25/04/2009

Dom Tomás Balduíno

Carta Aberta ao presidente Fernando Lugo



Caro Amigo Presidente Fernando Lugo,

Acompanhei as notícias que levaram ao conhecimento público o seu relacionamento com uma mulher e o nascimento de um filho. A mídia brasileira repercutiu seguidamente o fato, fazendo coro, de bom grado, com os membros paraguaios do Partido Colorado, destacando-se o congressista Víctor Bogado, que se arvorou em seu juiz e o apedrejou. Chegou até mim também uma parte da comunicação da Conferência Episcopal do Paraguai pedindo "perdão pelos pecados da Igreja" católica, numa implícita referência a você.

Não posso deixar de me manifestar neste seu caso. Sou impelido a isso pela nossa velha amizade, desde os bons tempos de sua participação nos encontros em São Paulo, no grupo ecumênico e latino americano de bispos. Sou impelido sobretudo pelo que eu conheço da sua trajetória, pelo que eu venho acompanhando e refletindo sobre o grande significado de sua providencial subida à Presidência da República do Paraguai, carregado pelo povo pobre do seu País, tornando esta Nação uma das auspiciosas referências do processo de libertação do nosso Continente.

E minha manifestação, depois ter ponderado com alguns irmãos e irmãs, é em primeiro lugar para dar-lhe os parabéns, fazendo eco à declaração do meu amigo e bispo Mons. Mário Melano Medina, seu compatriota, pelo seu ato de "valentia e sinceridade" ao reconhecer a criança. Uno-me também ao bispo metodista emérito Federico Pagura ao expressar-lhe, também em carta aberta, sua solidariedade: "ante tu decisión de hacer públicas tus relaciones com tu compañera, y tu compromisso de assumir plenamente tu responsabilidad de padre". Continue assim, caro Irmão, coerente com a inspiração evangélica, ao testemunhar, com clarividência e humanidade, o inestimável valor do relacionamento entre o homem e a mulher.

Os bispos paraguaios fizeram um ato público de pedido de perdão. É salutar que a Igreja o faça sempre. É, aliás, o que a liturgia nos propõe todas as vezes que celebramos a Eucaristia. É verdade que não vi o texto completo desta declaração dos bispos, mas pelo discurso que ouvi do Sr. Arcebispo de Assunção no Te Deum de sua posse como Presidente do Paraguai, receio que este pedido de perdão não se refira às omissões da Igreja com relação aos poderosos da política e ao sofrimento do povo durante os anos de tirania do governo paraguaio.

O risco de uma declaração apressada e ingênua da Igreja é de esta declaração se somar com a onda da mídia e com o bloco de forças da elite de oposição que ficam sempre à espreita de qualquer chance de desestabilização do seu governo, mesmo sob a capa do moralismo mais hipócrita.

Dou-lhe também os parabéns sobretudo porque o vejo disposto a continuar sua caminhada de luta com seu povo e a enfrentar as dificuldades atuais do seu governo, inclusive esta última. Por tudo isso, caro Amigo, receba a minha plena solidariedade.

O Senhor Jesus, que apareceu aos discípulos ressuscitado e chagado, esteja ao seu lado, o acompanhe, o ilumine, o faça sempre forte e corajoso diante destas e de outras dificuldades que certamente advirão na sua caminhada a serviço do seu admirável Povo.

Abraço-o com fraterna amizade.

Fonte: Correio da Cidadania

Dom Demétrio Valentini

Padre, Presbítero, Pastor, Ministro

Fonte: ADITAL






O Cardeal Martini, um dos homens de Igreja mais lúcidos hoje, propôs recentemente a realização de um novo concílio ecumênico, para tratar de três temas centrais para o futuro do cristianismo. O primeiro em torno da inculturação, para encontrar um novo patamar de diálogo do Evangelho com as grandes culturas e religiões no mundo de hoje. O segundo seria o ecumenismo, para um novo relacionamento entre os cristãos. E o terceiro seria sobre o ministério, para uma nova estruturação dos serviços internos da Igreja. Portanto, um novo diálogo com o mundo, um novo entendimento entre os cristãos, e uma nova organização interna na Igreja.

A Assembléia da CNBB, reunida nestes dias, está abordando, de leve, o terceiro dos grandes temas sugeridos pelo Cardeal Martini. Está renovando as orientações para a formação dos presbíteros. Trata-se da formação dos padres, como o povo os chama.

As atenções de todos os bispos, nesta Assembléia, se voltam para este ministério específico dos padres, sem analisar nem questionar o corpo bem mais amplo do conjunto de todo o ministério eclesial, que abrange desde o ministério do papa, dos bispos, dos presbíteros, dos diáconos, e também dos diversos ministérios leigos que podem ser exercidos, na perspectiva de uma Igreja toda ministerial.

Portanto, é uma abordagem com limites bem determinados, incidindo sobre uma proposta prática e concreta, de valorização deste ministério por uma aprimorada formação dos que o assumem.

Na análise da natureza eclesial deste ministério, o documento ora em estudo na assembléia, constata a diversidade de nomes que designam as pessoas que exercem este ministério. São chamados de padres, de presbíteros, de ministros, de pastores. Todos nomes para designar a mesma pessoa.

O documento constata que cada um desses nomes enfatiza um aspecto deste ministério com significação tão variada. É padre porque exerce uma paternidade em relação à comunidade. É presbítero, como foi chamado nos inícios da Igreja, porque possui maturidade, fruto de sua experiência da vida. É ministro, porque está a serviço da comunidade e age em nome de Cristo. E sobretudo pode ser chamado de pastor, a figura bíblica que melhor espelha a missão de cuidar da comunidade como o pastor cuida do rebanho.

Portanto, uma identidade muito rica, que justifica esta diversidade de nomes, com os quais se tenta expressá-la.

Diversos nomes, para uma mesma função, para um mesmo ministério. Diversas palavras, para uma realidade complexa, concentrada numa mesma pessoa.

Mas aqui a reflexão sobre o ministério na Igreja poderia tomar outra direção, a partir da diversidade de nomes com que o padre é designado. Ao contrário de reforçar as atribuições para uma mesma pessoa, esta diversidade de nomes pode sugerir a distribuição deste ministério de maneira diversificada e desconcentrada, de tal modo que ele poderia ser repartido de modo a envolver outras pessoas que poderiam exercer este mesmo ministério de maneira diferente, segundo a diversidade de circunstâncias e de acordo com as necessidades concretas de cada situação.

Isto iniciaria uma revisão em profundidade de todo o conjunto do ministério na Igreja, levando em conta os critérios que norteiam toda a iniciativa ligada à herança confiada por Cristo, isto é, a fidelidade no essencial, e a liberdade nas circunstâncias.

Em síntese, ao contrário de acumular nomes para uma mesma função e para as mesmas pessoas, repartir o ministério, de maneira diversificada, para outras pessoas, em vista do atendimento mais adequado às necessidades da comunidade. Assim, libertando-se de formas fixas, a Igreja ficaria mais fiel a Cristo, e as comunidades melhor servidas.

24/04/2009

Frei Tito

As próprias pedras gritarão
Frei Tito por ele mesmo


Relato da tortura de Frei Tito
Fonte: Frei Tito memorial on-line



Este é o depoimento de um preso político, frei Tito de Alencar Lima, 24 anos. Dominicano (redigido por ele mesmo na prisão). Este depoimento escrito em fevereiro de 1970 saiu clandestinamente da prisão e foi publicado, entre outros, pelas revistas Look e Europeo.



Fui levado do presídio Tiradentes para a "Operação Bandeirantes", OB (Polícia do Exército), no dia 17 de fevereiro de 1970, 3ª feira, às 14 horas. O capitão Maurício veio buscar-me em companhia de dois policiais e disse: "Você agora vai conhecer a sucursal do inferno". Algemaram minhas mãos, jogaram me no porta-malas da perua. No caminho as torturas tiveram início: cutiladas na cabeça e no pescoço, apontavam-me seus revólveres.

Preso desde novembro de 1969, eu já havia sido torturado no DOPS. Em dezembro, tive minha prisão preventiva decretada pela 2ª auditoria de guerra da 2ª região militar. Fiquei sob responsabilidade do juiz auditor dr Nelson Guimarães. Soube posteriormente que este juiz autorizara minha ida para a OB sob “garantias de integridade física”.

Ao chegar à OB fui conduzido à sala de interrogatórios. A equipe do capitão Maurício passou a acarear-me com duas pessoas. O assunto era o Congresso da UNE em Ibiúna, em outubro de 1968. Queriam que eu esclarecesse fatos ocorridos naquela época. Apesar de declarar nada saber, insistiam para que eu “confessasse”. Pouco depois levaram me para o “pau-de-arara”. Dependurado nu, com mãos e pés amarrados, recebi choques elétricos, de pilha seca, nos tendões dos pés e na cabeça. Eram seis os torturadores, comandados pelo capitão Maurício. Davam-me "telefones" (tapas nos ouvidos) e berravam impropérios. Isto durou cerca de uma hora. Descansei quinze minutos ao ser retirado do "pau-de-arara". O interrogatório reiniciou. As mesmas perguntas, sob cutiladas e ameaças. Quanto mais eu negava mais fortes as pancadas. A tortura, alternada de perguntas, prosseguiu até às 20 horas. Ao sair da sala, tinha o corpo marcado de hematomas, o rosto inchado, a cabeça pesada e dolorida. Um soldado, carregou-me até a cela 3, onde fiquei sozinho. Era uma cela de 3 x 2,5 m, cheia de pulgas e baratas. Terrível mau cheiro, sem colchão e cobertor. Dormi de barriga vazia sobre o cimento frio e sujo.

Na quarta-feira fui acordado às 8 h. Subi para a sala de interrogatórios onde a equipe do capitão Homero esperava-me. Repetiram as mesmas perguntas do dia anterior. A cada resposta negativa, eu recebia cutiladas na cabeça, nos braços e no peito. Nesse ritmo prosseguiram até o início da noite, quando serviram a primeira refeição naquelas 48 horas: arroz, feijão e um pedaço de carne. Um preso, na cela ao lado da minha, ofereceu-me copo, água e cobertor. Fui dormir com a advertência do capitão Homero de que no dia seguinte enfrentaria a “equipe da pesada”.

Na quinta-feira três policiais acordaram-me à mesma hora do dia anterior. De estômago vazio, fui para a sala de interrogatórios. Um capitão cercado por sua equipe, voltou às mesmas perguntas. "Vai ter que falar senão só sai morto daqui", gritou. Logo depois vi que isto não era apenas uma ameaça, era quase uma certeza. Sentaram-me na "cadeira do dragão" (com chapas metálicas e fios), descarregaram choques nas mãos, nos pés, nos ouvidos e na cabeça. Dois fios foram amarrados em minhas mãos e um na orelha esquerda. A cada descarga, eu estremecia todo, como se o organismo fosse se decompor. Da sessão de choques passaram-me ao "pau-de-arara". Mais choques, pauladas no peito e nas pernas a cada vez que elas se curvavam para aliviar a dor. Uma hora depois, com o corpo todo ferido e sangrando, desmaiei. Fui desamarrado e reanimado. Conduziram-me a outra sala dizendo que passariam a carga elétrica para 230 volts a fim de que eu falasse "antes de morrer". Não chegaram a fazê-lo. Voltaram às perguntas, batiam em minhas mãos com palmatória. As mãos ficaram roxas e inchadas, a ponto de não ser possível fechá-las. Novas pauladas. Era impossível saber qual parte do corpo doía mais; tudo parecia massacrado. Mesmo que quisesse, não poderia responder às perguntas: o raciocínio não se ordenava mais, restava apenas o desejo de perder novamente os sentidos. Isto durou até às 10 h quando chegou o capitão Albernaz.

"Nosso assunto agora é especial", disse o capitão Albernaz, ligou os fios em meus membros. "Quando venho para a OB - disse - deixo o coração em casa. Tenho verdadeiro pavor a padre e para matar terrorista nada me impede... Guerra é guerra, ou se mata ou se morre. Você deve conhecer fulano e sicrano (citou os nomes de dois presos políticos que foram barbaramente torturados por ele), darei a você o mesmo tratamento que dei a eles: choques o dia todo. Todo "não" que você disser, maior a descarga elétrica que vai receber". Eram três militares na sala. Um deles gritou: "Quero nomes e aparelhos (endereços de pessoas)". Quando respondi: "não sei" recebi uma descarga elétrica tão forte, diretamente ligada à tomada, que houve um descontrole em minhas funções fisiológicas. O capitão Albernaz queria que eu dissesse onde estava o Frei Ratton. Como não soubesse, levei choques durante quarenta minutos.

Queria os nomes de outros padres de São Paulo, Rio e Belo Horizonte "metidos na subversão". Partiu para a ofensa moral: "Quais os padres que têm amantes? Por que a Igreja não expulsou vocês? Quem são os outros padres terroristas?". Declarou que o interrogatório dos dominicanos feito pele DEOPS tinha sido "a toque de caixa" e que todos os religiosos presos iriam à OB prestar novos depoimentos. Receberiam também o mesmo "tratamento". Disse que a "Igreja é corrupta, pratica agiotagem, o Vaticano é dono das maiores empresas do mundo". Diante de minhas negativas, aplicavam-me choques, davam-me socos, pontapés e pauladas nas costas. À certa altura, o capitão Albernaz mandou que eu abrisse a boca "para receber a hóstia sagrada". Introduziu um fio elétrico. Fiquei com a boca toda inchada, sem poder falar direito. Gritaram difamações contra a Igreja, berraram que os padres são homossexuais porque não se casam. Às 14 horas encerraram a sessão. Carregado, voltei à cela onde fiquei estirado no chão.

Às 18 horas serviram jantar, mas não consegui comer. Minha boca era uma ferida só. Pouco depois levaram-me para uma "explicação". Encontrei a mesma equipe do capitão Albernaz. Voltaram às mesmas perguntas. Repetiram as difamações. Disse que, em vista de minha resistência à tortura, concluíram que eu era um guerrilheiro e devia estar escondendo minha participação em assaltos a bancos. O "interrogatório" reiniciou para que eu confessasse os assaltos: choques, pontapés nos órgãos genitais e no estomago palmatórias, pontas de cigarro no meu corpo. Durante cinco horas apanhei como um cachorro. No fim, fizeram-me passar pelo "corredor polonês". Avisaram que aquilo era a estréia do que iria ocorrer com os outros dominicanos. Quiseram me deixar dependurado toda a noite no "pau-de-arara". Mas o capitão Albernaz objetou: "não é preciso, vamos ficar com ele aqui mais dias. Se não falar, será quebrado por dentro, pois sabemos fazer as coisas sem deixar marcas visíveis". "Se sobreviver, jamais esquecerá o preço de sua valentia".

Na cela eu não conseguia dormir. A dor crescia a cada momento. Sentia a cabeça dez vezes maior do que o corpo. Angustiava-me a possibilidade de os outros padres sofrerem o mesmo. Era preciso pôr um fim àquilo. Sentia que não iria aguentar mais o sofrimento prolongado. Só havia uma solução: matar-me.

Na cela cheia de lixo, encontrei uma lata vazia. Comecei a amolar sua ponta no cimento. O preso ao lado pressentiu minha decisão e pediu que eu me acalmasse. Havia sofrido mais do que eu (teve os testículos esmagados) e não chegara ao desespero. Mas no meu caso, tratava-se de impedir que outros viessem a ser torturados e de denunciar à opinião pública e à Igreja o que se passa nos cárceres brasileiros. Só com o sacrifício de minha vida isto seria possível, pensei. Como havia um Novo Testamento na cela, li a Paixão segundo São Mateus. O Pai havia exigido o sacrifício do Filho como prova de amor aos homens. Desmaiei envolto em dor e febre.

Na sexta-feira fui acordado por um policial. Havia ao meu lado um novo preso: um rapaz português que chorava pelas torturas sofridas durante a madrugada. O policial advertiu-me: "o senhor tem hoje e amanhã para decidir falar. Senão a turma da pesada repete o mesmo pau. Já perderam a paciência e estão dispostos a matá-lo aos pouquinhos". Voltei aos meus pensamentos da noite anterior. Nos pulsos, eu havia marcado o lugar dos cortes. Continuei amolando a lata. Ao meio-dia tiraram-me para fazer a barba. Disseram que eu iria para a penitenciária. Raspei mal a barba, voltei à cela. Passou um soldado. Pedi que me emprestasse a "gillete" para terminar a barba. O português dormia. Tomei a gillete. Enfiei-a com força na dobra interna do cotovelo, no braço esquerdo. O corte fundo atingiu a artéria. O jato de sangue manchou o chão da cela. Aproximei-me da privada, apertei o braço para que o sangue jorrasse mais depressa. Mais tarde recobrei os sentidos num leito do pronto-socorro do Hospital das Clínicas. No mesmo dia transferiram-me para um leito do Hospital Militar. O Exército temia a repercussão, não avisaram a ninguém do que ocorrera comigo. No corredor do Hospital Militar, o capitão Maurício dizia desesperado aos médicos: "Doutor, ele não pode morrer de jeito nenhum. Temos que fazer tudo, senão estamos perdidos". No meu quarto a OB deixou seis soldados de guarda.

No sábado teve início a tortura psicológica. Diziam: "A situação agora vai piorar para você, que é um padre suicida e terrorista. A Igreja vai expulsá-lo". Não deixavam que eu repousasse. Falavam o tempo todo, jogavam, contavam-me estranhas histórias. Percebi logo que, a fim de fugirem à responsabilidade de meu ato e o justificarem, queriam que eu enlouquecesse.

Na segunda noite recebi a visita do juiz auditor acompanhado de um padre do Convento e um bispo auxiliar de São Paulo. Haviam sido avisados pelos presos políticos do presídio Tiradentes. Um médico do hospital examinou-me à frente deles mostrando os hematomas e cicatrizes, os pontos recebidos no hospital das Clínicas e as marcas de tortura. O juiz declarou que aquilo era "uma estupidez" e que iria apurar responsabilidades. Pedi a ele garantias de vida e que eu não voltaria à OB, o que prometeu.

De fato fui bem tratado pelos militares do Hospital Militar, exceto os da OB que montavam guarda em meu quarto. As irmãs vicentinas deram-me toda a assistência necessária Mas não se cumpriu a promessa do juiz. Na sexta-feira, dia 27, fui levado de manhã para a OB. Fiquei numa cela até o fim da tarde sem comer. Sentia-me tonto e fraco, pois havia perdido muito sangue e os ferimentos começavam a cicatrizar-se. À noite entregaram-me de volta ao Presídio Tiradentes.

É preciso dizer que o que ocorreu comigo não é exceção, é regra. Raros os presos políticos brasileiros que não sofreram torturas. Muitos, como Schael Schneiber e Virgílio Gomes da Silva, morreram na sala de torturas. Outros ficaram surdos, estéreis ou com outros defeitos físicos. A esperança desses presos coloca-se na Igreja, única instituição brasileira fora do controle estatal-militar. Sua missão é: defender e promover a dignidade humana. Onde houver um homem sofrendo, é o Mestre que sofre. É hora de nossos bispos dizerem um BASTA às torturas e injustiças promovidas pelo regime, antes que seja tarde.

A Igreja não pode omitir-se. As provas das torturas trazemos no corpo. Se a Igreja não se manifestar contra essa situação, quem o fará? Ou seria necessário que eu morresse para que alguma atitude fosse tomada? Num momento como este o silêncio é omissão. Se falar é um risco, é muito mais um testemunho. A Igreja existe como sinal e sacramento da justiça de Deus no mundo

"Não queremos, irmãos, que ignoreis a tribulação que nos sobreveio. Fomos maltratados desmedidamente, além das nossas forças, a ponto de termos perdido a esperança de sairmos com vida. Sentíamos dentro de nós mesmos a sentença de morte: deu-se isso para que saibamos pôr a nossa confiança, não em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos" (2Cor, 8-9).

Faço esta denúncia e este apelo a fim de que se evite amanhã a triste notícia de mais um morto pelas torturas.

Frei Tito de Alencar Lima, OP
Fevereiro de 1970

23/04/2009

A ressurreição na pós-modernidade

A ressurreição é uma realidade da fé e da esperança, e não da história. Por não ter referências, tende a ser vista como incrível que, em perspectiva pós-moderna, é uma categoria integrável à realidade. Diante desse conflito é preciso uma leitura pós-moderna do testemunho bíblico, defende o jesuíta Roger Haight. É o que revelou Jeremy Kirk, em entrevista (pode ser lida aqui, logo abaixo) publicada no sítio Religion Dispatches, mestrando do teólogo e um dos que lamentam a decisão da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), tornando este o último semestre de Haight no Seminário Teológico União, o Union, por privar não apenas os católicos, mas toda a comunidade teológica da sua cristologia pós-moderna. A reportagem é de Antonio Carlos Ribeiro e publicada pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação - ALC -, 22-04-2009.
Fonte: UNISINOS


Jesus Symbol of God, a obra que gerou toda a polêmica, foi publicada em 1999 pela editora Orbis Books (Jesus, símbolo de Deus. Paulinas, 2003). A CDF abriu um processo de investigação da obra. Haight foi notificado a respeito de supostos erros teológicos.

Enviado o esclarecimento, o ex-Santo Ofício julgou as respostas insatisfatórias por não adotar o método teológico tradicional, mas responder aos seres humanos da atualidade. Condenado, o autor foi impedido de ensinar teologia em instituições católicas.

Nesta situação foi convidado a ensinar no Union, uma escola de origem presbiteriana que hoje é marcada pela diversidade cultural e presença de representantes das tradições cristãs em diálogo com a tradição judaica. Ademais se orgulha de ter tido como alunos e professores teólogos e teólogas reconhecidos como Reinhold Niebuhr, Paul Tillich e Dietrich Bonhoeffer, no século XX, as feministas Beverly Harrison e Delores Williams, e o pai da Teologia Negra da Libertação, James Cone.

A publicação das obras Dynamics of Theology, em 1999 (Dinâmica da Teologia. Paulinas, 2004), e The future of Christology, em 2005 (O futuro da Teologia. Paulinas, 2008), e a atuação no Union, o colocaram no centro do diálogo teologia e pós-modernidade, superando noções velhas como a guarda do mistério da salvação, da tradição católica, e a da inerrância bíblica, da tradição evangélica.

Com as punições a teólogos brilhantes se transformando em luta romana, como denunciou Moltmann, elas têm se tornado ineficazes e, à medida que se tornam severas, gerado solidariedade aos/às teólogos/as.

Indagado sobre os erros em Jesus Symbol of God, Kirk respondeu que “isso depende de a quem você pergunta”, discordando que por não ter afirmado que Jesus é o logos, ou a palavra pré-existente de Deus, o teólogo possa ter rebaixado a divindade e a função soteriológica de Jesus.

E denunciou: “essa crítica minimiza e descaracteriza a discussão de Haight. Roma realmente rejeitou qualquer afirmação de que a crença no pluralismo das religiões, dentro ou fora do catolicismo, é válida e, por isso, merecedora de atenção teológica e eclesiástica”.

Para Kirk, esta obra trata das críticas pós-modernas ao cristianismo, que é a preocupação dos católicos norte-americanos. Haight afirmava a contínua relevância do cristianismo no contexto social e filosófico contemporâneo que apresentou tais desafios à legitimidade de certas reivindicações cristãs tradicionais. A falta de respostas adequadas a esse desafio levou muitas pessoas a deixarem a Igreja.

Sobre Jesus, afirma que Deus e o ser humano, ambos, são humanos e divinos. Só a cristologia dialética pode ser adequada e verdadeiramente fiel à tradição, como mostrou Calcedônia. Nesses dois pontos juntos, em tensão dialética que não pode ser resolvida, repousa o profundo mistério.

Assim, o cristão se acha existencialmente numa relação com Deus, por meio de Jesus. São aqueles que, pela fé, permitiram que Jesus fosse o seu acesso para Deus, a mediação privilegiada de Deus.

A ressurreição só pode ser entendida de um ponto de vista pessoal. Ela começa com as nossas esperanças em relação à nossa própria morte e as dos nossos entes queridos. “A esperança comum é a de que nós não morremos, mas continuamos existindo na esfera de Deus”.

A compreensão da ressurreição de Jesus só pode começar a partir da base da esperança, por isso para Haight não foi um evento histórico que aconteceu física e empiricamente no continuum espaço-tempo. Ao enterrarem um ente querido, cristãos “colocam o corpo na terra na fé-esperança de que a pessoa está ressuscitada de uma forma que não nega a historicidade do enterro físico”. Haight não afirmaria que o corpo de Jesus foi para algum lugar. “Não é a ressurreição de um cadáver. Não existe um Jesus zumbi”.

Entendendo a simbólica, especialmente no mundo ocidental, o jesuíta sustenta que “a ressurreição é uma ideia difícil de ser entendida porque nós não temos um referente sensorial. Sempre que falamos sobre coisas deste mundo, temos uma imaginação que trabalha em nossa ajuda. Mas com a ressurreição, a imaginação falha e na verdade começa a trabalhar contra nós. Então, assim que você a imagina, você faz dela algo incrível, um tipo de evento deste mundo. Você dá substância visual e tangível à ressurreição. Então, a questão de dizer que ela não foi um evento histórico é para assegurar que a ressurreição é uma realidade transcendente, que é uma questão de fé e de esperança”.

Kirk distingue “entre o que Haight diz em Jesus, Símbolo de Deus e como o que ele disse pode ser usado por outros estudiosos. O livro é uma discussão sobre como a fé cristã pode responder a certas críticas contemporâneas da fé e da tradição cristãs e não sobre a relativização de todas as crenças religiosas”.

Ele “pensou em termos do que ele achava que devia ser dito à luz da condição da Igreja contemporânea. Haight vê as pessoas deixando a Igreja simplesmente porque ninguém está respondendo às suas questões. Suas considerações eram dirigidas a essas pessoas, não aos riscos”.

Haight provavelmente “manifestaria otimismo com relação aos leigos. Se você olhar o catolicismo romano desde o começo, você vai ver um novo laicato culto. O corpo inteiro dos teólogos nos EUA será predominantemente formado por leigos, 80-90%, em poucos anos, e 65% desse corpo será de mulheres – será uma experiência completamente nova para a Igreja católica. Os leigos hoje estão conduzindo algumas paróquias com um padre que desempenha algumas funções especializadas. Há uma energia dinâmica totalmente nova na Igreja Católica Romana quando você a vê desde baixo”.

Mas esse ímpeto é refreado ao descrever o clero. “Quando você a olha de cima, vê sinais de declínio. Se considerarmos o número de pessoas nos seminários, a qualidade dessas pessoas nos seminários e as suas inclinações, não parece nada promissor. Quando você olha o episcopado e a oferta de possíveis candidatos, parece catastrófico. Eu acho que Haight reconheceria uma dialética como a existente entre o que os oficiais poderosos e conservadores em particular visam atingir e a força irrefreável dos leigos que constituem, em primeiro lugar, aquilo que definimos como ‘a Igreja’".

Diante da pergunta: Por que Haight permanece católico?, Kirk afirma que ele vê pessoas sofrendo à sua volta e por isso, “assume a responsabilidade pelas necessidades daqueles que estão ao seu redor e extrai a sua identidade da sua relação com eles”.

É preciso reconhecer que “o pluralismo não vai diminuir em um mundo cada vez mais globalizado e interdependente que enfrenta crises cada vez mais complexas e coletivas. Se o cristianismo ainda pode atuar como uma fonte para a reflexão ética à luz das crises históricas – o que eu confio profundamente que ele consegue – , ele deve ser honesto e confiável para este contexto globalizado e pluralista contemporâneo”.

20/04/2009

Entrevista - Pe. Enzo Bianchi

A intransigência católica pode alimentar o anticlericalismo


"Os 'dias ruins' do diálogo se tornaram piores?". É o momento certo para falar com o padre Enzo Bianchi a respeito do seu último livro, "Per un´etica condivisa" [Por uma ética compartilhada, em tradução livre], lamento sobre a agonia do diálogo entre fiéis e não fiéis, mas também profecia do seu renascimento. "Quando o conflito se institucionaliza nestes níveis entre o Vaticano e os Estados soberanos, corre o risco de não acabar mais", suspira desiludido o prior da comunidade de Bose, na Itália. A reportagem é de Michele Smargiassi, publicada no jornal La Repubblica, 18-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS



Na verdade, o seu livro parece ser um alerta aos fiéis mais do que aos leigos.

Sendo católico, sinto a responsabilidade de prestar um serviço de verdade aos católicos. De resto, estender a mão por primeiro, sem garantia de retribuição, é como um dever para nós.

Mas o senhor parece atribuir aos católicos a responsabilidade primeira pelas controvérsias, aos leigos "sem reação" sobretudo.

Nas últimas duas décadas, muitos católicos com forte sentido de militância – não a Igreja em si – procuraram impor as próprias opiniões por meio da ocupação do espaço público. A reação foi uma onda de anticlericalismo que, confirmo, é sempre uma reação a um clericalismo percebido como intransigente e desrespeitoso. Por sua vez, o anticlericalismo alimenta as intransigências católicas, e o círculo vicioso termina em confusão e barbárie.

Mas a Igreja italiana dialoga de bom grado com a classe política no goveno.

É sedutora a oferta do poder: um pacto fundado na "religião civil" a ser imposta com as leis. O cristianismo nasceu subversivo, depois muitas vezes aceitou o pacto. Hoje, porém, essa escolha é perigosa para a própria sobrevivência do cristianismo: nos EUA, onde a religião civil está em pleno vigor, não se sabe a quem os políticos se referem quando invocam a Deus. Por sorte, entre nós, essa perspectiva já é perdedora.

O senhor está certo disso? No caso Englaro, a Igreja invocou as leis para impor a própria visão do homem.

Conhecendo o que se move nas igrejas locais, nas comunidades, sei que as expectativas dos fiéis são diferentes: que a Igreja não se nivele mais sobre o neoliberalismo, tome distância de quem a usa como instrumento, se rebaixe na história com o espírito do "estrangeiro peregrino", consciente de ser uma fértil minoria.

Não parece que a hierarquia tenha elaborado o luto da hegemonia perdida.

Aceitar que se é minoria é necessário, assim como elaborar um luto. Depois, pode-se reunir pessoas que não pertencem à sua tradição e mantê-las consigo em um percurso de humanização social.

Mas quanto caminho os crentes e os não crentes podem fazer juntos? Pe. Milani não alertou o amigo ateu: não confies em mim, um dia eu te trairei?

Não, não é obrigatório que isso ocorra, ou que a traição seja tão dramática. Certamente, falando de Cristo, de ressurreição e de vida eterna, é óbvio que eu e o ateu nos separemos, mas isso não significa destruir o caminho feito juntos.

Os "valores não negociáveis" não são o limite da "ética compartilhada"?

Todo diálogo tem limites, mas, se falamos de direitos humanos, estamos bem distantes de tê-los alcançado. Então, todos devemos aceitar os métodos que a democracia possui para chegar às decisões. Podem surgir escolhas não compartilhadas, mas aceitáveis. Para aquelas não aceitáveis, o cristão sabe desde sempre que pode invocar o direito de dizer "non possumus".

A objeção de consciência não é um pé-de-cabra para forçar as decisões democráticas?

Não, se quem a invocar levar em consideração o fato de pagar pela sua "subversão", pelo seu direito de dizer não à polis em certos casos particulares. Aceitando as suas consequências, demonstrará que não tem outros interesses a não ser a consciência e a verdade.

Isso também é válido quando a Igreja convida a que se boicote um referendo? Ocorreu com a lei 40 [que impede a fecundação assistida], pode acontecer novamente com relação ao testamento biológico.

A iniciativa foi de alguns componentes eclesiais, mais do que da Igreja como tal. Em todo o caso, essas batalhas devem ser feitas pelos fiéis como cidadãos, não pelos bispos. As figuras representativas da Igreja devem parar na soleira do pré-político.

O senhor pede que os católicos abandonem o vitimismo. O que o senhor pede ao "ateólogos autodidatas"?

Que abandonem uma leitura velha e cômoda da Igreja, na qual o mal é a fé e não o seu uso na história. E que parem com a tentativa de tornar-nos ridículos. É um objetivo pouco honesto: se abaixa o alvo para atingi-lo melhor. Quem deforma não escuta, quem não escuta não entende que já existe uma Igreja que sabe traduzir o ensinamento de Cristo na arena da polis.

O que acontece se a ética não se compartilha? Entre os dois combatentes, quem vence?

O poder, é óbvio. É prazeroso a todo poder ver uma profecia de esperança se dissipar. Todo poder busca evitar sinergias entre boas vontades. Se continuarmos não nos escutando, o poder nos agradecerá por isso.

18/04/2009

Não existe um Jesus zumbi'. O Vaticano e o Pe. Roger Haight

Este é o último semestre em que Roger Haight, padre jesuíta e professor, irá lecionar no seminário da União Teológica dos Estados Unidos. Nesta entrevista, um de seus alunos conta a história da censura de Haight por parte da Igreja e explica por que isso tem importância. A reportagem é de Jason VonWachenfeldt, publicada no sítio Religion Dispatches, 10-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Em 1999, a editora Orbis Books publicou o livro "Jesus Symbol of God" [publicado em português pelas Paulinas, com o título "Jesus, Símbolo de Deus"], um livro do teólogo sistemático Roger Haight, S.J. Antes que o ano terminasse, Haight foi avisado de que ele e o seu livro estavam sob investigação por parte do Vaticano. Ele foi avisado que, enquanto o inquérito estivesse ocorrendo, não poderia ensinar na universidade jesuíta em que estava dando aulas nem em nenhuma outra universidade católica. A investigação durou mais de cinco anos, durante os quais o Vaticano enviou objeções a pontos específicos nos escritos de Haight, e ele, por sua vez, defendeu suas posições. Houve duas rodadas desse tipo, e, a cada vez, suas respostas foram consideradas insatisfatórias. Esse resultado foi, de certa forma, inevitável: o Vaticano insistiu em uma repetição da linguagem teológica antiga, e o projeto de Haight estava pensado para um contexto intelectual atual. Em março de 2005, declarou-se que ele não podia ser mais um teólogo católico e proibiram-lhe de ensinar teologia católica – o que significa efetivamente que ele estava proibido de ensinar em uma instituição católica até que usasse a linguagem prescrita. Naquele momento, ele ficou no Union Theological Seminary, uma instituição ecumênica, durante um ano, mas Roma manteve a pressão sobre Haight. A medida mais recente, anunciada no ano passado, decretou que ele não pode mais ensinar em nenhum lugar nem publicar, mesmo que lhe seja permitido cumprir o seu contrato com o seminário para o ano acadêmico de 2008-2009. Também, foi-lhe permitido publicar na área de espiritualidade, um campo emergente fora da disciplina de teologia acadêmica. Seus superiores jesuítas deram-lhe permissão para voltar para o Union Theological Seminary como professor residente, uma posição não-docente. Roger Haight não concede entrevistas que se refiram diretamente à sua atual relação com a hierarquia católica romana após a sua censura. Mas conversamos com Jeremy Kirk, um aluno de Haight no Union Theological Seminary. Sob a direção de Haight, Kirk completou uma análise em profundidade dos dois trabalhos cristológicos de Haight para a sua dissertação de mestrado. Kirk, agora candidato ao doutorado em ética social cristã, fundou um grupo de leitura que está focado na cristologia de Haight, que irá se encontrar em Nova Iorque para dar início ao seu terceiro ano consecutivo em maio. A seguinte entrevista busca tratar mais profundamente das questões referentes ao caso e sobre o que isso significa para a teologia católica como um todo.


Em primeiro lugar, quais são, em resumo, as questões centrais na controvérsia sobre o trabalho de Haight?

Isso depende de a quem você pergunta. Se perguntar ao Papa Bento, que, enquanto cardeal Joseph Ratzinger, desempenhou um papel central na censura de Haight, ele indicaria diversos "graves erros doutrinais" em "Jesus, Símbolo de Deus", no que se refere, em primeiro lugar, à sua carência de afirmar que Jesus é o logos, ou a palavra pré-existente de Deus. Dessa crítica básica, Haight foi culpado por ter rebaixado a divindade e a função soteriológica de Jesus. Mas essa crítica minimiza e descaracteriza a discussão de Haight. Roma realmente rejeitou qualquer afirmação de que a crença no pluralismo das religiões, dentro ou fora do catolicismo, é válida e, por isso, merecedora de atenção teológica e eclesiástica.

"Jesus, Símbolo de Deus" trata das críticas pós-modernas ao cristianismo, que são de preocupação dos católicos norte-americanos. Haight afirmava a contínua relevância do cristianismo no contexto social e filosófico contemporâneo que apresentou tais desafios à legitimidade de certas reivindicações cristãs tradicionais. A falta de respostas adequadas a esse desafio resultou em muitas pessoas que deixaram a Igreja. Haight se vê respondendo à crítica razoável com uma resposta razoável – ele estava fazendo o que se supunha que ele deveria fazer como padre e como teólogo.

De acordo com Haight, Jesus era Deus?

Haight iria rejeitar essa questão. A doutrina de Jesus é: "Deus e o ser humano", ambos "humanos e divinos". Só a cristologia que é dialética pode ser adequada e verdadeiramente fiel à tradição, como foi articulado em Calcedônia. A doutrina sustenta esses dois pontos juntos, em tensão dialética, e essa tensão não pode ser resolvida – nisso repousa o profundo mistério. Para Haight, a doutrina corresponde a e se expressa onde o cristão se acha existencialmente – a saber, em uma relação com Deus por meio de Jesus e não por meio de Buda, nem por meio de Moisés, nem por meio de outro símbolo. Os cristãos são aqueles que, pela fé, permitiram que Jesus fosse o seu acesso para Deus. Isso eleva Jesus implicitamente a uma mediação privilegiada de Deus para o cristão, mesmo que possam haver outras.

O que Haight diria que foi a ressurreição de Jesus?

Haight diria que a ressurreição só pode ser entendida desde um ponto de vista pessoal. Ela começa com as nossas esperanças com relação à nossa própria morte e as mortes dos nossos entes queridos. A esperança comum é a de que nós não morremos, mas continuamos existindo na esfera de Deus. A compreensão da ressurreição de Jesus só pode começar a partir da base da esperança.

A partir disso, Haight afirmaria que a ressurreição não foi um evento histórico que aconteceu física e empiricamente no continuum espaço-tempo. Quando os cristãos enterram um ente querido, eles colocam o corpo na terra com a fé-esperança de que a pessoa está ressuscitada de uma forma que não nega a historicidade do enterro físico. Haight afirmaria que o corpo de Jesus não foi para nenhum lugar. Não é a ressurreição de um cadáver. Não existe um Jesus zumbi.

Haight acentuaria que a ressurreição é uma ideia difícil de ser entendida porque nós não temos um referente sensorial. Sempre que falamos sobre coisas deste mundo, temos uma imaginação que trabalha em nossa ajuda. Mas com a ressurreição, a imaginação falha e na verdade começa a trabalhar contra nós. Então, assim que você a imagina, você faz dela algo incrível, um tipo de evento deste mundo. Você dá substância visual e tangível à ressurreição. Então, a questão de dizer que ela não foi um evento histórico é para assegurar que a ressurreição é uma realidade transcendente que é uma questão de fé e de esperança.

Como Haight respodeu, pessoalmente, à censura inicial?

Ele ficou surpreso. Ele certamente não esperava uma resposta como essa de Roma. Haight tem um grande respeito por argumentos razoáveis, e o livro "Jesus, Símbolo de Deus" é um argumento claro, razoável. A Congregação para a Doutrina da Fé (CDF – o organismo magisterial oficial do Vaticano) publicou um documento oficial condenando o livro de Haight, mas não é uma crítica substancial. O próprio documento não receberia uma boa avaliação para uma seleção de mestrado em teologia. Essa e outras críticas feitas sobre o livro normalmente não são convincentes porque se baseiam em suposições outras do que sobre as quais o livro foi escrito – os críticos não parecem acreditar que o fato de responder às críticas pós-modernas ao cristianismo seja uma empresa teológica digna.

Você diz que Haight ficou surpreso com o caso, mas ele certamente deve ter tido alguma ideia de que o seu projeto cristológico corria o risco de receber algumas respostas punitivas por parte de Roma. Poderíamos argumentar que o livro não era consoante com as reivindicações cristológicas anteriores feitas pela CDF naquele momento.

Em primeiro lugar, eu faria uma distinção entre o que Haight diz em "Jesus, Símbolo de Deus" e como o que ele disse pode ser usado por outros estudiosos. O livro é uma discussão sobre como a fé cristã pode responder a certas críticas contemporâneas da fé e da tradição cristãs. Não é uma discussão sobre a relativização de todas as crenças religiosas. A cristologia de Haight não é radicalmente externa ao contexto da dramática resposta da CDF. Ele se dirige a certas críticas ao cristianismo (principalmente às que se referem ao pluralismo) como um fiel teólogo cristão enraizado na tradição cristã. Ele é um monoteísta e acredita que não há um meio maior para a experiência do Deus inefável do que a pessoa de Jesus, compreendido e comunicado pelas escrituras, pela tradição e pela Igreja cristã. O poder institucional por trás das censuras da CDF parece obscurecer esses fatos.

Mas, respondendo diretamente a sua questão, eu suporia que Haight não pensou em termos de risco. Ele pensou em termos do que ele achava que devia ser dito à luz da condição da Igreja contemporânea. Haight vê as pessoas deixando a Igreja simplesmente porque ninguém está respondendo às suas questões. Suas considerações eram dirigidas a essas pessoas, não aos riscos. Além disso, a editora Orbis pediu a ele que escrevesse o livro. Ele estava respondendo àquilo que ele percebeu como uma necessidade entre os fiéis, e a sua percepção ecoou por meio de uma grande companhia editorial que solicitou oficialmente que ele as respondesse. Se os teólogos pensassem primeiramente em termos de risco, ficariam paralizados.

Por que Haight tem estado tão quieto depois da sua censura? Por que ele não se defendeu publicamente?

Defender a si mesmo em tais situações seria interpretado como egocentrismo, o que, em certa medida, sempre é. Eu acho que Haight percebeu que a tarefa da sua defesa devia ser responsabilidade de outros. Ele não é um "teólogo renegado", apesar de ter sido inapropriadamente caracterizado dessa forma desde a sua censura. Além disso, o que ele poderia dizer que ele já não tenha dito nos dois volumes de cristologia?

Eu li que Haight estava chateado por não ter tido a oportunidade de se dirigir pessoalmente à CDF com relação às suas acusações – uma oportunidade que ele esperava receber. O que ele gostaria de ter feito se tivesse sido chamado à Roma?

Eu acho que ele só gostaria de dar um rosto ao texto. Eu acho que ele queria que a CDF visse que este era um ser humano de fé, um cristão e um católico que estava gerando essas discussões em nome dos fiéis e da Igreja institucional. Eu também fico pensando se Haight não teria percebido uma vantagem em prolongar o processo de censura. Naquele momento, todo mundo assumiu que a posse de um novo Papa certamente seria uma vantagem para o seu caso. Claro, agora nós sabemos que não foi assim, porque Ratzinger, o advogado de acusação no caso contra Haight, acabou se tornando o novo Papa.

Como Haight se sente com relação à hierarquia da Igreja Católica Romana?

Bem, acima de tudo, eu diria que ele pensa que a hierarquia da Igreja é algo bom. Haight quer que a Igreja tenha uma autoridade moral ao se engajar social e politicamente no mundo. A hierarquia é necessária para uma grande instituição como a Igreja. Se você está se referindo aos ocupantes atuais e particulares das posições dentro da hierarquia, eu acho que ele expressaria um desapontamento extremo. Haight reafirma os objetivos do Vaticano II, que acentuou o ecumenismo e afirmou a importância dos leigos na Igreja. O papado atual e o anterior eram restauracionistas. Eles claramente cercearam os documentos do Concílio e estão procurando colocar de volta no lugar o que havia antes do Vaticano II.

Mas enquanto Haight provavelmente expressaria pessimismo com relação aos danos causados pelos dois últimos papas, eu acredito que ele manifestaria otimismo com relação aos leigos. Se você olhar o catolicismo romano desde o começo, você vai ver um novo laicado culto. O corpo inteiro dos teólogos nos EUA será predominantemente formado por leigos, 80-90%, em poucos anos, e 65% desse corpo será de mulheres – será uma experiência completamente nova para a Igreja católica. Os leigos hoje estão conduzindo algumas paróquias com um padre que desempenha algumas funções especializadas. Há uma energia dinâmica totalmente nova na Igreja Católica Romana quando você a vê desde baixo.

Quando você a olha de cima, vê sinais de declínio. Se considerarmos o número de pessoas nos seminários, a qualidade dessas pessoas nos seminários e as suas inclinações, não parece nada promissor. Quando você olha o episcopado e a oferta de possíveis candidatos, parece catastrófico. Eu acho que Haight reconheceria uma dialética como a existente entre o que os oficiais poderosos e conservadores em particular visam atingir e a força irrefreável dos leigos que constituem, em primeiro lugar, aquilo que definimos como "a Igreja".

Por que Haight permanece católico?

Dizem que quando essa pergunta foi feita à teóloga feminista Ivone Gebara, ela respondeu: "Porque as mulheres que estão morrendo ao meu redor são católicas". Eu acho que, para Haight, a resposta é a mesma, mas em um contexto menos dramático. Ele continua católico porque ele é católico. Ele assume a responsabilidade pelas necessidades daqueles que estão ao seu redor e extrai a sua identidade da sua relação com eles. Haight escreveu "Jesus, Símbolo de Deus" como uma resposta às necessidades dos católicos. Por que ele deveria abandoná-los depois de ter recebido uma crítica de baixo nível?

Haight também valoriza a comunhão dos católicos como Igreja. Nesse sentido, ele e Bento são parecidos. Eles só têm prescrições opostas sobre como manter essa comunhão unida. O Papa nega a existência do pluralismo, enquanto Haight vê a adoção do pluralismo (uma realidade indisputável) como uma forma de tornar o cristianismo ainda mais efetivo na compreensão do que significa ser humano neste momento particular da história. Haight encorajaria qualquer pessoa que se sinta enganado por seu catolicismo a ir aonde quer que seja necessário ir para se alimentar espiritualmente. Ao mesmo tempo, para ele, assumir a responsabilidade por sua própria comunidade é uma maneira de descobrir valor e identidade dentro da própria Igreja, que é exatamente o que algumas pessoas estão procurando ao deixar o catolicismo.

Finalmente, Jeremy, o que está mais em jogo, na sua opinião, na controvérsia sobre o trabalho de Roger Haight?

Eu tenho 31 anos. Eu acho que a minha geração e as gerações subsequentes estão crescendo com um sentido mais inato dos desafios pós-modernos e historicistas às teologias cristãs modernas e pré-modernas. Diferentemente de Haight que, desde um ponto de vista moderno, buscou tratar dos desafios da consciência pós-moderna, as pessoas da minha geração têm que fazer uma escolha diferente. Nós temos que ou tratar de uma consciência pós-moderna do pluralismo desde o começo, ou temos que negar o que a sociedade crescentemente considera como realidade de um modo geral, assim como o cristianismo fundamentalista faz.

A necessidade de reconhecer o pluralismo não vai diminuir em um mundo cada vez mais globalizado e interdependente que enfrenta crises cada vez mais complexas e coletivas. Se o cristianismo ainda pode atuar como uma fonte para a reflexão ética à luz das crises históricas (o que eu confio profundamente que ele consegue), ele deve ser honesto e confiável para este contexto globalizado e pluralista contemporâneo.

Teólogos como Haight estão fazendo o trabalho que irá manter o catolicismo relevante nos contextos contemporâneos em particular, mas isso ocorre com um custo de eles serem desaprovados e rejeitados por partes das mesmas igrejas que eles procuram servir. Um colega no Union Theological Seminary, Sarosh Koshy, descreveu a Igreja como um barco, e o teólogo como alguém que, periodicamente, tem que sair do barco e empurrá-lo para fora de um banco de areia. Às vezes, ao fazer isso, o teólogo é deixado para trás. Esse é o caso, neste momento, de Haight. Mas considerando o impacto do seu trabalho, eu não acho que ele esteja sozinho nesse banco de areia. Não com tantos de nós que estão tentando unir-se a ele.

Fonte: UNISINOS

Os grifos são meus.

Monge Thomas Merton

Decisões políticas e o bem

“ É verdade, os problemas políticos não são resolvidos por meio de amor e misericórdia. Mas o mundo da política não é o único mundo, e as decisões políticas só podem fazer um verdadeiro bem se forem baseadas em um alicerce feito de algo melhor e mais elevado do que a política. Quando um país tem de ser reconstruído após uma guerra, as paixões e energias da guerra não mais são suficientes. Tem de haver uma força nova, o poder do amor, o poder da compreensão e da compaixão humanas, a força do altruísmo e da cooperação, como o dinamismo criativo da vontade de viver e de construir, e vontade de perdoar, desejo de reconciliação.”

Um pensamento para reflexão: “Uma vida egoísta não pode ser fecunda. Não pode ser verdadeira; está em contradição com a natureza mesma da [espécie humana].”

Fonte: Reflexões de Thomas Merton

17/04/2009

Nota de Esclarecimento

"A CNBB - Regional NE V, Cáritas Regional e outras entidades estão subscrevendo a nota em anexo, por compreender que o momento requer o posicionamento firme da sociedade civil brasileira na defesa da democracia, das suas instituições, da garantia da legalidade e da efetivação dos direitos humanos.

Para defender a elite brasileira, responsável pelo atraso e pelas inúmeras violações diárias dos direitos humanos, o Poder Judiciário está pondo em perigo a institucionalidade da república brasileira. Passou de braço legalizador da violência, acobertador da impunidade, para a incriminalização dos movimentos sociais, quem deles se aproxima e tem relação de diálogo, para a subversão da ordem constitucinal, como forma de patrocinar a defesa das elites, do latifúndio e da corrupção.

Não podemos, assim, nos omitir. É a hora dos movimentos sociais se posicionarem, levantarem a bandeira da defesa da democracia, da garantia dos direitos e do funcionamento das instituições do Estado para garantia de um desenvolvimento social capaz de incluir todo o povo.

Para que fique claro: não estamos defendendo uma pessoa, mas nos posicionando ante uma situação de grave violação da legalidade e da institucionalidade republicana, exemplo verificado todos os dias e perante os quais precisamos nos posicionar de forma clara.

Por isso, estamos disponibilizando a presente nota a todos os movimentos sociais e esperamos a adesão."


As entidades abaixo-assinadas, profundamente preocupadas com os rumos do processo institucional brasileiro, vêm tornar público o seu posicionamento sobre a forma como estão sendo tratadas as instituições do Estado Democrático de Direito, principalmente a garantia da legalidade, no que diz respeito a atuação do Poder Judiciário e de seus membros.

Há muito que se fala da morosidade do Poder Judiciário brasileiro, em particular do maranhense. Mas o que foi detectado com a publicação do relatório do Conselho Nacional de Justiça é exatamente o contrário e ainda mais preocupante. Algumas ações têm tratamento célere, outras mofam nos cartórios; algumas condutas de magistrados são fiscalizadas e procedimentos são instaurados, outras nem sequer são apuradas; em alguns casos os processos não andam por conta das formalidades, em outros as formalidades são vistas como algo prejudicial à prestação da jurisdição.

A questão se torna mais grave, no caso brasileiro, em vista do poder judiciário exercer a sua função sem ter havido discussão acerca da sua legitimidade, atuando na maioria das vezes descolado dos anseios da sociedade e muitas vezes transitando na ilegalidade. Acrescente-se a isso o fato de ainda sobreviver nas estruturas e comportamentos dos seus membros resquícios da monarquia, verificados no corporativismo, na escolha, pelo executivo, de magistrados para os tribunais, na não abertura aos reclamos sociais, no conservadorismo da linguagem e dos rituais, no tratamento dispensado aos movimentos sociais, quase sempre vistos como pertubadores da ordem.

Acusações cotidianas de que o Poder Judiciário é cego para os pobres e de olhos bem abertos para os ricos, de interpretar a lei de acordo com os interesses de classe, de incriminar os movimentos sociais e tratar o povo, legítimo soberano numa democracia, como algo incômodo, perigoso, caso de polícia, são condutas que precisam ser combatidas diariamente para que possamos construir uma sociedade verdadeiramente democrática.

Exemplo claro do que está sendo considerado acima foi observado no julgamento do processo administrativo-disciplinar contra o Juiz de Direito Jorge Moreno, acusado de exercício de atividade político-partidária, pelo deputado estadual Max Barros, ligado ao grupo político do Presidente do Senado, José Sarney. O referido processo teve andamento célere até o afastamento cautelar do juiz da comarca e demorou três anos para a realização do julgamento.

Em que pese a afirmação de que foram respeitados todos os princípios constitucionais, o que se observou, de forma nítida e clara, foi o exercício de um poder efetivamente direcionado, pessoal, parcial, político e seletivo. Não foi colocado em discussão o processo em si, mesmo porque não se verificou nenhuma prova da conduta atribuída ao magistrado, resvalando as discussões a conjecturas e suposições. Restou então apreciar o processo pelo que o magistrado representa: a origem social, o engajamento na causa dos direitos humanos e a relação com os movimentos sociais. Observou-se nitidamente ter havido o cerceamento do direito de defesa, tachado pelo relator do processo e alguns outros desembargadores como “excesso de formalidades”.

O que se pode imaginar, analisando a frase por si, é estarmos diante de um tribunal liberal, avançado para o seu tempo, quando, na verdade, isso não passa de uma fachada para a manifestação de um forte conservadorismo capaz de transformar uma instituição republicana numa arena de perseguição política, reflexo da correlação de forças sociais, a comprovação na prática de que ainda não ultrapassamos a fronteira do exercício pessoal no trato das coisas públicas.

Como bem afirmou o Des. Bayma de Araújo, decano do TJ-MA, sem meios termos, que tal processo só estava ocorrendo porque o juiz referido é ‘pobre, inteligente, não vende sentenças, não tem costas quentes, etc.’.

De modo inverso, apesar da abundância de provas, nenhum rigor se viu na apreciação do processo do magistrado maranhense acusado da prática de redução de trabalhadores à condição análoga a de escravo, quando o processo caminha para o arquivamento. E só ficou nos comentários a atitude do desembargador presidente do TRE-MA, quando vestiu literalmente a camisa de um candidato ao Senado, ex-governador de Estado, da mesma forma que foi muito elogiada, como conduta de trato social, a participação do presidente do TJ/MA, em 2006, em programa de televisão destinado à propaganda de partido político, à época, o PMDB;

Se o que valem não são os direitos e garantias fundamentais, mas ao contrário interesses pessoais, de grupos ou facções; se a interpretação da lei é nitidamente marcada por subjetivismos e o judiciário começa a fixar regras, invadindo competência de outro poder e a traçar limites que não existem em nenhum documento, mas fica ao alvitre dos seus membros, temos anunciada uma tragédia: a fragilização da democracia e suas instituições.

Esse tipo de prática observada não é algo específico do modus operandi do judiciário maranhense. Talvez aqui seja mais visível e escandaloso. É uma prática que está contaminando as frágeis instituições da república brasileira e pondo-as em risco, perigo ante o qual não podemos nos calar, nem nos omitir.

Assinam:

1 - Conferência Nacional dos Bispos Do Brasil – CNBB Regional Nordeste V
2 - Cáritas Brasileira Regional Maranhão
3 - Rede de Intervenção em Políticas Públicas
4 - Fórum de Defesa dos Direitos das Populações do Cerrado Sul Maranhense
5 - Animação Cristão no Meio Rural
6 - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Itapecuru-Mirim (Sinspmi)
7 - Associação de Defesa dos Direitos da Cidadania de Miranda do Norte (Adedican)
8 - Sindicato dos Professores Municipais de São João do Carú
9 - Equipe de Direito e Cidadania de São Mateus
10 - Sindicato dos Servidores Públicos de Miranda do Norte
11 - Sindicato dos Servidores Públicos de Cantanhede
12 - Comidi (Diocese de Coroatá)
13 - Sindicato dos Servidores Públicos de Anajatuba
14 - Pastoral da Juventude (Diocese de Coroatá)
15 - Comipa (Presidente Vargas)
16 - Pastoral Social da Igreja Católica de Matões do Norte
17 - Associação das Quebradeiras de Coco Babaçu de Alto Alegre do Maranhão
18 - Simproessema Núcleos Pedro do Rosário e Maracaçumé
19 - Paróquia da Igreja Católica de Pedro do Rosário
20 - JUFRA de Alto Alegre do Maranhão
21 - Sindicato dos Servidores de Timbiras
22 - Pastoral da Criança de Codó
23 - Sindicato dos Servidores Municipais de Codó
24 - Instituto de Apoio Comunitário - IAC-Timbiras
25 - Associação das Quebradeiras de Coco de Timbiras
26 - Associação do Bairro Olaria - Timbiras
27 - Sindicato dos Trabalhadores e Tratalhadoras na Agricultura Familiar de Alto Alegre do Maranhão
28 - Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar de Codó
29 - ONG Travessia - São Luís
30 - Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar de Bom Jardim
31 - Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Presidente Vargas
32 - Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Presidente Vargas
33 - Associação Juculma - Maracaçumé
34 - Associação Natureza Viva - Maracaçumé
35 - Associação Lindalva Pereira Santos - Maracaçumé
36 - CDVDH - Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia-MA
37 - CDVDH - Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Bom Jesus das Selvas - MA
38 - CODIGMA - Cooperativa para Dignidade no Maranhão
39 - Sindicato dos Mototaxistas de Açailândia
40 - UESA - União dos Estudantes Secundaristas de Açailândia
41 - Fórum de Cultura de Açailândia
42 - DIOCESE DE BALSAS
43 - CONSELHO DIOCESANO DE PASTORAL DA DIOCESE DE BALSAS.
44 - FÓRUM APOIO.
45 - NÚCLEO CERRADO VIVO.
46 - COMISSÃO PASTORAL DA TERRA DA DIOCESE DE BALSAS.
47 - PASTORAL DOS MIGRANTES.
48 - PASTORAL DA SAÚDE.
49 - PASTORAL DA CRIANÇA DA DIOCESE DE BALSAS
50 - COMITÊ DA CIDADANIA DE PASTOS BONS.
51 - COMITÊ DA CIDADANIA DE NOVA IORQUE.
52 - CONSELHO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE DE BALSAS – CONDEMA.
53 - FÓRUM CARAJÁS.
54 - PARÓQUIA NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO SOCORO DA DIOCESE DE BALSAS.
55 - CÁRITAS DIOCESANA DE BALSAS.
56 - SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE BALSAS.
57 - SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE LORETO.
58 - SINDICATO DOS ENGENHEIRO DE BALSAS.
59 - ESCOLA DE FORMAÇÃO DE ÈTICA E CIDADANIA DA DIOCESE DE BALSAS.
60 - AMAPE – DE PASTOS BONS.
61 - ACA - ASSOCIAÇÃO CAMPONESA – BALSAS.
62 - ASSENTAMENTO SUCUPIRA – RIAÇÃO.
63 - ASSENTAMENTO ALEGRE – RIAÇÃO.
64 - ASSENTAMENTO SÃO JOSÉ – BALSAS.
65 - ASSENTAMENTO BACURI – SÃO RAIMUNDO DAS MANGABEIRAS.
66 – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Matões do Norte
67 – Casa da Juventude de São Mateus
68 – Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do povoado São Raimundo/São Mateus
69 – Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do povoado Pai Mané/São Mateus
70 – Associação dos Moradores do povoado de Rio Grande dos Gonçalves/Santa Quitéria
71 – Associação dos Moradores do povoado de Alto Formoso/Santa Quitéria
72 – Ecologistas Caruenses Organizados (ECO)
73 – Associação dos Moradores do Bairro Sonrisal/São João do Carú
74 – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de São João do Carú
75 -Fórum de Defesa dos Direitos da Cidadania da Região do Turi
76 – Rede de Defesa dos Direitos da Cidadania da Região do Médio Mearim
77 - Rede de Defesa dos Direitos da Cidadania das Regiões do Vale do Itapecuru, Mearim e Baixada

15/04/2009

Chorar debaixo das macieiras: os desafios da Igreja hoje

Pietro de Paoli, escritor e autor de"La Confession de Castel Gandolfo" (Editora Plon, 2008), em artigo para o jornal La Croix, 12-04-2009, relata um grave momento da vida do teólogo Yves Congar, fundamental para se compreender o Concílio Vaticano II. "Nestes tempos de aflição, volto-me ao padre Congar e relembro que o tempo das lágrimas também deve ser o tempo da semeadura", afirma De Paoli. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Fonte: UNISINOS



Muitos como eu, nestas últimas semanas, foram tomados por um profundo sentido de tristeza e de cansaço. Esse estado de ânimo e de coração me levou a reencontrar um trecho que me havia tocado muito durante a primeira leitura do "Journal d'un théologien", de Yves Congar. Ali, o autor relata como, no início do outono de 1956, depois de ter passado os anos anteriores tentando conservar o direito de publicar e de ensinar, se encontrou "exilado" em Cambridge. Lá, fez a experiência de um total abandono e desencorajamento. Foi pressionado por um imenso sentimento de solidão, de impotência, de inutilidade, até chegar a pensar que a sua vida era um fracasso total.

Assim, um dia, durante uma caminhada sob o céu cinza e baixo daquele terrível "fine english weather", como dizem os nossos amigos britânicos, deixou-se cair debaixo de uma árvore e, na chuva sutil e incessante, "encontrou-se a chorar amargamente (...) 'Dominus autem assumpsit me': estas lágrimas, Deus não as sentirá?". Esse homem tem 52 anos, é um dos teólogos mais brilhantes do seu tempo, resistiu à prova da prisão na Alemanha e agora se reduzia às lágrimas e à sensação do fracasso. Sim, a Igreja pode fazer sofrer, pode fazer sofrer cruelmente os melhores dos seus filhos e das suas filhas.

Se me detenho sobre esse episódio da vida de Yves Congar, é porque o período da vida da Igreja em que ele se situa talvez tenha semelhanças com o nosso – ou pelo menos é essa a esperança que eu alimento.

O ano de 1956 é o fim do pontificado de Pio XII, um período em que parece, então, segundo todos os observadores, que a Igreja católica esteja em pleno "enrijecimento" doutrinal e disciplinar. Há quase dez anos, as condenações chovem sobre os pesquisadores, sobre os teólogos, sobre iniciativas como a dos padres operários na França. É novamente uma espécie de grande crise antimodernista que percorre a Igreja, absolutamente distanciada do impulso de liberdade e de energia que conquistou os povos com o fim da guerra.

Por que lembrar o futuro cardeal Congar em lágrimas debaixo da macieira? Porque, justamente, ele não sabe – e ninguém sabe – que ele será chamado a desempenhar um papel de primeiríssimo lugar no Concílio Vaticano II, ao qual ninguém ainda sabe que ele será convocado. Esse homem acredita que sua vida está acabada, enquanto, ao invés, está por começar. Esse homem acredita que o seu trabalho intelectual esteja perdido, e, pelo contrário, está só sepultado, como o grão de trigo semeado na terra, e ninguém suspeita a colheita que ele ainda dará.

Nestes tempos de aflição, volto-me ao padre Congar e relembro que o tempo das lágrimas também deve ser o tempo da semeadura.

Não é um erro chorar pelo espetáculo da nossa Igreja que parece enrijecer-se, pelo menos nos posicionamentos de alguns dos que pertencem à hierarquia. Seria um erro abandonar, deixar que tudo se perdesse. A Igreja católica não pertence a Roma, pertence a Cristo, que é a sua cabeça, pertence a nós que formamos o seu corpo.

Nessa perspectiva, os problemas suscitados pelo padre Congar – lugar dos leigos, colegialidade, diálogo ecumênico... – ainda são atuais, porque são o meio de tornar o grande corpo da Igreja vivo e em comunicação. Em comunicação com o mundo para lhe anunciar o Evangelho, para fazer ressoar o tambor da Boa Nova. Mas há novos desafios; mundialização, divisão dos recursos da terra, defesa do ambiente. É preciso levantar os olhos. Nem as perguntas nem as respostas se encontram nos missais. E nem nos dogmas. Talvez estejam no trabalho da inteligência e do amor, se aceitarmos fazê-lo.

Eu não proclamo um otimismo beato, nem uma Esperança relegada ao fim dos tempos. Hoje, nesta mensagem, cultivo uma esperança razoável: a de que a crise em que nos encontramos é o prelúdio de um grande sopro de renovação, talvez o segundo sopro daquele Concílio tão denegrido, quase condenado por alguns, enquanto a sua atuação apenas começou, enquanto apenas nos demos conta do tesouro que os padres conciliares nos deixaram.

Por isso, será preciso conseguir despedaçar a grande loucura egotista que nos atravessa para nos tornarmos de novo verdadeiramente católicos. Porque é isso que está verdadeiramente em jogo, voltar à fonte da nossa catolicidade, isto é, à vocação universal. "Ide a todas as nações, até os confins da terra...", eis a nossa identidade. Nós, católicos, não nos situamos na lógica de um pequeno resto de puros e poucos que deveriam resistir heroicamente a um mundo hostil. Somos mestiços, cidadãos do céu e da terra.

Sim, até choramos, mas depois enxugamos as lágrimas e nos ocupamos do que nos compete: isto é, a tarefa que Deus nos confia, a preocupação e o cuidado da humanidade inteira.

Cardeal Carlo Maria Martini

Páscoa: explosão de luz no mundo


O cardeal Carlo Maria Martini, em artigo para o jornal Il Sole-24 Ore, 12-04-2009, reflete sobre o significado da Páscoa a partir do seu fato originário. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS




O que é essencial para a Páscoa? Onde está o fato originário que os fiéis celebram? Quem entrou, nestes dias, nas igrejas cristãs e assistiu a como foram celebradas nelas as funções litúrgicas nos diversos dias da Semana Santa pode ter tido a impressão de um repetir-se de gestos, de ritos, de orações, em que se tornava difícil indicar o tema fundamental, entender onde estava a sua unidade.

Muitos, de fato, são os eventos relembrados nesses dias, em que se percorreu o caminho da última semana de Jesus em Jerusalém, desde o solene ingresso na cidade, revivido no "Domingo das Palmas", até a sua captura, à paixão e morte, à descoberta do sepulcro vazio e às suas aparições aos discípulos. Frente a essa riqueza de eventos, lidos também à luz de uma longa série de outras leituras bíblicas, perguntamo-nos: qual é o fato central, originário, no qual tudo isso junto encontra a sua origem e a sua explicação?

Esse fato não foi descrito por ninguém, não foi vivido por ninguém. A liturgia romana nos diz, no canto solene que precede a função da noite de Páscoa: "Só tu, noite feliz, soubeste a hora em que o Cristo da morte ressurgia". O que ocorreu nessa hora desconhecida, na obscuridade do túmulo de Jesus? Podemos compreender algo desse evento olhando os efeitos desse mistério com os olhos da fé.

O Espírito Santo desceu com toda a sua potência divina no cadáver de Jesus. Tornou-o "espírito vivificante" (cf. Carta de São Paulo aos Romanos 1, 4), deu-lhe a capacidade de se encontrar presente em todo o lugar, em qualquer lugar e em qualquer tempo da história.

Tornou-se como uma explosão de luz, de alegria, de vida. Lá onde havia um corpo morto e um túmulo sem esperança, iniciou-se uma iluminação do mundo que ainda dura até hoje.

Quando Jesus dizia, no fim do Evangelho segundo Mateus: "Estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo", entendia essa presença de ressuscitado, dessa força de Deus operante em Jesus que qualquer pessoa pode sentir dentro de si, contanto que abra os olhos do coração. Esse espírito não se manifesta com parcimônia, mas com amplitude e liberalidade.

Hoje, repropondo o grito da Páscoa, a Igreja dirige ao mundo um anúncio de esperança. Esse anúncio se refere a todos, toca os indivíduos, as comunidades, as sociedades. Todo homem, toda mulher dessa terra pode ver o Ressuscitado, se se permitir buscá-lo e se deixar buscar. Começa aqui a história da Igreja, que é, sobretudo, história das consequências desse dom. Os homens talvez podem utilizar mal esse dom ou até se opor a ele, mas, na realidade, ele faz o seu caminho na história, cria as multidões de Santos, sejam conhecidos ou desconhecidos. Permite que qualquer um que o deseje sinceramente entre nas intenções de Cristo, no seu amor aos pobres, na sua luta pela justiça, na sua dedicação por cada pessoa, no seu espírito de liberdade, de humildade, de adoração e de oração. Quem olha o mundo de hoje com os olhos da fé, reconhece nele todos os horrores e as distorções, mas vê também o Espírito operando para salvar esse mundo.

Mas quem reconhece hoje a mudança que ocorreu na história? Quem sente a presença do Ressuscitado que nos acompanha?

Quem tem uma fé plena em Jesus, quem se volta para Deus com todo o coração, quem se liberta da escravidão do sucesso e do dinheiro, quem se converte da tristeza e da mesquinhez a uma visão ampla do universo, aberta para a eternidade. Devemos aceitar que o amor de Deus dissolve o medo, que a graça perdoa o pecado, que a iniciativa de Deus vem antes de todo esforço nosso e nos reanima, nos recoloca de pé em toda queda. A fé na ressurreição não é fuga do mundo, pelo contrário, nos faz amar o tempo presente e a terra, é capacidade de viver a fidelidade à terra e ao tempo presente na fidelidade ao céu e ao mundo que deve vir.

Há tempos em que esse reconhecimento é particularmente difícil: são os tempos dos grandes infortúnios, das catástrofes que atingem muitas pessoas, particularmente as crianças. Mas também aqui, para quem sabe ler com os olhos da fé, não falta uma presença do Ressuscitado.

Justamente agora, recebi das zonas onde ocorreu o terremoto em Abruzzo uma mensagem que é mais ou menos assim: "Desde os acampamentos de tendas (...) os mais sinceros votos. O Senhor que veio curar as feridas dos corações despedaçados nos escolheu para que o ajudássemos. Seja esta a nossa verdadeira alegria.

Um fraterno abraço".

12/04/2009

Entrevista - Pe. Timothy Radcliffe

'A nossa lealdade à Igreja requer que sejamos críticos'


Deixar-se surpreender por Cristo, como Maria Madalena. Ter mais coragem e menos medo para debater questões difíceis dentro da Igreja. Recusar quaisquer "polarizações simplistas" da Igreja entre esquerda e direita. Mostrar a nossa lealdade à Igreja sendo críticos, com amor e humildade. Assumir a nossa vocação de aprender a amar a Deus – todos, homens ou mulheres, gays ou heterossexuais.

Em pleno Domingo de Páscoa, eis a proposta e o desafio evangélico apresentado por Timothy Radcliffe, teólogo e padre dominicano inglês. Nesta entrevista, concedida por e-mail com exclusividade para a IHU On-Line, o ex-Mestre Geral da Ordem dos Pregadores, ou Dominicanos, fala sobre os atuais desafios da Igreja e as dificuldades de se apresentar o mistério da Páscoa à sociedade de hoje.

Nascido na Inglaterra, Timothy Radcliffe é teólogo e padre dominicano. Em 1992, foi eleito Mestre Geral da Ordem dos Dominicanos, o primeiro membro da província inglesa a ser eleito para o cargo desde a fundação da ordem, em 1216. Antes disso, havia sido prior provincial da Inglaterra e presidente da Conferência dos Superiores Religiosos de Inglaterra e Gales, tendo lecionado Sagrada Escritura na Universidade de Oxford. Em 2001, após deixar o cargo de mestre geral da ordem, voltou a lecionar na universidade. Atualmente, é membro da comunidade dominicana em Blackfriars, Oxford, na Inglaterra. Presidente do International Young Leaders Network, Racdliffe foi um dos fundadores do Las Casas Institute, que aborda questões referentes à ética, política e justiça social, ambos desenvolvidos na Universidade de Oxford.



IHU On-Line – O que o tempo pascal tem a dizer aos cristãos com relação ao mundo e à Igreja de hoje?

Timothy Radcliffe – Hoje, vemos todos os tipos de sinais de morte ao nosso redor. A recém tivemos o terrível terremoto na Itália. Há mortes de homens-bomba suicidas em muitos lugares. Estamos ameaçados com mortes em massa se não evitarmos a crise ecológica à nossa frente. Podemos enfrentar a morte com liberdade, acreditando que ela não tem a última vitória. Muitas pessoas temem a morte. Woody Allen disse que não tem medo da morte, ele só não gostaria de estar por perto quando ela acontecer! Mas nós acreditamos que a morte não tem a última palavra.

"Todos, homens ou mulheres, gays ou heterossexuais,
têm a mesma vocação de entrar no mistério da Trindade"


IHU On-Line – Como é possível apresentar os mistérios da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo em uma linguagem compreensível para a sociedade contemporânea?

Timothy Radcliffe – O Império Romano foi convertido pela coragem dos mártires. Nós também temos os nossos mártires. Oscar Romero anunciou o Evangelho corajosamente, sabendo que isso o levaria à sua morte. É verdade que, durante o genocídio em Ruanda, muitos cristãos falharam em dar testemunho, mas não devemos nos esquecer dos muitos que ousaram aceitar a morte porque recusaram o ódio. E eu conheci muitas pessoas que enfrentaram a morte com alegria e com testemunho de esperança. Um jovem seminarista com seus 20 anos, Andrew Robinson, descobriu que estava morrendo de câncer pouco tempo antes de ser ordenado. O arcebispo de Birmingham teve a brilhante ideia de pedir-lhe que mantivesse um diário, para que ele pudesse compartilhar o que estava vivendo e morrendo com os seus amigos. Isto foi o que ele escreveu poucos dias antes de sua morte: "Minha doença desempenhou uma parte substancial na minha jornada para Deus, para a paz e para a liberdade. A jornada não é de forma alguma fácil, mas quando você vai rumo à luz no fim do túnel, e você sente o seu calor, você saboreia a sua paz e a sua liberdade, você ouve o rumor das multidões de anjos saudando-o em louvor do Deus que nos atrai para a luz" ("Tears at Night Joy at Dawn: Journal of a Dying Seminarian", Editora Stoke on Trent, 2003, p.73).

IHU On-Line – Em sua opinião, quais são os principais teólogos que estão respondendo a esses desafios e possibilidades da atualidade?

Timothy Radcliffe – Há uma grande gama de teólogos hoje, desde o nosso querido dominicano Gustavo Gutiérrez, que continua sendo testemunha da esperança, até teólogos mais jovens, como o norte-americano Robert Barron. Na Inglaterra, o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, é uma testemunha maravilhosa e criativa do Evangelho.

IHU On-Line – Como a Paixão de Cristo se expressa nas "paixões" que vivemos hoje no mundo (crise financeira e ecológica, desemprego, violência etc.) e na Igreja (o caso dos lefebvrianos, a excomunhão no caso do aborto da menina do Recife, a questão dos preservativos na África etc.)?

Timothy Radcliffe – Eu acredito que a crise financeira tem suas raízes em um sistema econômico que cultivou a ganância, criando divisões ainda mais severas entre ricos e pobres. Vivemos na ilusão de que a ganância movimenta o mercado, que cria prosperidade, que transborda para enriquecer a todos. Isso é simplesmente falso. O mercado financeiro, com o dinheiro sendo vendido e revendido, também se tornou ainda mais distante da realidade. Hoje, aterrissamos de novo no mundo real com uma colisão. Este é o momento mais doloroso, especialmente para as pessoas mais pobres. Devemos duramente tentar torná-lo um novo começo, no qual construamos um sistema econômico que seja enraizado na realidade, no valor real do que é comprado e vendido e no valor real do trabalho das pessoas ao produzir isso. Então, se agirmos com coragem, em vez de apenas tentar restaurar o status quo, poderemos então torná-lo um novo começo. Nós, cristãos, acreditamos que toda crise pode ser frutífera.

"Precisamos discutir questões complexas com mais coragem. Para isso, devemos recusar qualquer polarização simplista da Igreja entre esquerda e direita"

Com relação à crise de comunicação da Igreja nos casos que você mencionou, devemos fazer uma distinção entre a) os erros feitos pela Igreja e b) a forma em que eles foram mal informados e exagerados pela imprensa, que muitas vezes só fica muito feliz ao caçoar da Igreja. Cada um desses casos apresenta diferentes desafios. A readmissão do bispo lefebvriano que negou amplamente o Holocausto foi devido a uma falha de comunicação dentro do Vaticano. Isso envergonhou profundamente o Papa, que escreveu uma carta muito comovedora e humilde a todos os bispos da Igreja, e isso deve marcar uma nova fase na relação dele com o colégio dos bispos em todo o mundo.

Eu estava na África no momento da excomunhão da menina depois de um aborto e distante dos meios de comunicação comuns, e por isso não fui capaz de acompanhar o caso. Ele foi claramente tratado de uma forma que produziu um escândalo e prejudicou a reputação da Igreja. Eu compreendo que o Vaticano tenha feito, ao final, uma declaração que foi altamente crítica à decisão de excomungar a menina, mas isso quase não foi publicado. A misericórdia sempre deve triunfar.

Finalmente, houve a questão dos preservativos na África. Da forma como eu compreendo, o Papa fez uma afirmação que não tinha a ver com fé ou moral, mas sobre se é ou não verdade que o uso dos preservativos faz com que a Aids se difunda mais ou não. Essa é uma questão complexa. Alguns cientistas concordariam com o Papa, enquanto muitos não. Portanto, não foi uma declaração formal de uma posição à qual os católicos deveriam concordar, já que não foi sobre fé ou moral, mas apenas no contexto em que um julgamento moral deveria ser feito. Foi lamentável e produziu muita confusão. Mas, se questionarmos qualquer pessoa durante muito tempo, especialmente quando ela está cansada, então quem de nós às vezes não escolheria palavras que são lamentáveis? Eu fiz muitas afirmações à imprensa sob pressão e às vezes não escolhi bem minhas palavras e por isso, aqui, eu tenho a mais profunda simpatia com o Papa!

IHU On-Line – Qual a sua opinião sobre os atuais problemas da Igreja nestes dias? Como os cristãos católicos podem vivê-los e compreendê-los à luz da Páscoa?

Timothy Radcliffe – Não há nada novo no que estamos vivendo hoje. A Igreja sempre cometeu erros e não escolheu as melhores palavras. Somos o corpo de Cristo, mas também somos uma comunidade de pessoas falíveis, que cometem erros, que são mal interpretadas e assim por diante. São Pedro mesmo foi confrontado por São Paulo em questões de fé. Então, temos que aceitar que a providência de Deus pode agir mesmo por meio desses momentos dolorosos. Isso não é nem próximo da profundidade da crise das condenações da Modernidade há centenas de anos. E nem se compara com a crise da Sexta-Feira Santa!

Em segundo lugar, somos todos membros da Igreja. Devemos usar nossa voz para compartilhar a nossa fé. Às vezes, a nossa lealdade à Igreja requer que sejamos críticos. Mas devemos ser muito amorosos e humildes, sabendo que nós também não temos todas as respostas. Dom Robert Lebel, do Canadá, disse que os católicos que criticam a Igreja, que são "inquebrantáveis na sua pertença a essa mesma Igreja, são as testemunhas das quais ela tem necessidade para progredir. Estas testemunhas são as mais eficazes porque são de dentro. Elas são da Igreja, elas são a Igreja que se autocritica para ressituar incessantemente a sua dupla fidelidade a Cristo e ao mundo no qual ele se encarnou".

"O Papa escreveu uma carta muito comovedora e humilde a todos os bispos.
Isso deve marcar uma nova fase nessa relação"


IHU On-Line – Até que ponto o Concílio Vaticano II deu respostas à nossa sociedade moderna? É necessário um Vaticano III para uma atualização da Igreja?

Timothy Radcliffe – Eu não sei se precisamos de um Vaticano III ou não. O que nós precisamos é discutir questões sensíveis e complexas com mais coragem e com menos medo. O Papa muitas vezes destacou a nossa fé na razão, e devemos mostrar isso ousando debater questões difíceis. Para que isso ocorra, devemos recusar qualquer polarização simplista da Igreja entre esquerda e direita, tradicionalistas, conservadores [e progressistas]. Devemos discutir as questões racionalmente, à luz dos Evangelhos e do magistério da Igreja, sem representar partidos políticos, confiantes que o Espírito Santo pode nos guiar mais profundamente no mistério da nossa fé. Não devemos simplesmente rejeitar qualquer afirmação como falsa ou absurda. Mesmo se ela não estiver correta, devemos nos atrever a procurar pela semente de verdade que ela contém e compreender a intuição que levou as pessoas a afirmarem-na.

IHU On-Line – Como a Ressurreição pode ser vivida por todos os sofredores e marginalizados do mundo, especialmente dentro da própria Igreja, como os gays e as mulheres que sentem o chamado de Deus?

Timothy Radcliffe – Para muitas pessoas na Igreja, este é um tempo de dor, quando Deus parece estar ausente, e o futuro parece desolador, e talvez elas se sintam mal acolhidas e depreciadas. Mas deixemo-nos surpreender por Cristo, que vem ao nosso meio e nos chama pelo nome, assim como fez com Maria Madalena, a primeira anunciadora da Ressurreição e a primeira padroeira da Ordem Dominicana! Todos, homens ou mulheres, gays ou heterossexuais, têm a mesma vocação, que é a de aprender a amar mais profundamente e assim entrar no mistério do amor de Deus que é a Trindade.

Reportagem de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS