossa história. Deus não nos abandonou. Nenhum cristão deve sentir-se sozinho em seu caminhar; nenhuma família tem que se sentir desamparada; nenhum povo deve ser pessimista, mesmo em meio às crises que parecem mais insolúveis". É o "consolai, consolai o meu povo", de Isaías. E a esse povo deu-lhe dignidade. "Vocês são o divino transpassado", disse em Aguilares a uns camponeses aterrorizados no dia em que foi celebrar a eucaristia quando os soldados, um mês depois em que o povoado havia sido invadido, ocupado e abandonado à sua sorte. Monsenhor dizia: "sobre estas ruínas brilhará a glória do Senhor".

As ameaças iam aumentando. Em sua última homilia, confessou: "Esta semana me chegou um aviso de que estou na lista dos que serão eliminados na próxima semana". E automaticamente, como se se houvesse convertido em segunda natureza, Monsenhor pôs sua morte em relação à salvação do povo: "que meu sangue seja semente de liberdade e sinal de que a esperança logo será uma realidade".

E na relação com o povo, em um supremo esforço para impedir maiores atrocidades, pronunciou as palavras finais de sua homilia, fato insuperável na história do país, da Igreja e de qualquer lugar onde haja um rastro de humanidade: "em nome de Deus e em nome desse sofrido povo, cujos lamentos sobem até o céu cada dia mais tumultuosos, suplico-lhes, rogo-lhes, ordeno-lhes em nome de Deus: parem com a repressão" (23 de março de 1980).

Nunca antes se havia escutado palavras semelhantes; e nunca mais voltaram a ser escutadas. Foram acolhidas com um estrondoso aplauso, nunca antes escutado, e que nunca mais voltou a ser escutado:

Com a morte de Monsenhor, sua palavra não morreu. Poucos dias depois de seu assassinato, em uma missa celebrada na UCA, o Padre Ellacuría disse: "Com Mons. Romero, Deus passou por El Salvador". Muitas vezes repetimos essas palavras e hoje voltamos a perguntar-nos: é verdade? Sim, em muitos lugares. Basta recordar algumas coisas desses dias.

No dia 2 de março, Noam Chomsky, proeminente pensador estadunidense, lutador por causas nobres, muitas delas "perdidas"; acossado de muitas formas pelos poderes estabelecidos, acaba de completar 80 anos. O diário El País o entrevistou sobre temas conhecidos profissionalmente pelo autor: a situação da política internacional, os meios, internet... Porém, rompendo a lógica da profissão, a entrevista termina com uma pergunta pessoal: "Em sua idade, o que o faz continuar lutando?". E ele respondeu:

"Imagens como essa [Chomsky indica um quadro pendurado em seu escritório, no qual se vê o anjo exterminador junto ao arcebispo Romero e aos seis intelectuais jesuítas assassinados em El Salvador nos anos 80 pelos esquadrões da morte]. Um de meus fracassos é que nenhum estadunidense saiba o que significa esse quadro".

No dia 15 de março, algo novo aconteceu em El Salvador. O partido Arena, que nunca havia pronunciado oficialmente o nome de Monsenhor Romero -penso que por medo e por uma espécie de insuperável paralisia fonética-, perdeu as eleições. Mas, o vencedor, presidente eleito, Mauricio Funes, sim, o pronunciou. Analistas existem e existirão que julguem sobre convicções e intenções. Porém, remeter-se a Mons. Romero nesse momento e apresentá-lo como o mais entranhável que produziu e possui El Salvador, indica que Mons. Romero continua vivo.

Na vigília do dia 21 de março, durante a marcha e diante da catedral, muitos salvadorenhos/as sentiram uma vez mais a presença de Monsenhor. Com sentido humano e cristão -e com estranho sentido teológico-, não expressaram essa presença, pelo menos no fundamental, porque tivessem agora em suas mãos "mais poder"; porém, a expressaram com um sentimento de dignidade, esperança e alegria. Com Monsenhor podiam continuar trabalhando e caminhando. E celebrando a vida.

[No dia 26 de março, por primeira vez na história do país se instaurou um tribunal de justiça restaurativa para que, após desentender-se de tanto crime, por vileza ou pela lei de anistia, o Estado reconheça sua culpa e peça perdão; para que as vítimas recuperem dignidade; e para que depois de muitos anos sejam dados passos de reconciliação. Monsenhor Romero passava por El Salvador nos esforços denodados de muitos profissionais para a instauração do tribunal; na palavra das testemunhas, dos familiares das vítimas e, às vezes, das próprias vítimas; na dignidade, no alívio, na mão estendida que essas palavras expressavam].

Terminamos por onde começamos. Estamos na Capela da UCA. Convido-os a tornar realidade o compromisso assumido pelo padre Ellacuría quando, diante de Monsenhor, em 1985, recebeu o Doutorado Honoris Causa outorgado pela UCA.

1. Uma autêntica inserção na realidade nacional lacerada, quase ferida mortalmente, sacudida hoje por dez assassinatos a cada dia, sem ceder à tentação de distanciar-nos dela, mas como algo que traz benefício para a excelência acadêmica.

2. Não cair na neutralidade falaz e concretizar o bem comum a partir do bem das maiorias pobres e oprimidas, das vítimas: isto é, fazer uma opção livre pelos pobres deste país e manter-nos firmes nela.

3. Após a guerra, propiciar e defender de todas as formas possíveis uma paz verdadeira, os direitos humanos e a reconciliação real; frear o sangramento do país e trabalhar para que não sejam necessárias as migrações desumanas.

4. Não desistir da esperança de construir um futuro melhor, mais humano e humanizado. Especialmente, devolver palavra, consolo, dignidade e reparação às vítimas. E deixar-nos salvar por elas.

5. Que não se esmoreça, mas que se robusteça a inspiração cristã que movia todo o atuar de Mons. Romero. O Monsenhor que vivia da fé em Jesus nos move a dar a vida pelos que sofrem, tal como lemos no evangelho.

Peçamos a Deus que esta Universidade, com humildade e com decisão, com convicção e com alegria, seja fiel seguidora de Monsenhor Romero.


Pe. Jon Sobrino
24 de março, 2009

26/03/2009

Pe. Adolfo Nicolás

'Se tudo muda, por que resistimos à mudança?' Entrevista com Adolfo Nicolás, superior geral da Companhia de Jesus


O superior-geral da Companhia de Jesus, Pe. Adolfo Nicolás, visitou, entre os dias 30 de janeiro e 07 de fevereiro, a Província Jesuíta da Califórnia, nos Estados Unidos, por ocasião do seu 100º aniversário. Durante os nove dias, visitou 11 cidades e 30 locais diferentes, falando com uma ampla variedade de grupos, além de conceder uma grande coletiva de imprensa, no dia 04 de fevereiro, para os representantes dos meios de comunicação católicos, na Universidade de San Francisco (USF). A coletiva ocorreu após a missa celebrada na Igreja de Santo Inácio e o almoço com quatro estudantes do St. Ignatius College Preparatory e outros quatro da USF. As questões foram enviadas previamente pelos jornalistas católicos locais, para permitir que Nicolás tivesse tempo para preparar suas respostas. Nesta entrevista, que perpassa diversos temas relevantes da conjuntura atual, Nicolás aborda a importância dos leigos para os jesuítas e para a Igreja, o papel da educação superior, o eurocentrismo do Vaticano, as relações Jesuítas-Vaticano e os grandes desafios da cultura contemporânea para uma formação integral das pessoas. A entrevista [1] foi publicada no sítio da Província da Califórnia dos Jesuítas, 13-02-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS



Quais são os maiores desafios e oportunidades na parceria leigos-jesuítas em um futuro próximo? O que o senhor fará para promover esse movimento?

Adolfo Nicolás – Uma das experiências mais encorajadoras que estou tendo na Califórnia é ver um maravilhoso treinamento profissional que envolve coração e mente entre as equipes de leigos que estão trabalhando conosco nas universidades, escolas e paróquias. Em resposta à sua pergunta, quais são as oportunidades? Eu diria todas – tudo está em aberto. Se temos essa qualidade de colaboração, então creio que a nossa missão se expande imensamente.

Iniciar novas aventuras com os leigos, apesar do pequeno número de jesuítas, é uma possibilidade realista. Estou descobrindo pessoas muito ávidas por comprometer suas vidas com o serviço e com os ideais aos quais temos tentado nos comprometer. Nós, jesuítas, somos muito auxiliados, encorajados e apoiados [pelos leigos] não apenas em nossos ministérios, mas também para pensar a respeito de novas possibilidades. Isso tem sido muito encorajador.

O grande desafio que temos agora é este: como estruturamos essa colaboração? Precisamos de algum tipo de estrutura para termos grupos de leigos que compartilham a nossa visão e a nossa espiritualidade e que continuam se unindo a nós? Mesmo se o fizermos, gostaria que isso ocorresse com os leigos no centro, para que os jesuítas sozinhos não criem instituições para apoiar o nosso trabalho, mas trabalhem com os leigos como parceiros reais. De minha parte, eu farei tudo o que puder para apoiar as possibilidades significativas que trarão mais criatividade à nossa missão e ao nosso trabalho.

Há questões sociais ou educacionais comuns que se colocam aos jovens e que a educação jesuíta deveria pensar a respeito com relação ao futuro?

Adolfo Nicolás – Sim. Penso que os desafios reais que enfrentamos não são desafios jesuítas. Temos os mesmos desafios que você e a sociedade têm. É aí onde os jovens e as instituições de ensino devem entrar e incorporar os planos e programas educacionais das nossas instituições. Eles estão fazendo isso muito bem.

O que estou vendo na Califórnia é muito edificante. Inspirei-me muito com as duas escolas Cristo Rey com as quais tive contato. Esses são um dos programas mais criativos que eu já vi. Os colégios Cristo Rey são os mais significativos não apenas porque respondem a prioridades que temos em termos de serviço apostólico, mas também porque oferecem um programa realista e são imaginativos sem serem complicados. E eles podem se multiplicar. Eu escuto que os colégios Cristo Rey estão se multiplicando, e não necessariamente com jesuítas, mas com outros grupos, e acho que esse é o ideal. Quanto mais pessoas se envolverem nesse tipo de serviço criativo que essas instituições realizam, melhor para as pessoas, que é o objetivo de todo tipo de serviço.

Outro plano interessante é ir ao encontro dos jovens onde eles estão como totalidade. Eu estou muito animado nesta manhã. A recém tive um encontro com pessoas muito importantes na direção das instituições de ensino daqui [estudantes do St. Ignatius College Preparatory e da USF]. Eles me contaram a respeito dos tipos de projetos que os levaram a diferentes partes do mundo para fazer com que experimentassem os desafios de como as pessoas vivem. Eles, então, fazem disso uma parte dos seus estudos. Isso é um indicador do ideal jesuíta de uma educação humanista que toca a pessoa como um todo. Envolve não apenas bons trabalhos em sala de aula com informações intelectuais, mas também uma educação do coração e da sensibilidade das mãos e dos pés.

Esses são programas realistas que estão influenciando os estudantes muito profundamente. No meu encontro com os estudantes, esse foi o ponto que mais se ressaltou. Eles sentem que essas experiências estão mudando-os. É maravilhoso quando rapazes e moças sentem que estão mudando. Essa é uma das coisas mais encorajadoras para um educador.

Com relação às vocações, quais as diferenças da ordem jesuíta hoje com relação a quando o senhor entrou? Qual o desafio para a Companhia de Jesus no sentido de promover vocações para as novas gerações?

Adolfo Nicolás – A Companhia de Jesus é diferente hoje com relação há 55 anos, quando eu entrei, assim como a Igreja é diferente e assim como o mundo é diferente. O mundo mudou imensamente nesses 55 anos. Pensem nos Estados Unidos e em San Francisco. Eu passei por San Francisco em 1961. E vim hoje e está diferente. O Vaticano II levou a uma mudança tremenda, assim como todos os eventos pós-Concílio. Somos diferentes porque somos frutos e filhos dos nossos tempos e da nossa Igreja.

Ao mesmo tempo, as mudanças continuam a ser as mesmas: como podemos ser fiéis e coerentes no seguimento de Cristo para responder aos desafios que Santo Inácio teve que enfrentar em seu próprio tempo, com relação ao discernimento, a olhar a realidade, servir e ajudar os outros a ser parte desse serviço? Continuamos sendo diferentes e, espero, continuaremos a mudar.

Estive lendo recentemente sobre o mestre budista mais importante da história japonesa, Dogen [2]. Ele escreve que a vida inteira é mudança. Olhem para as paisagens hoje, e amanhã verão-nas diferentemente. Se tudo muda, por que resistimos à mudança? Ele diz que a mudança é a essência da vida. Eu me inclino a concordar com isso. Porém, espero que as nossas mudanças sejam criativas em um processo dinâmico, bem discernidas e bem analisadas, para que não apenas mudemos sem direção. Como lemos ontem na Carta de Paulo aos Coríntios, precisamos mudar, mas com os nossos olhos em Cristo.

Quais as diferenças da relação entre a Companhia e o Vaticano com o Papa Bento e com o seu antecessor?

Adolfo Nicolás – Eu poderia responder quase da mesma maneira: é diferente assim como as pessoas envolvidas são diferentes. A personalidade de Bento XVI traz novos acentos e um novo estilo. João Paulo II era um homem que gostava de estar com outras pessoas. Ele quase nunca comia sozinho. Bento XVI gosta de comer sozinho porque ele é um pensador, e estes são tempos em que podemos pensar. Eu apenas espero que ele aproveite a sua comida.

Suas personalidades são muito diferentes, assim como as experiências que tiveram. Um vem da Polônia; o outro, da Alemanha, e as histórias pelas quais passaram são diferentes. Eu sou diferente de [Pe. Peter Hans] Kolvenbach [ex-superior-geral] assim como ele foi diferente do seu antecessor. As coisas continuam mudando.

Neste momento, minha relação com Bento XVI é muito aberta. É uma relação de confiança, mas não de mudança política. Muitas pessoas pensam que há uma mudança em vigor do Opus Dei para a Companhia de Jesus. Eu não acho isso. Este papa é muito perspicaz e se move por escolhas pessoais, com todos os riscos, mas também com todas as limitações, que isso traz. Essa não é uma escolha que cabe à Companhia de Jesus. Pelo contrário, é uma escolha para o Pe. Federico Lombardi [o diretor da Sala de Imprensa do Vaticano], em quem ele confia, e para o Pe. Luis Ladaria [secretário da Congregação para a Doutrina da Fé], em quem ele confia. Por isso, continuamos tendo um diálogo aberto e estando em uma relação que é a melhor. Não devemos ser nem muito próximos nem muito distantes. Pertencemos à Igreja. Somos uma parte dela.

Alguns críticos dentro e fora da Igreja dizem que ela ainda é muito eurocêntrica e dominada pela cultura ocidental. Com sua experiência no Extremo Oriente e em outras culturas, como o senhor se sente com relação a isso? Como a Igreja pode verdadeiramente se tornar mais multicultural? Ou ela deveria se tornar?

Adolfo Nicolás – Essa é uma questão que tem uma relevância especial para a Califórnia. Aqui, vi um multiculturalismo expressado muito visivelmente de uma maneira bem integrada e dinâmica. É um truísmo dizer que a Europa é eurocêntrica. O Vaticano está na Europa, portanto é eurocêntrico. A questão não é a localização, mas a mentalidade.

Estar na Europa e ter uma longa história da Europa como centro e praticamente o único ponto de referência para grandes questões até o século XVI – isso tem um peso, especialmente em uma instituição como a Igreja, que é talvez a instituição mais constante na Europa. Todo o resto mudou. As fronteiras mudaram. Mas o Vaticano está lá há muito, muito tempo. Como ele pode se tornar mais universal, mais aberto a outras culturas, a outras tradições e a outros países?

A única maneira é por meio de encontros. Certamente, estamos ansiosos e felizes em ajudar a Igreja a produzir e a fazer o melhor nesses encontros. Teorias ou artigos de livros sobre universalidade da Igreja não irão mudar Roma, que tem um peso como o das suas pedras. E há muitas pedras em Roma, muitas feitas de um mármore duro.

A mudança vem por meio de encontros, e eu encorajo as pessoas em Roma a viajar o tanto quanto for possível para ver e para escutar, não apenas para falar, e para se misturar com outras pessoas e se dar conta de que Deus tem estado muito ocupado em trabalhar, enquanto em Roma estivemos dormindo. Como diz o Evangelho, a semente cresce à noite, quando o agricultor está dormindo. Enquanto em Roma estamos dormindo, Deus continua trabalhando na Ásia, na África, na América Latina e no resto do mundo. Eu espero que mais e mais de nós vejam isso.

Houve um esforço, mas um esforço muito europeu, um esforço lógico e mental para trazer os não-europeus para o Vaticano. Mas não é suficiente. Se não somos cuidadosos, iremos trazer asiáticos ou africanos que foram formados na Europa, e a tendência européia irá continuar. O que temos a fazer é trazer pessoas perigosas: pessoas que pensem diferentemente e que abram um novo diálogo internacional dentro do Vaticano.

Como isso irá ocorrer? Eu não sei. Eu acho que o Papa, em princípio, está aberto. A questão é: ele é capaz de canalizar essa conscientização por meio dos diferentes escritórios para que se torne realidade? Como jesuítas, ficaríamos felizes em contribuir e cooperar. O Pe. Jim Grummer [assistente regional do Pe. Nicolás nos EUA] e eu nos encontramos com alguns assessores no Vaticano que estão muito ansiosos para conseguir a nossa ajuda e, particularmente, dos jesuítas dos EUA que ensinam em universidades. Aqui, há uma riqueza de experiências que eles não têm.

Ao visitar as nossas instituições de ensino, o senhor viu alguma coisa inovadora ou interessante que lhe dá esperanças para o futuro?

Adolfo Nicolás – Por meio das bolsas de estudo e de outras formas de auxílio, a USF fez um grande trabalho de abertura da universidade a pessoas com renda inferior a 30 mil dólares anuais, o que é algo difícil para uma universidade fazer para ajudar essa população. Isso, por si mesmo, modifica a instituição. Também faz com que seja mais fácil que os migrantes de primeira geração estudem, consigam um diploma universitário e modifiquem o padrão das suas famílias. Estou também entusiasmado ao ver que os estudantes norte-americanos se encontram e trabalham com pessoas de fora dos EUA.

Os centros Cristo Rey, que servem a populações que, de outra forma, não poderiam ir para a escola, permite que os estudantes estudem de uma forma diferente, porque estão trabalhando um ou dois dias por semana. Eles estão vendo, ao mesmo tempo, o mundo dos livros e o mundo do trabalho real, assim como fazendo contatos e mudando o espírito do seu local de trabalho.

Essas são respostas criativas à nossa necessidade de mudar de uma educação exclusiva e elitista para uma educação mais ampla. A educação da elite sempre será necessária e irá continuar, mas as escolas Cristo Rey abrem as mentes e iniciam um processo de cooperação que enriquece a todos nós.

A educação real não ocorre na sala de aula ou na capela apenas. A educação real acontece em todo o campus e por meio de atividades externas. Levar a educação a uma perspectiva mais ampla é uma forma de expressar a espiritualidade inaciana como pedagogia. Isso nos permite ver como Deus trabalha na vida e permite que as pessoas cresçam por meio desses encontros. Incorporar tudo isso na educação é um processo muito criativo que eu vejo acontecendo, pelo menos na Califórnia.

Qual parte do mundo, mais do que qualquer outra, apresenta o maior potencial para dar forma ao futuro da Companhia?

Adolfo Nicolás – Depende de qual área você se refere. Por exemplo, na educação superior, certamente os EUA, sem dúvida, apresentam um grande potencial. Nos EUA, muitas coisas estão acontecendo, boas, ruins e intermediárias. Há juventude, frescor, riscos sendo assumidos e uma abundância de recursos que tornam os EUA uma parte do mundo muito criativa.

Mas eu hesitaria em dizer que os EUA apresentam a maior influência em toda a parte. A Índia tem muito a oferecer em termos de tradição e de profundidade desde outras perspectivas. A África tem muito a oferecer, que nós nem tocamos em termos de cultura e de integração da pessoa. A Ásia oriental também tem muitas possibilidades. Diferentes partes do mundo contribuem com diferentes coisas.

Um dos objetivos de uma visita como esta à Califórnia é conseguir descobrir quais são os pontos fortes e fracos de cada área. Os pontos fortes podem ser uma ajuda para o resto do mundo. Aqueles entre nós que estão em Roma precisam saber o que está acontecendo para que esse intercâmbio possa ser mais rico e mais produtivo.

Eu hesitaria em dizer que o país dominante é os EUA ou a China ou a África. Em algumas áreas, sim; em outras, não. Deus trabalha livremente. Ele não me consulta. Eu disse “ele”? Talvez não seria "ela"?

Como a Companhia de Jesus responde às mudanças climáticas?

Adolfo Nicolás – Há muito mais respostas do que eu pensava quando vi essa questão pela primeira vez. Eu perguntei ao homem que sabe disso, e ele me deu duas páginas de coisas que estão acontecendo.

Vivemos em um mundo em pedaços. Muitas pessoas têm publicado coisas a respeito da desertificação, das enchentes e das mudanças climáticas. Outros estão trabalhando no sul da Ásia na educação e na mobilização de dois milhões de estudantes em ações locais voltadas para o meio ambiente. Em 2008, 150 oficinas ocorreram no sul da Ásia.

Nas Filipinas, nós patrocinamos o Instituto de Ciências Ambientais para a Mudança Social. O padre encarregado está trabalhando com as mudanças climáticas e seus efeitos no país, como a desertificação.

Em Munique, temos o Projeto de Mudanças Climáticas e Justiça. Na Colômbia, dirigimos o Instituto Mayor Campesino, que oferece treinamento em agricultura e outras áreas. Nos EUA, temos o Earth Healing, liderado pelo Pe. Al Fritsch, S.J., que disponibiliza uma página na Internet com reflexões diárias com mais de 10 milhões de visitantes desde 2004. Na África, temos o Centro de Treinamento Agrícola Kasisi. Em todos os continentes, temos pessoas que estão envolvidas e trabalhando com esse tema.

Obviamente, esse é um desafio. Meu assistente nesse assunto também indica que enfrentamos os desafios do crescimento da conscientização e da divulgação de informações erradas e preconceitos. Ambos caminham juntos. Temos que pedir que as universidades e os cientistas jesuítas estabeleçam uma plataforma com sólidos fundamentos científicos. As universidades jesuítas precisam apoiar as novas redes sociais enquanto aprendem com outras redes e campanhas.

Temos que desenvolver uma espiritualidade que leve a sério a criação. Não é apenas uma questão de necessidade de sobrevivência e de necessidade de oxigênio. Precisamos nos questionar sobre como entramos e nos harmonizamos com o nosso meio ambiente. Nesse sentido, o Japão é muito mais consciente do que nós com relação ao significado da natureza. Minha recomendação vem do Mestre Dogen, que eu citei antes: sempre que você tiver uma crise, vá para a natureza, e a natureza irá ajudá-lo a superá-la. Há uma sabedoria do universo trabalhando por meio da natureza que nós precisamos. A natureza pode nos curar e nos aliviar, e também nos dar sabedoria.

Além disso – e isto surgiu em nossa última Congregação Geral –, precisamos repensar a nossa forma de vida mesmo dentro da nossa comunidade. Somos uma pequena porcentagem do mundo, mas precisamos simplificar nossas vidas. Parte do problema é que nós nos acostumamos a uma forma de vida que é muito prejudicial e não-sustentável. O nível de vida dos EUA não pode se tornar universal, ele não é sustentável. Se os chineses gastassem tanta energia quanto os norte-americanos, o mundo entraria em colapso muito rapidamente. Temos que abrir mão de muitos dos nossos privilégios e vantagens para que toda a Terra se torne mais humana, mais justamente organizada e, ao mesmo tempo, mais sustentável, para que a natureza possa continuar a ser a nossa irmã e o nosso apoio.

As instituições de ensino jesuítas hoje convidam os estudantes a ser contraculturais. Que aspectos da cultura mais ameaçam, e como as instituições jesuítas preparam os estudantes para um mundo que busca despojá-los de dignidade?

Adolfo Nicolás – Isso é algo que afeta o Japão, a Europa e a América de uma forma semelhante. Eu acho que os pontos em que todos nós, não apenas os estudantes, temos que ser contraculturais envolvem o culto ao sucesso. O sucesso é a maior tentação que temos. Nós, jesuítas, temos essa tentação. Cerca de 80% ou mais dos seres humanos não têm sucesso e experimentam o fracasso no casamento ou no trabalho ou no crescimento de seus filhos. Quando grande parte das pessoas do mundo fracassam ao cultivar o sucesso, isso não é muito humano.

Eu penso que temos que reduzir a mentalidade do sucesso. Teremos sucessos muitas vezes em muitas coisas, mas devemos ser muito livres com relação a esse sucesso. O sucesso nunca deveria ser um princípio para a competição. Isso é perigoso para todos nós. Nossos estudantes podem aceitar todos os valores [que ensinamos em nossas instituições], mas, no momento em que saírem das escolas ou das universidades, se cultuam o sucesso, irão esquecer todo o resto.

Às vezes, nas escolas mais elitistas que tivemos no passado, demos uma dupla mensagem sem nos darmos conta. Dissemos aos estudantes que fossem homens para os outros, mas, por meio do sistema, dissemos para eles correrem mais rápido do que os outros, senão não chegariam ao final. Essas duas mensagens não convivem muito bem. Quando uma crise surgir, eles irão se lembrar da mensagem de correr mais rápido.

Outro valor cultural que deve ser desafiado é o viver com pressa. Vivemos em um mundo repleto de "fast food", relacionamentos rápidos, aprendizado rápido, casamentos rápidos e divórcios rápidos. Tudo isso ameaça a capacidade humana de crescer. O crescimento real não é rápido. As coisas reais não são rápidas. Mestre Dogen indica que, quando comemos uma boa comida, ao ponto de, no meio da refeição, dizer “Nossa, isto é delicioso!”, então essa é uma experiência que nos prepara para a iluminação. É um momento não de pensamento, mas de pura sensação, quando você está aberto a qualquer coisa. As pessoas modernas não têm mais essa experiência. Não aproveitamos uma companhia silenciosa durante uma refeição. Se estamos com pressa, como poderemos mudar verdadeiramente alguma coisa?

Outro valor que precisa ser desafiado – e talvez vocês estão mais em risco do que na Ásia, porque as democracias asiáticas não são tão democráticas – é a determinação de valores pela maioria de votos. Isso é algo perigoso. Os valores nunca nascem pela maioria de votos. Os valores nascem do coração, do interior profundo, dos encontros com pessoas ou dos sofrimentos da vida. Se optarmos pela maioria de votos, então os valores rebaixam-se geração após geração, como experimentamos em muitos lugares. Esse é um valor cultural que deve ser desafiado.

No Ocidente, não apenas nos EUA, há uma falta de espaço para o silêncio, para a calma, para a relação pacífica e para a vida em conjunto nos bairros ou no centro da cidade. Tínhamos isso no passado, mas não temos mais. O espaço para o silêncio e a calma, o poder curador da calma e da paz é imenso, e o estamos perdendo. O único momento em que podemos ser curados é quando estamos dormindo, porque então não podemos falar. Mas mesmo isso está se tornando cada vez mais curto, exceto se eu me recusar a dormir menos. Precisamos de tempo para que o coração se recupere e possa se desenvolver.

Também precisamos desafiar a importância esmagadora dada no Ocidente ao pensamento em comparação ao sentimento. O pensamento é muito importante, mas, no Ocidente, racionalizamo-lo ao ponto de dizer que o pensamento é o melhor de todos os valores. Eu não concordo. O coração é o mais importante. O coração envolve tanto o pensamento quanto o sentimento. O coração é um dos órgãos mais importantes para o conhecimento, e isso é afirmado pela neurobiologia moderna. O coração é um órgão do conhecimento conectado ao cérebro. Isso é algo que as pessoas mais antigas sabiam, mas nós perdemos esse conhecimento. Descartamos o coração dizendo: “É apenas sentimento”, e colocamos a mente acima do coração, e a natureza prática e a eficiência acima da compaixão e a amizade.

Em sua opinião, qual é o papel da educação superior jesuíta no mundo de hoje? O que significa hoje ser uma universidade jesuíta?

Adolfo Nicolás – A educação superior é um dos sistemas que a humanidade criou com grande sabedoria para garantir que a sociedade cresça de uma forma racional. Se a educação superior pode ser integrada com a pessoa como um todo, com toda a humanidade e com uma filosofia melhor, então esse é provavelmente um dos melhores serviços que a sociedade pode oferecer a si mesma.

A educação superior é fruto da sociedade que responde a suas próprias necessidades. A educação superior é absolutamente necessária para qualquer sociedade, e ela oferece um serviço de discernimento, de racionalidade e de integração que será cada vez mais necessário. Não podemos deixar a sociedade nas mãos de improvisadores ou de pessoas que pensam apenas em termos de ganho político ou econômico. Precisamos de um lugar em que as pessoas possam pensar e aprender e crescer.

Em nosso encontro capitular no ano passado, houve uma grande insistência sobre a importância do que chamamos de apostolado intelectual. Precisamos estar presentes onde a educação superior está ocorrendo, onde as pessoas estão pensando, para que, nesse pensamento, haja uma integração de toda a realidade junto com uma abertura a Deus e à transcendência, que não pode ser limitada apenas a um fato científico.

Estou lendo agora um artigo que diz que o grande erro da filosofia ocidental começou com Aristóteles. Ele foi um cientista e teve uma filosofia da ciência muito boa. O problema é que ele aplicou essa ciência aos seres humanos, que têm liberdade, um coração e uma vontade. Você não pode aplicar os princípios da ciência física a um ser humano, que sempre está em processo e em crescimento. Isso reduz o escopo da pessoa. Temos que estar conscientes disso e estar presentes precisamente para dar o que Inácio deu, que foi coração a todo o processo de aprendizagem, de serviço e de ministério aos outros.

Notas:

1. Um vídeo da coletiva e da missa também foram disponibilizados no link http://www.siprep.org/Nicolas (em inglês).

2. Dōgen Zenji (1200-1253), também conhecido como Dōgen Kigen ou Eihei Dōgen, foi um mestre zen-budista japonês nascido em Kyoto. Dogen fundou a escola Sōtō de Zen. Foi uma figura religiosa proeminente em seu tempo, bem como um filósofo importante. Dogen é mais conhecido pelo seu "Tesouro do Olho do Dharma Verdadeiro" ou Shōbōgenzō, uma coleção de 95 fascículos relacionados à prática budista e à iluminação.

25/03/2009

Mons. Romero: Impossível não recordá-lo

Ricardo Zúniga García é colaborador de Adital, educador nicaragüense e analista político.
Fonte: ADITAL



Simplesmente é impossível não recordá-lo. Para os que tentávamos viver nossa fé cristã construindo o processo histórico da revolução nicaraguense, e para outros irmãos que faziam o mesmo na Guatemala ou em grupos de solidariedade com os processos de transformação centroamericanos, a figura de Mons. Romero significa vida, esperança, compromisso.

Recordo como se fosse hoje, na Plaza de la Revolución, em frente da antiga Catedral de Manágua, lotada de povo cristão e revolucionário, comovido, consternado ante o assassinato de Mons. Romero. Ao concluir a missa campal que o Arcebispo Mons. Obando havia celebrado como uma missa de defuntos, o padre Miguel D’Escoto tomou o microfone para dizer: ‘esta não é uma simples missa de defuntos; estamos celebrando o martírio do Bispo Oscar Romero, exemplo de compromisso cristão com a vida de seu povo. Exemplo e inspiração para o povo de Nicarágua, para os povos da América Central’. Com essas palavras e outras semelhantes, a multidão que ali nos havíamos convocado sentiu que seus sentimentos tinham sido expressados; iniciamos um caminho, que ainda continua, de aprendizagem do Evangelho de Jesus, relido por Romero com uma grande concretude.

Ninguém como ele, mesmo sendo um bispo formado nos esquemas anteriores ao Concílio Vaticano II, falou com tanta clareza sobre o que significa ser cristão, seguir a Jesus, ser solidário com os irmãos, empenhar-se pelo Reinado de Deus e por sua justiça. Romero falou com extraordinária clareza sobnre a missão da Igreja, sobre a opção pelos pobres, sobre a autonomia das lutas políticas e sobre a necessidade de que os povos se organizem social e politicamente em torno a suas necessidades e interesses de pobres, iluminados pelo testemunho de Jesus. Para encontrar clareza romeriana, nos remetemos ao discurso pronunciado uns cinquenta dias antes de seu martírio, na Universidade de Lovaina (Bélgica), ao receber a homenagem que essa Universidade lhe ofereceu (conferir no final, em espanhol).

O mês e a data de seu martírio e ressurreição são muito significativos para outros povos da América Latina. No dia 2 de março de 1980 foi assassinado na Bolívia pelo regime militar o Padre Luiz Espinal Camp, sacerdote e jornalista, com clara opção pelos pobres. Na mesma data do martírio de Romero, porém quatro anos antes (1976), o povo argentino sofreu um golpe de Estado que instaurou um regime sangrento que produziu o desaparecimento de mais de 30 mil pessoas e o assassinato de líderes sociais e religiosos, entre eles o de Mons. Enrique Angelelli e a comunidade dos padres palotinos.

Hoje, graças a Deus, a milhares de profetas como Mons. Romero e de líderes populares, a repressão, a morte e o assassinato dos militantes pobres deixou de ser a prática cotidiana na maioria dos países da América Latina. Em muitos países os povos vivem com esperanças. Na Nicarágua, por exemplo, com a ajuda dos países da Alba, vários Departamentos estão sendo declarados ‘livres do analfabetismo’, para culminar declarando a Nicarágua inteira livre do analfabetismo no próximo 19 de julho, quando se celebra o 30º Aniversário do triunfo da Revolução. Também funciona o Programa Fome Zero e há créditos accessíveis para os pequenos produtores. Em El Salvador, por outro lado, inaugura-se uma nova etapa, e o presidente eleito declarou que esta se inspirará nos ensinamentos de Romero; é uma etapa que desperta entusiasmo e solidariedade em muitos países da América Latina.

Nos alegramos que a semente semeada na terra -o testemunho de Romero- hoje esteja colhendo frutos que devem continuar a melhorar a América Central e toda a América Latina e Caribe.

[Leia a seguir, em español, o discurso de Mons. Romero na Bélgica]



"La dimensión política de la fe, tal como aparece a partir de una opción por los pobres"
Monseñor Romero

2 de febrero de 1980

Universidad de Lovaina, Bélgica


Discurso de Mons. Oscar Arnulfo Romero al recibir el doctorado honoris causa por la Universidad de Lovaina, pronunciado el 2 de febrero de 1980, 50 días antes de su asesinato. Considerado como su testamento teológico y político, este texto nos da lo esencial de su lectura del Evangelio y de su vida de fe.


Tema

Experiencia y reflexión que, de acuerdo con la amable sugerencia de la Universidad, tengo el honor de situar en el ciclo de conferencias que aquí se desarrolla sobre el sugestivo tema de la dimensión política de la fe cristiana. Desde luego, no pretendo decir, ni Vds, pueden esperar de mi, la palabra de un técnico en materia de política, ni tampoco la especulación con que un experto en teología relacionaría teóricamente la fe y la política.

Sencillamente voy a hablarles más bien como pastor, que, juntamente con su pueblo, ha ido aprendiendo la hermosa y dura verdad de que la fe cristiana no nos separa del mundo, sino que nos sumerge en él, de que la Iglesia no es un reducto separado de la ciudad, sino seguidora de aquel Jesús que vivió, trabajó, luchó y murió en medio de la ciudad, en la "polis".

En este sentido quisiera hablar sobre la dimensión política de la fe cristiana; en el sentido preciso de las repercusiones de la fe para el mundo y también de las repercusiones que la inserción en el mundo tiene para la fe.

Una Iglesia al servicio del mundo

Debemos estar claros desde el principio de que la fe cristiana y la actuación de la Iglesia siempre han tenido repercusiones socio-políticas. Por acción o por omisión, por la connivencia con uno u otro grupo social los cristianos siempre han influido en la configuración socio-política del mundo en que viven. El problema es cómo debe ser el influjo en el mundo socio-político para que ese influjo sea verdaderamente según la fe.

Como primera idea, aunque todavía muy general, quiero avanzar la intuición del Concilio Vaticano II que está a la base de todo el movimiento eclesial en la actualidad. La esencia de la Iglesia está en su misión de servicio al mundo, en su misión de salvarlo en totalidad, y de salvarlo en la historia, aquí y ahora. La Iglesia está para solidarizarse con las esperanzas y gozos, con las angustias y tristezas de los hombres. La Iglesia es, como Jesús. para "evangelizar a los pobres y levantar a los oprimidos, para buscar y salvar lo que estaba perdido" (LG 8).

El mundo de los pobres…

Nuestro mundo salvadoreño no es una abstracción, no es un caso más de lo que se entiende por "mundo" en países desarrollados como el de Vds. Es un mundo que en su inmensa mayoría esta formado por hombres y mujeres pobres y oprimidos. Y de ese mundo de los pobres decimos que es la clave para comprender la fe cristiana, la actuación de la Iglesia y la dimensión política de esa fe y de esa actuación eclesial. Los pobres son los que nos dicen qué es el mundo y cuál es el servicio eclesial al mundo. Los pobres son los que nos dicen qué es la "polis", la ciudad y qué significa para la Iglesia vivir realmente en el mundo.

Permítanme que desde los pobres de mi pueblo, a quienes represento, explique entonces brevemente la situación y actuación de nuestra Iglesia en el mundo en que vivimos, y reflexionar después desde la teología, sobre la importancia que ese mundo real, cultural y sociopolítico, tiene para la propia fe de la Iglesia.

1. Actuación de la Iglesia de la arquidiócesis de San Salvador

En los últimos años nuestra Arquidiócesis ha ido tomando una dirección en su actuación pastoral que sólo se puede describir y comprender como una vuelta al mundo de los pobres y a su mundo real y concreto.

a) Encarnación en el mundo de los pobres

Como en otros lugares de América Latina después de muchos años y quizás siglos han resonado entre nosotros las palabras del Exodo:

"He oído el clamor de mi pueblo, he visto la opresión con que le oprimen" (Ex 3,9). Estas palabras de la Escritura nos han dado nuevos ojos para ver lo que siempre ha estado entre nosotros, pero tantas veces oculto, aun para la mirada de la misma Iglesia. Hemos aprendido a ver cuál es el hecho primordial de nuestro mundo y lo hemos juzgado como pastores en Medellín y Puebla. "Esa miseria, como hecho colectivo, es una injusticia que clama al cielo" (Medellín, Justicia, n. 1). Y en Puebla declaramos "como el más devastador y humillante flagelo, la situación de inhumana pobreza en que viven millones de latinoamericanos expresada por ejemplo en salarios de hambre, el desempleo y subempleo, desnutrición, mortalidad infantil, falta de vivienda adecuada, problemas de salud, inestabilidad laboral" (n. 29).

El constatar estas realidades y dejarnos impactar por ellas, lejos de apartarnos de nuestra fe, nos ha remitido al mundo de los pobres como a nuestro verdadero lugar, nos ha movido como primer paso fundamental a encarnarnos en el mundo de los pobres. En él hemos encontrado los rostros concretos de los pobres de que nos habla Puebla. (cfr. 31 -39). Ahí hemos encontrado a los campesinos sin tierra y sin trabajo estable, sin agua ni luz en sus pobres viviendas, sin asistencia médica cuando las madres dan a luz y sin escuelas cuando los niños empiezan a crecer. Ahí nos hemos encontrado con los obreros sin derechos laborales, despedidos de las fábricas cuando los reclaman y a merced de los fríos cálculos de la economía. Ahí nos hemos encontrado con madres y esposas de desaparecidos y presos políticos Ahí nos hemos encontrado con los habitantes de tugurios, cuya miseria supera toda imaginación y viviendo el insulto permanente de las mansiones cercanas.

En ese mundo sin rostro humano, sacramento actual del Siervo Sufriente de Yahvé, ha procurado encarnarse la Iglesia de mi Arquidiócesis. No digo esto con espíritu triunfalista, pues bien conozco lo mucho que todavía nos falta que avanzar en esa encarnación. Pero lo digo con inmenso gozo, pues hemos hecho el esfuerzo de no pasar de largo, de no dar un rodeo ante el herido en el camino sino de acercarnos a él como el buen samaritano.

Este acercamiento al mundo de los pobres es lo que entendemos a la vez como encarnación y como conversión. Los necesarios cambios al interior de la Iglesia, en la pastoral, en la educación, en la vida religiosa y sacerdotal, en los movimientos laicales, que no habíamos logrado al mirar sólo el interior de la Iglesia, lo estamos consiguiendo ahora al volvernos al mundo de los pobres.

b) El anuncio de la Buena Nueva a los pobres

Este encuentro con los pobres nos ha hecho nos ha hecho recobrar la verdad central del evangelio con que la palabra de Dios nos urge a conversión.

La Iglesia tiene una buena nueva que anunciar a los pobres. Aquellos que secularmente han escuchado malas noticias y han vivido peores realidades, están escuchando ahora a través de la Iglesia la palabra de Jesús: "El reino de Dios se acerca", "dichosos ustedes los pobres porque de ustedes es el reino de Dios". Y desde allí tiene también una Buena Nueva que anunciar a los ricos, que se conviertan al pobre para compartir con él los Bienes del Reino. Para quien conozca nuestro continente latinoamericano será muy claro que no hay ingenuidad en estas palabras ni menos aún opio adormecedor. Lo que hay en estas palabras es la coincidencia del anhelo de liberación de nuestro continente y la oferta del amor de Dios a los pobres. Es la esperanza que ofrece la Iglesia y que coincide con la esperanza a veces adormecida y tantas veces manipulada y frustrada, de los pobres del continente.

Es una verdad en nuestro pueblo que los pobres vean hoy en la Iglesia una fuente de esperanza y un apoyo a su noble lucha de liberación. La esperanza que fomenta la Iglesia no es ingenua ni pasiva. Es más bien un llamado desde la palabra de Dios a la propia responsabilidad de las mayorías pobres, a su concientización, a su organización en un país en que, unas veces con más intensidad que otras, está legal o prácticamente prohibida. Y es un respaldo, a veces también crítico, a sus justas causas y reivindicaciones.

La esperanza que predicamos a los pobres es para devolverles su dignidad y para animarles a que ellos mismos sean autores do su propio destino. En una palabra, la Iglesia no sólo se ha vuelto hacia el pobre sino que hace de él el destinatario privilegiado de su misión porque como dice Puebla "Dios toma su defensa y los ama (n. 1142).

c) Compromiso en la defensa de los pobres

La Iglesia no sólo se ha encarnado en el mundo de los pobres y les da una esperanza, sino que se ha comprometido firmemente en su defensa. Las mayorías pobres de nuestra país son oprimidas y reprimidas cotidianamente por las estructuras económicas y políticas de nuestro país. Entre nosotros siguen siendo verdad las terribles palabras de los profetas de Israel. Existen entre nosotros los que venden el justo por dinero y al pobre por un par de sandalias; los que amontonan violencia y despojo en sus palacios; los que aplastan a los pobres; los que hacen que se acerque un reino de violencia, acostados en camas de marfil; los que juntan casa con casa y anexionan campo a campo hasta ocupar todo el sitio y quedarse solos en el país.

Estos textos de los profetas Amós e Isaías no son voces lejanas de hace muchos siglos, no son sólo textos que leemos reverentemente en la liturgia. Son realidades cotidianas, cuya crueldad e intensidad vivimos a diario. La vivimos cuando llegan a nosotros madres y esposas de capturados y desaparecidos, cuando aparecen cadáveres desfigurados en cementerios clandestinos, cuando son asesinados aquellos que luchan por la justicia y por la paz. En nuestra Arquidiócesis vivimos a diario lo que denunció vigorosamente Puebla: "Angustias por la represión sistemática o selectiva, acompañada de delación, violación de la privacidad, apremios desproporcionados, torturas, exilios. Angustias de tantas familias por la desaparición de sus seres queridos de quienes no pueden tener noticia alguna. Inseguridad total por detenciones sin órdenes judiciales. Angustias ante un ejercicio de la justicia sometida o atada"(n. 42).

En esta situación conflictiva y antagónica, en que unos pocos controlan el poder económico y político la Iglesia se ha puesto del lado de los pobres y ha asumido su defensa. No puede ser de otra manera, pues recuerda a aquel Jesús que se compadecía de las muchedumbres. Por defender al pobre ha entrado en grave conflicto con los poderosos de las oligarquías económicas y los poderes políticos y militares del estado.

d) Perseguida por servir a los pobres

Esta defensa de los pobres en un mundo seriamente conflictivo ha ocasionado algo nuevo en la historia reciente de nuestra Iglesia: la persecución. Vds. conocerán los datos más importantes. En menos de tres años más de cincuenta sacerdotes han sido atacados, amenazados y calumniados. Seis de ellos son mártires, muriendo asesinados; varios han sido torturados y otros expulsados. También las religiosas han sido objeto de persecución. La emisora del Arzobispado, instituciones educativas católicas y de inspiración cristiana ha sido constantemente atacadas, amenazadas intimidadas con bombas. Varios conventos parroquiales han sido cateados.

Si esto se ha hecho con los representantes más visibles de la Iglesia comprenderán ustedes lo que ha ocurrido al pueblo sencillo cristiano, a los campesinos, sus catequistas delegados de la palabra, a las comunidades eclesiales de base. Ahí los amenazados, capturados, torturados y asesinados se cuentan por centenares y miles. Como siempre también en la persecución ha sido el pueblo pobre cristiano el más perseguido.

Es, pues, un hecho claro que nuestra Iglesia ha sido perseguida en los tres últimos años. Pero lo más importante es observar por qué ha sido perseguida. No se ha perseguido cualquier sacerdote ni atacado a cualquier institución. Se ha perseguido y atacado aquella parte de la Iglesia que se ha puesto de lado del pueblo pobre y ha salido en su defensa. Y de nuevo encontramos aquí la clave para comprender la persecución a la Iglesia: los pobres. De nuevo son los pobres lo que nos hacen comprender lo que realmente ha ocurrido. Y por ello la Iglesia ha entendido la persecución desde los pobres. La persecución ha sido ocasionada por la defensa de los pobres y no es otra cosa que cargar con el destino de los pobres.

La verdadera persecución se ha dirigido al pueblo pobre, que es hoy el cuerpo de Cristo en la historia. Ellos son el pueblo crucificado, como Jesús, el pueblo perseguido como el Siervo de Yahvé. Ellos son los que completan en su cuerpo lo que falta a la pasión de Cristo. Y por esa razón, cuando la Iglesia se ha organizado y unificado recogiendo las esperanzas y las angustias de los pobres, ha corrido la misma suerte de Jesús y de los pobres: la persecución.

e) Esta es la dimensión política de la fe

Esta es en breves rasgos la situación y actuación de la Iglesia en El Salvador. La dimensión política de la fe no es otra cosa que la respuesta de la Iglesia a las exigencias del mundo real socio-político en que vive la Iglesia. Lo que hemos redescubierto es que esa exigencia es primaria para la fe y que la Iglesia no puede desentenderse de ella. No se trate de que la Iglesia se considere a sí misma como institución política que entra en competencia con otras instancias políticas, ni que posea unos mecanismos políticos propios; ni mucho menos se trata de que nuestra Iglesia desee un liderazgo político. Se trata de algo más profundo y evangélico; se trata de la verdadera opción por los pobres, de encarnarse en su mundo, de anunciarles una buena noticia, de darles una esperanza, de animarles a una praxis liberadora, de defender su causa y de participar en su destino. Esta opción de la Iglesia por los pobres es la que explica la dimensión política de su fe en sus raíces y rasgos más fundamentales. Porque ha optado por los pobres reales y no ficticios, porque ha optado por los realmente oprimidos y reprimidos, la Iglesia vive en el mundo de lo político y se realiza como Iglesia también a través de lo político. No puede ser de otra manera si es que, como Jesús, se dirige a los pobres...

e) Esta es la dimensión política de la fe

Esta es en breves rasgos la situación y actuación de la Iglesia en El Salvador. La dimensión política de la fe no es otra cosa que la respuesta de la Iglesia a las exigencias del mundo real socio-político en que vive la Iglesia. Lo que hemos redescubierto es que esa exigencia es primaria para la fe y que la Iglesia no puede desentenderse de ella. No se trate de que la Iglesia se considere a sí misma como institución política que entra en competencia con otras instancias políticas, ni que posea unos mecanismos políticos propios; ni mucho menos se trata de que nuestra Iglesia desee un liderazgo político. Se trata de algo más profundo y evangélico; se trata de la verdadera opción por los pobres, de encarnarse en su mundo, de anunciarles una buena noticia, de darles una esperanza, de animarles a una praxis liberadora, de defender su causa y de participar en su destino. Esta opción de la Iglesia por los pobres es la que explica la dimensión política de su fe en sus raíces y rasgos más fundamentales. Porque ha optado por los pobres reales y no ficticios, porque ha optado por los realmente oprimidos y reprimidos, la Iglesia vive en el mundo de lo político y se realiza como Iglesia también a través de lo político. No puede ser de otra manera si es que, como Jesús, se dirige a los pobres...

2. Historización de la fe desde el mundo de los pobres

La actuación descrita de la Arquidiócesis ha partido claramente de la convicción de fe. La trascendencia del evangelio nos ha guiado en nuestro juicio y actuación. Desde la fe hemos juzgado de las situaciones sociales y políticas. Pero por otra parte es también verdad que precisamente en ese proceso de tomar postura ante la realidad socio-política tal cual es, la misma fe se ha ido profundizando, el mismo evangelio ha ido mostrando su riqueza. Sólo quisiera hacer ahora unas breves reflexiones sobre algunos puntos fundamentales de la fe que se han visto enriquecidos por esta encarnación real en el mundo socio-político.

a) Conciencia más clara del pecado

En primer lugar ahora sabemos mejor lo que es el pecado. Sabemos que la ofensa a Dios es la muerte del hombre. Sabemos que el pecado es verdaderamente mortal; pero no sólo por la muerte interna de quien lo comete, sino por la muerte real y objetiva que produce. Recordamos de esa forma el dato profundo de nuestra fe cristiana. Pecado es aquello que dio muerte al Hijo de Dios, y pecado sigue siendo aquello que da muerte a los hijos de Dios.

Esa fundamental verdad de la fe cristiana la vemos a diario en las situaciones de nuestro país. No se puede ofender a Dios sin ofender al hermano. Y la peor ofensa a Dios, el peor de los secularismos es, como ha dicho uno de nuestros teólogos: " el convertir a los hijos de Dios, a los templos del Espíritu Santo, al Cuerpo histórico de Cristo en víctimas de la opresión y de la injusticia, en esclavos de apetencias económicas, en piltrafas de la represión política; el peor de los secularismos es la negación de la gracia por el pecado, es la objetivización de este mundo como presencia operante de los poderes del mal, como presencia visible de la negación de Dios". (P. Ellacuría, Eca n. 353, p. 123).

No es por ello pura rutina que repitamos una vez mis la existencia de estructuras de pecado en nuestro país. Son pecado porque producen los frutos del pecado: la muerte de los salvadoreños, la muerte rápida de la represión o la muerte lenta, pero no menos real, de la opresión estructural. Por ello hemos denunciado la idolatrización que se hace en nuestro país de la riqueza, de la propiedad privada absolutizada en el sistema capitalista, del poder político en los regímenes de seguridad nacional en cuyo nombre se institucionaliza la inseguridad de los individuos (IV Carta Pastoral, nn. 43 - 48).

Por trágico que parezca, la Iglesia ha aprendido en su inserción en el mundo real socio-político a conocer y profundizar en la esencia del pecado. En ese mundo se desvela la más profunda esencia del pecado como la muerte de los salvadoreños.

b) Mayor claridad sobre la encarnación y la redención

En segundo lugar sabemos ahora mejor qué significa la encarnación, qué significa que y Jesús tomó carne realmente humana y que se hizo solidario de sus hermanos en el sufrimiento, en los llantos y quejidos, en la entrega. Sabemos que no se trata directamente de una encarnación universal, que es imposible, sino de una encarnación preferencial y parcial; una encarnación en el mundo de los pobres. Desde ellos podrá la Iglesia ser para todos, podrá también prestar un servicio a los poderosos a través de una pastoral de conversión; pero no a la inversa, como tantas veces ha ocurrido.

El mundo de los pobres con características sociales y políticas bien concretas, nos enseña dónde debe encarnarse la Iglesia para evitar la falsa universalización que termina siempre en connivencia con los poderosos. El mundo de los pobres nos enseña cómo ha de ser el amor cristiano, que busca ciertamente la paz, pero desenmascara el falso pacifismo, la resignación y la inactividad; que debe ser ciertamente gratuito pero debe buscar la eficacia histórica. El mundo de los pobres nos enseña que la sublimidad del amor cristiano debe pasar por la imperante necesidad de la justicia para las mayorías y no debe rehuir la lucha honrada. El mundo de los pobres nos enseña que la liberación llegará no sólo cuando los pobres sean puros destinatarios de los beneficios de gobiernos o de la misma Iglesia, sino actores y protagonistas ellos mismos de su lucha y de su liberación desenmascarando así la raíz última de falsos paternalismos aun eclesiales.

Y también el mundo real de los pobres nos enseña de qué se trata en la esperanza cristiana. La Iglesia predica el nuevo cielo y la nueva tierra; sabe además que ninguna configuración socio-política se puede intercambiar con la plenitud final que Dios concede. Pero ha aprendido también que la esperanza trascendente debe mantenerse con los signos de esperanza histórica, aunque sean signos aparentemente tan sencillos como los que proclama el tercer Isaías cuando dice que "construirán su casa y que la habitarán, plantarán viñas y comerán de sus frutos" (Is 65, 21). Que en esto haya una auténtica esperanza cristiana, que no se esté rebajando la esperanza a lo temporal y humano, como se dice a veces despreciativamente, se aprende en el contacto cotidiano de quienes no tienen casa ni viña, de quienes construyeron para que otros habiten y trabajan para que otros coman los frutos.

c) Fe más profunda en Dios y en su Cristo

En tercer lugar la encarnación en lo socio político es el lugar de profundizar en la fe en Dios y su Cristo. Creemos en Jesús que vino a traer vida en plenitud y creemos en un Dios viviente que da vida a los hombres y quiere que los hombres vivan en verdad. Estas radicales verdades de la fe se hacen realmente verdades y verdades radicales cuando la Iglesia se inserta en medio de la vida y de la muerte de su pueblo. Ahí se le presenta a la Iglesia, como a todo hombre, la opción más fundamental para su fe: estar en favor de la vida o de la muerte. Con gran claridad vemos que en esto no hay posible neutralidad. 0 servimos a la vida de los salvadoreños o somos cómplices de su muerte. Y aquí se da la mediación histórica de lo más fundamental de la fe: o creemos en un Dios de vida o servimos a los falsos de la muerte.

En nombre de Jesús queremos y trabajamos naturalmente para una vida en plenitud que no se agota en la satisfacción de las necesidades materiales primarias ni se reduce al ámbito de lo socio-político . Sabemos muy bien que la plenitud de vida se realiza históricamente en el honrado servicio a ese reino y en la entrega total al Padre. Pero vemos con igual claridad que en nombre de Jesús sería una pura ilusión, una ironía y, en el fondo, la más profunda blasfemia, olvidar e ignorar los niveles primarios de la vida, la vida que comienza con el pan, el techo, el trabajo.

Creemos con el apóstol Juan que Jesús es "la palabra de la Vida". (1 Jn 1,1) y que donde hay Vida ahí se manifiesta Dios. Donde el pobre comienza a vivir, donde el pobre comienza a liberarse, donde los hombres son capaces de sentarse alrededor de una mesa común para compartir, allí está el Dios de vida. Por ello cuando la Iglesia se inserta en el mundo socio-político para cooperar a que de é surja vida para los pobres no está alejándose de su misión ni haciendo algo subsidiario, sino que está dando testimonio de su fe en Dios, está siendo instrumento del Espíritu, Señor y dador de vida.

Esta fe en el Dios es lo que explica lo más profundo del misterio cristiano. Para dar vida a los pobres hay que dar de la propia vida y aún la propia vida. La mayor muestra de la fe en un Dios de vida es el testimonio de quien está dispuesto a dar su vida. "Nadie tiene mayor amor que el que da la vida por el hermano" (Jn 15,13). Y esto es lo que vemos a diario en nuestro país.

Muchos salvadoreños y muchos cristianos están dispuestas a dar su vida para que haya vida para los pobres. Ahí están siguiendo a Jesús y mostrando su fe en él. Insertos como Jesús en el mundo real, amenazados y acusados como él, dando la vida como él están testimoniando la Palabra de la Vida.

Nuestra historia es, pues, antigua. Es la historia de Jesús que intentamos proseguir modestamente. Como Iglesia no somos expertos en política ni queremos manejar la política desde sus mecanismos propios. Pero la inserción en el mundo socio-político, en el mundo en que se juega la vida y la muerte de las mayorías, es necesaria y urgente para que podamos mantener de verdad y no sólo de palabra la fe en un Dios de vida y el seguimiento de Jesús.

Conclusión: Opción por los pobres: orientación de nuestra fe en medio de la política

Para terminar quisiera resumir lo central de lo expuesto hasta ahora. En la vida eclesial de nuestra Arquidiócesis la dimensión política de la fe, o si se quiere, la relación ente fe y política, no se ha ido descubriendo a partir de reflexiones puramente teóricas y previas a la misma vida eclesial. Naturalmente que tales reflexiones son importantes, pero no decisivas. Estas reflexiones se hacen importantes y decisivas cuando recogen de verdad la vida real de la Iglesia. Hoy, el honor de expresar en este ambiente universitario mi experiencia pastoral me ha obligado a hacer esta reflexión teológica. La dimensión política de la fe se descubre y se la descubre correctamente más bien en una práctica concreta al servicio de los pobres. En esa práctica se descubre su mutua relación y su diferenciación. La fe es la que impulsa en un primer momento a encarnarse en el mundo socio-político de los pobres y a animar los procesos liberadores, que son también socio-políticos. Y esa encarnación y esa praxis a su vez concretizan los elementos fundamentales de la fe.

En lo que hemos expuesto aquí hemos delineado sólo los grandes rasgos de ese doble movimiento. Quedan naturalmente muchos temas por tratar. Se podría haber hablado de la relación de la fe con las ideologías políticas, en concreto con el marxismo. Se podría haber mencionado el tema candente entre nosotros de la violencia y su legitimidad. Esos tomas son objeto constante de reflexión ente nosotros, y los enfrentamos en la medida en que se van haciendo problemas reales, y aprendemos a dar una solución dentro del mismo proceso.

En el breve tiempo que me ha tocado estar dirigiendo la Arquidiócesis han pasado ya cuatro gobiernos diferentes con diversos proyectos políticos. También las otras fuerzas políticas, revolucionarias y democráticas han crecido y evolucionado en estos años. La Iglesia por lo tanto ha tenido que ir juzgando de lo político desde dentro de un proceso cambiante. En el momento actual el panorama es ambiguo, pues por una parte están fracasando todos los proyectos provenientes del Gobierno, mientras que está creciendo la posibilidad de una liberación popular.

Pero en lugar de detallarles todos los vaivenes de la política en mi país he preferido explicarles las raíces profundas de la actuación de la Iglesia en este mundo explosivo de lo socio-político. Y he pretendido esclarecerles el último criterio, que es teológico e histórico, para la actuación de la Iglesia en este campo: el mundo de los pobres. Según les vaya a ellos, al pueblo pobre, la Iglesia irá apoyando desde su especificidad uno u otro proyecto político.

Creemos que ésta es la forma de mantener la identidad y la misma trascendencia de la Iglesia. Insertarnos en el proceso socio-político real de nuestro pueblo, juzgar de él desde el pueblo pobre e impulsar todos los movimientos de liberación que conduzcan realmente a la justicia de las mayorías y a la paz para las mayorías. Y creemos que ésta es la forma de mantener la trascendencia e identidad de la Iglesia porque de esta forma mantenemos la fe en Dios.

Los antiguos cristianos decían: "Gloria Dei, vivens homo", (la gloria de Dios es el hombre que viva). Nosotros podríamos concretar esto diciendo: "Gloria Dei, vivens pauper". (La gloria de Dios es el pobre que viva). Creemos que desde la trascendencia del evangelio podemos juzgar en qué consiste en verdad la vida de los pobres; y creemos también que poniéndose del lado del pobre e intentando darle vida sabremos en qué consiste, la eterna verdad del evangelio.

21/03/2009

Nota Pública sobre as declarações do presidente do STF, Gilmar Mendes


Ai dos que coam mosquitos e engolem camelos(MT 23,24)

A Coordenação Nacional da CPT diante das manifestações do presidente do STF, Gilmar Mendes, vem a público se manifestar.

No dia 25 de fevereiro, à raiz da morte de quatro seguranças armados de fazendas no Pernambuco e de ocupações de terras no Pontal do Paranapanema, o ministro acusou os movimentos de praticarem ações ilegais e criticou o poder executivo de cometer ato ilícito por repassar recursos públicos para quem, segundo ele, pratica ações ilegais. Cobrou do Ministério Público investigação sobre tais repasses. No dia 4 de março, voltou à carga discordando do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, para quem o repasse de dinheiro público a entidades que “invadem” propriedades públicas ou privadas, como o MST, não deve ser classificado automaticamente como crime.O ministro, então, anunciou a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual ele mesmo é presidente, de recomendar aos tribunais de todo o país que seja dada prioridade a ações sobre conflitos fundiários.

Esta medida de dar prioridade aos conflitos agrários era mais do que necessária. Quem sabe com ela aconteça o julgamento das apelações dos responsáveis pelo massacre de Eldorado de Carajás, (PA), sucedido em 1996; tenha um desfecho o processo do massacre de Corumbiara, (RO), (1995); seja por fim julgada a chacina dos fiscais do Ministério do Trabalho, em Unaí, MG (2004); seja também julgado o massacre de sem terras, em Felisburgo (MG) 2004; o mesmo acontecendo com o arrastado julgamento do assassinato de Irmã Dorothy Stang, em Anapu (PA) no ano de2005, e cuja federalização foi negada pelo STJ, em 2005.

Quem sabe com esta medida possam ser analisados os mais de mil e quinhentos casos de assassinato de trabalhadores do campo. A CPT, com efeito, registrou de 1985 a 2007, 1.117 ocorrências de conflitos com a morte de 1.493 trabalhadores. (Em 2008, ainda dados parciais, são 23 os assassinatos). Destas 1.117 ocorrências, só 85 foram julgadas até hoje, tendo sido condenados 71 executores dos crimes e absolvidos 49 e condenados somente 19 mandantes, dos quais nenhum se encontra preso. Ou aguardam julgamento das apelações em liberdade, ou fugiram da prisão, muitas vezes pela porta da frente, ou morreram.

Causa estranheza, porém, o fato desta medida estar sendo tomada neste momento. A prioridade pedida pelo CNJ será para o conjunto dos conflitos fundiários ou para levantar as ações dos sem terra a fim de incriminá-los? Pelo que se pode deduzir da fala do presidente do STF, “faltam só dois anos para o fim do governo Lula”... e não se pode esperar, “pois estamos falando de mortes” nos parece ser a segunda alternativa, pois conflitos fundiários, seguidos de mortes, são constantes. Alguém já viu, por acaso, este presidente do Supremo se levantar contra a violência que se abate sobre os trabalhadores do campo, ou denunciar a grilagem de terras públicas, ou cobrar medidas contra os fazendeiros que exploram mão-de-obra escrava?

Ao contrário, o ministro vem se mostrando insistentemente zeloso em cobrar do governo as migalhas repassadas aos movimentos que hoje abastecem dezenas de cidades brasileiras com os produtos dos seus assentamentos, que conseguiram, com sua produção, elevar a renda de diversos municípios, além de suprirem o poder público em ações de educação, de assistência técnica, e em ações comunitárias. O ministro não faz a mesma cobrança em relação ao repasse de vultosos recursos ao agronegócio e às suas entidades de classe.

Pelas intervenções do ministro se deduz que ele vê na organização dos trabalhadores sem terra, sobretudo no MST, uma ameaça constante aos direitos constitucionais.

O ministro Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade e de que lado está. Como grande proprietário de terra no Mato Grosso ele é um representante das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios. Para ele e para elas os que valem, são os que impulsionam o “progresso”, embora ao preço do desvio de recursos, da grilagem de terras, da destruição do meio-ambiente, e da exploração da mão de obra em condições análogas às de trabalho escravo. Gilmar Mendes escancara aos olhos da Nação a realidade do poder judiciário que, com raras exceções, vem colocando o direito à propriedade da terra como um direito absoluto e relativiza a sua função social. O poder judiciário, na maioria das vezes leniente com a classe dominante é agílimo para atender suas demandas contra os pequenos e extremamente lento ou omisso em face das justas reivindicações destes. Exemplo disso foi a veloz libertação do banqueiro Daniel Dantas, também grande latifundiário no Pará, mesmo pesando sobre ele acusações muito sérias, inclusive de tentativa de corrupção.

O Evangelho é incisivo ao denunciar a hipocrisia reinante nas altas esferas do poder: “Ai de vocês, guias cegos, vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo” (MT 23,23-24).

Que o Deus de Justiça ilumine nosso País e o livre de juízes como Gilmar Mendes!


Goiânia, 6 de março de 2009

Dom Xavier Gilles de Maupeou d’Ableiges
Presidente da Comissão Pastoral da Terra


Maiores informações:
Assessoria de Comunicação - Secretaria Nacional da CPT
Fone: 62 4008-6406/ 6412 / 6400
www.cptnacional.org.br

19/03/2009

Pe. François Houtart

...nunca houve tanta riqueza e tantos pobres como agora

O sociólogo belga François Houtart (Bruxelas, 1925), uma das vozes mais radicais do movimento antiglobalização cristão, inaugurou o curso do Centro Mediterrâneo da Universidade de Granada ‘O caminho que estamos vivendo’, no qual participam destacados intelectuais, como Federico Mayor Zaragoza, Carlos Tablada, Joaquín Estefanía, José Vidal-Beneyto e Riccardo Petrella. Houtart, delegado especial do presidente da Assembléia Geral das Nações Unidas para a Reforma do sistema Financeiro e Monetário, fundador do Centro Tricontinental da Universidade Católica de Lovaina. Fonte: ADITAL


Como vê a crise atual?

Fala-se muito de crise financeira; porém, ela é um epifenômeno de um problema muito mais grave que é a lógica da organização econômica mundial. Há uma convergência de diversas crises: alimentar, energética, climática, social, humanitária, ecológica...

Como será essa ‘sociedade do futuro’ da qual o senhor fala no curso?

A sociedade do futuro tem que ser pós-capitalista e somente pode ser construída sobre quatro grandes eixos. Primeiro, uma relação de respeito e não de exploração com a natureza. Na prática, significa declarar a água e as sementes patrimônio universal e não permitir sua privatização. O segundo eixo é privilegiar o valor de uso sobre o valor de troca, o que significa que os produtos e os serviços teriam que ser desenvolvidos em função das necessidades e não do usufruto. Estamos em uma situação absurda: nunca houve tanta riqueza e tantos pobres. Para a acumulação do capital é mais interessante desenvolver de maneira espetacular 20% da população mundial do que produzir bens e serviços para os demais 80% que não têm poder de compra. O terceiro eixo é a democratização da sociedade, não somente no campo político, mas em todas as relações sociais coletivas: na economia, nas instituições da saúde, da educação, no esporte e na religião, entre homens e mulheres... E o quarto eixo é a multiculturalidade: a possibilidade de que todos os saberes, filosofias e religiões contribuam para a construção social coletiva. Até agora, identificamos desenvolvimento com ocidentalização e os saberes tradicionais têm sido marginalizados.

Como acredita que será a transição de um sistema para outro?

São necessários atores que construam uma nova relação de força - o qual não significa necessariamente violência-, porque o sistema não vai mudar por si mesmo. No século XIX e XX o ator que se opunha ao capitalismo era a classe operária; porém, hoje, com as mudanças no trabalho, com a debilidade das organizações operárias e com a globalização, os atores são todos os grupos sociais subalternos atingidos pela lei do capital: os camponeses sem terra, os indígenas, as mulheres, os estudantes... O novo ator histórico é global. Somente a convergência dessas lutas pode transformar as coisas. O problema é que são resistências um tanto isoladas. Para ter uma força real necessitam da dimensão política, e isso é ainda muito solto. Só na América Latina se vê os primeiros passos de alternativas que vão contra a lógica do sistema dominante: na Venezuela, na Bolívia, no Paraguai, no Equador... Por exemplo, foi a convergência de ONGs, movimentos sociais, igrejas e alguns governos que impediu o tratado de livre comércio entre EUA, Canadá e América Latina, e está tentando outro tipo de integração latinoamericana através da ALBA.

O senhor afirma que é necessário construir o socialismo. Porém, que socialismo: o de Zapatero ou o de Fidel?

O pós-capitalismo pode chamar-se socialismo; porém, deve ser definido por seu conteúdo. Do contrário, é uma palavra ambígua: pode ser Pol Pot, Stalín, Tony Blair... Para mim, o socialismo se define em função dos quatro eixos que citei anteriormente.

Crê que Cuba é um bom exemplo de construção socialista?

Cuba é um ensaio que tem tido êxitos -especialmente no plano da saúde, da educação, do esporte e da cultura-; porém, também teve o obstáculo da dominação da URSS durante vinte anos, que reorientou o modelo original e do qual Cuba está tentando sair desde o fim dos anos oitenta. Em Cuba, como nos demais países, a construção do socialismo teve que ser feita nas piores condições, guerras, embargos, a queda da URSS...

O socialismo é incompatível com a democracia?

Não, de nenhuma maneira. Porém, não podemos dizer que não existe democracia em Cuba. Esse é o argumento habitual dos ataques a Cuba. Há um desejo de mais democracia, mais agilidade, menos rigidez no sistema burocrático e político, mais participação, apesar de que lá existe muito mais democracia do que em qualquer outro país da América Latina... A forte reação do mundo capitalista teve como consequência em Cuba a rigidez do sistema, a militarização, para defender-se. Porém, não são as pressões do exterior que vão conseguir maior democratização em Cuba; ao contrário: quanto mais pressões, mais resistência.

Crê que o triunfo de Barack Obama é um motivo para a esperança?

Foi um sinal de esperança porque é a primeira vez que um negro ou um ‘quase negro’ chega ao poder em um país como os Estados Unidos. Isso, simbolicamente, é muito importante e assim foi sentido na África, na América Latina e nos EUA. Porém, daí a pensar que Obama não será o presidente de um império é outra coisa. Não somente pela força das estruturas, mas também porque ele é um homem do ‘stabilishment’. Tem posições mais abertas em relação a Kyoto e temos que aplaudi-lo; porém, no fundo, a lógica não mudou. Como dizem os cubanos: têm que acostumar-se a ter um imperador negro.

A autoridade de Roma, o que resta da Teologia da Libertação depois de tantos anos de conservadorismo do Vaticano?

A Teologia da Libertação não está morta; porém, sim, sofreu um enorme golpe porque a instituição eclesiástica católica cortou todos os canais de difusão: seus teólogos foram eliminados de todas as faculdades e centros de pastoral controlados pela Santa Sé. Ao mesmo tempo, conheceu uma certa extensão temática nos últimos vinte anos: feminista, ecológica, dos povos indígenas... E, além disso, desenvolveu-se nas universidades leigas e nas comunidades de base (CEBs). Devemos confessar, no entanto, que sim, a política de restauração da autoridade de Roma tem sido muito negativa para esse projeto de pensamento e de ação.

A sociedade espanhola é cada vez menos católica; porém, os bispos estão sempre em primeiro plano falando do aborto, da eutanásia, da investigação científica... Por quê?
A cultura e a ética estão em plena evolução sobre esses e outros temas. O fato de que a hierarquia eclesiástica tenha tomado posições extremamente conservadoras e reacionárias frente a essa evolução choca com coisas que são consideradas de sentido comum, como a dignidade da vida, a dignidade da morte, o problema da limitação de nascimentos, etc... E essa imposição é notícia. A razão dessa atitude me parece muito ligada à concepção da autoridade eclesiástica, mais do que a uma questão de doutrina: quem sabe o façam com boa intenção; porém, é uma concepção totalmente equivocada do ser humano, um reducionismo aos fatores puramente biológicos, uma concepção puramente materialista que não considera a cultura, o que deveria ser o papel de uma instância religiosa.

O senhor é sacerdote. Algum dia pensou em realizar seu trabalho intelectual fora da Igreja Católica?

Praticamente é o que estou fazendo! Não estou fora do Evangelho, nem fora da igreja como Povo de Deus; porém, não estou em convergência com a instituição central, isso está claro.

* Um grupo de reflexão vinculado a CORRIENTE SOMOS IGLESIA

18/03/2009

Dom Gérard Daucourt

Dom Gérard Daucourt, bispo de Nanterre, na França, publicou uma carta aberta a Dom José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Olinda e Recife, que excomungou a mãe de uma menina de nove anos, grávida de gêmeos por causa de um estupro, e os médicos que realizaram o seu aborto. Segundo Dom Daucourt, Dom Sobrinho "acrescentou dor acima de dor e provocou sofrimento e escândalo em muitas pessoas em todo o mundo".

O texto foi publicado no sítio La Croix.com, 12-03-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Fonte: UNISINOS



Monsenhor,

Recentemente, o senhor quis declarar publicamente a excomunhão de uma mãe de família. Que tinha feito a sua filha de nove anos, grávida de quatro meses, abortar depois de ter sido estuprada desde os seis anos pelo seu padrasto. O senhor também decidiu publicamente a excomunhão dos médicos que realizaram esse aborto. Reajo publicamente à sua intervenção com esta carta aberta.

Asseguro-lhe desde já: para mim, o aborto é a supressão de uma vida. Sou, portanto, firmemente contrário a ele.

A mãe dessa menina talvez pensou que fosse melhor salvar uma vida do que arriscar a perder três... Talvez, os médicos lhe haviam dito que um pequeno útero de nove anos não se dilata infinitamente... Eu não sei. O que sei é que, nessa tragédia, o senhor acrescentou dor acima de dor e provocou sofrimento e escândalo em muitas pessoas em todo o mundo.

Em uma situação tão dramática, eu acredito firmemente que nós, bispos, pastores na Igreja, devemos, sobretudo, manifestar a bondade de Jesus Cristo, o único e verdadeiro Bom Pastor. Estou certo que o senhor ama essa mãe e que busca homens e mulheres que possam ajudá-la a prosseguir o caminho, sentindo-se amparada em amizade, espiritual e, se necessário, materialmente.

Estou certo de que o senhor quer dar amor a essa menina, marcada para a vida, e à irmã mais velha, deficiente, também ela estuprada. Estou certo que o senhor pediu à administração da prisão para se aproximar do padrasto estuprador para que ele se arrependa, se converta e volte a ser um dia um homem autêntico. Estou certo de que Cristo estima que, se for possível, o senhor fale com os médicos que realizaram esse aborto para que, como os 40 ginecologistas e obstetras que eu encontrei há alguns meses e com os quais não compartilhava todas as posições, a maior parte deles aprecia ser escutado e ouvir pontos de vista diferentes, já que muitas vezes vivem dramas de consciência.

Monsenhor, ajudemo-nos uns aos outros para ser, antes de tudo, homens de esperança em Deus e em todo ser humano!

Tenho relações de amizade e de colaboração com muitos evangélicos que são contrários, como o senhor e eu, ao aborto. Mas não proclamam condenações públicas. Talvez, é uma das razões pelas quais as comunidades evangélicas atraem hoje tantos católicos, particularmente no Brasil. Constato que a opinião pública não entende nada de excomunhão. Ela a percebe como uma condenação das pessoas e não uma proposta de cura e de conversão. Considero que devemos encontrar outros meios para dizer às nossas comunidades que o comportamento ou as palavras de certos católicos não estão de acordo com o que a Igreja pretende e crê que seja a vontade de Deus.

Não lhe escondo nem que me pergunto também como se pode dizer que o estupro é menos grave do que o aborto que suprime a vida no ventre de uma mãe. Mulheres estupradas se confiaram a mim. Algumas puderam resolver-se e avançar na vida com a lembrança das suas feridas que nunca desaparece completamente. Mas outras, mesmo estando vivas fisicamente, foram mortas no mais profundo do seu ser e não conseguem mais viver. A vida não é apenas física, o senhor bem o sabe.

Não pude obter o texto completo do que o Cardeal Re disse, mas o apoio que – segundo a imprensa – ele lhe deu não muda em nada a minha reação pastoral. Para a clareza das relações entre bispos, envio uma cópia desta carta ao Cardeal Re.

Saúdo-lhe com tristeza, mas também com sentimentos respeitosamente fraternos, assegurando-lhe a minha oração pelo senhor e por aqueles que, de qualquer maneira, foram implicados no drama dessa menina.

16/03/2009

Dom Francis Deniau

Excomunhão

Francis Deniau, bispo de la Nièvre - França
Fonte: UNISINOS

Fiquei sabendo, como todo o mundo, que a mãe de uma filha de nove anos, grávida de seu padrasto, tinha sido excomungada por seu bispo no Brasil, junto com a equipe médica que procedera ao abortamento de sua filha. Como bispo, eu sou solidário de todos os bispos do mundo. A solidariedade impõe dizer os desacordos pessoais, senão ela não seria cumplicidade. Eu devo dizer ao meu irmão, o bispo de Recife – e ao cardeal que o apoiou – que eu não entendo sua intervenção. Diante de tal drama, diante da ferida de uma criança violada e incapaz, mesmo fisicamente, de levar a termo uma gravidez, havia outra coisa a dizer, e, sobretudo questões a se colocar: como acompanhar, encorajar, permitir sair do horror, reencontrar seu gosto pela vida? Como ajudar a filha e a mãe a se reconstruir? Nós balbuciamos, sobretudo nós homens, e devemos contar com as mulheres para estar lá com mais presença do que com palavras. Mas, palavras de condenação, um apelo à lei, por mais justa que seja: isto é o que não se deve fazer.

Jesus teria dito que a moral é feita para o homem e não o homem para a moral. Ele denunciou a hipocrisia daqueles que impõem pesados fardos sobre os ombros dos outros.

Eu confesso que acompanhei mulheres antes e após uma IVG. Eu creio que a Igreja católica assume sua responsabilidade social insistindo, a tempo e contratempo, no respeito à vida humana “desde a concepção até a morte natural”. Nós faltaríamos à nossa responsabilidade calando tal apelo, que expressa a defesa dos mais pequenos e mais frágeis. Depois disso, trata-se de acompanhar cada pessoa, em situações em que eu não gostaria de estar, e onde cada qual procura fazer o melhor que ele ou ela pode. Deus nos chama a decisões que podem ser exigentes, mas antes ele nos envolve com sua ternura, e ele nos acolhe nas obscuridades e nos dramas da vida. Eu espero dos homens de Igreja, meus irmãos, que eles não utilizem seu nome para condenar pessoas ou encerrá-las em sua culpabilidade.