17/03/2010

Por que participo da Igreja?

Recentemente, lembramos a figura de Carlo Carretto, Irmãozinho de Charles de Foucauld, no centenário do seu nascimento. Nada melhor, então, que dar a palavra diretamente a ele, neste tempo de Quaresma. O texto abaixo foi publicaddo por Christian Albini, teólogo leigo, italiano, em seu blog Sperare per Tutti, 04-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


Quanto tu és contestável, Igreja, porém, quanto te amo! Quanto me fizeste sofrer, porém, quanto devo a ti! Gostaria de te ver destruída, porém, tenho necessidade da tua presença. Deste-me tantos escândalos, porém, me fizeste entender a santidade! Nada vi no mundo de mais obscurantista, mais comprometido, mais falso, e nada toquei de mais duro, de mais generoso, de mais belo.

Quantas vezes tive vontade de bater na tua face a porta da minha alma e quantas vezes rezei para poder morrer entre os teus braços seguros.

Não, não posso me livrar de ti, porque eu sou tu, mesmo não sendo completamente tu.

E depois aonde iria? Construir uma outra Igreja?

Mas não poderei construí-la senão com os mesmos defeitos, porque são os meus que trago dentro. E se a construir, será a Minha Igreja, não mais aquela de Cristo.

Anteontem, um amigo escreveu uma carta a um jornal: "Deixo a Igreja porque, com o seu comprometimento com os ricos, ela não é mais confiável". Me dá pena!

Ou é um sentimental que não tem experiência, e o desculpo; ou é um orgulhoso que acredita ser melhor do que os outros.

Nenhum de nós é confiável enquanto estiver sobre esta terra. São Francisco gritava: "Tu acreditas que sou santo e não sabes que ainda posso ter filhos com uma prostituta, se Cristo não me sustentar".

A credibilidade não é dos homens, é só de Deus e do Cristo. Dos homens é a fraqueza e talvez a boa vontade de fazer alguma coisa de bom com a ajuda da graça que brota das veias invisíveis da Igreja visível.

Talvez a Igreja de ontem era melhor do que a de hoje? Talvez a Igreja de Jerusalém era mais confiável do que a de Roma?

(…)

Quando eu era jovem, não entendia por que Jesus, apesar da negação de Pedro, quis que ele fosse chefe, seu sucessor, primeiro Papa. Agora, não me admiro mais e compreendo sempre melhor que ter fundado a Igreja sobre o túmulo de um traidor, de um homem que se assusta por causa da conversa fiada de uma serva, era uma advertência contínua para manter cada um de nós na humildade e na consciência de sua própria fragilidade.

Não, não vou sair desta Igreja fundada sobre uma pedra tão frágil, porque fundaria uma outra sobre uma outra pedra ainda mais frágil, que sou eu.

(…)

Mas depois há ainda uma outra coisa que é talvez mais bela. O Espírito Santo, que é o Amor, é capaz de nos ver santos, imaculados, belos, mesmo se vestidos como canalhas e adúlteros.

O perdão de Deus, quando nos toca, faz com que Zaqueu, o publicano, se torne transparente, e a pecadora Madalena, imaculada.

É como se o mal não pudesse tocar a profundidade metafísica do homem. É como se o Amor impedisse que a alma distante do Amor apodrecesse. "Eu coloquei os teus pecados atrás das minhas costas", diz Deus a qualquer um de nós, e continua: "Amei-te com amor eterno, por isso te reservei a minha bondade. Edificar-te-ei de novo, e tu serás reedificada, virgem Israel" (Ger 31,3-4).

Eis, ele nos chama "virgens" mesmo quando estamos retornando da enésima prostituição no corpo e no espírito e no coração.

Nisso, Deus é verdadeiramente Deus, isto é, o único capaz de fazer as "coisas novas".

Porque não me importa que Ele faça os céus e a terra novos, é mais necessário que ele faça "novos" os nossos corações.

E esse é o trabalho de Cristo.

E esse é o trabalho divino da Igreja.

Vocês gostariam de impedir esse "fazer novos os corações", expulsando alguém da assembleia do povo de Deus?

Ou vocês gostariam, procurando outro lugar mais seguro, de se colocar em perigo de perder o seu Espírito?

Frei Carlo Carretto



Carlo Carretto: profeta da pobreza e da laicidade



Há 100 anos, no dia 02 de abril de 1910, nascia Carlo Carretto, entre os maiores protagonistas daquele clima político eclesial que acompanhou as transformações do pós-guerra e que alimentou e levou a (parcial) cumprimento o evento conciliar. Mas Carretto está também entre as personalidades do movimento católico italiano que mais deixaram rastros na Igreja do pós-Concílio. A reportagem é de Valerio Gigante, publicada na revista italiana Adista, nº. 17, 27-02-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS

Justamente no centenário do seu nascimento, um livro de Gianni Di Santo ("Carlo Carretto. Il profeta di Spello", 2010, 175 páginas) percorre a sua vida, por meio de uma reconstrução pontual dos eventos fundamentais que marcaram a sua história humana, religiosa e política, as recordações de quem o conheceu, uma leitura da sua correspondência privada, dois textos inéditos.

A narração se concentra principalmente sobre o período sucessivo a 1946, ano em que Carretto se tornou presidente central da Juventude Italiana de Ação Católica (GIAC, na sigla em italiano). Dois anos depois, em setembro de 1948, por ocasião do 80º aniversário da fundação da Ação Católica, Carretto organizou uma grande manifestação dos jovens da AC em Roma: foi o famoso encontro dos 300 mil "baschi verdi".

Por causa da função diferente que aquela nova geração de jovens católicos deveria ter na Igreja e na sociedade italiana, nasce a ruptura com Luigi Gedda (naquele tempo, presidente do ramo masculino da AC), que pretendia imprimir à associação uma forte mudança de sentido conservador e clerical, principalmente após o êxito das eleições de abril daquele ano e a relação sempre mais tensa entre as instituições eclesiásticas e a esquerda de inspiração marxista (e, de fato, em 1949, chegou, pontual, a excomunhão de Pio XII aos comunistas).

"Nós tínhamos – lembra no livro um dos 'companheiros de viagem de Carretto, frei Arturo Paoliuma visão laica do compromisso temporal dos católicos na vida pública. Outros, incluindo Gedda, um pouco menos": "Naquele tempo, os jovens católicos eram vistos como aqueles que deviam amar e querer bem ao Papa. E só. Esse era o legado de um certo anticlericalismo vivido com a brecha da Porta Pia. Os jovens católicos deviam defender o Papa desses ataques".

Pelo contrário, explica Paoli, "com Carlo, entendemos logo que era possível fazer mais: preparar os jovens para se comprometer com a construção do reino de Deus aqui, hoje, na terra". Por isso, "recrutamos os melhores jovens da Itália".

Entre eles, "Umberto Eco, Pietro Pfanner, Cesare Graziani, Emanuele Milano, Luciano Tavazza, Wladimiro Dorigo, todas pessoas com qualidades intelectuais, e começamos a escrever e a mudar as nossas revistas, os jornais da associação. Foram anos belíssimos. O nosso Gioventù era o melhor jornal de jovens que se podia ler na Itália. Novas colunas de espiritualidade, editoriais sobre a política, sobre a sociedade civil, notícias".

Uma visão do papel do laicado católico na Itália do pós-guerra que levou Carretto em rota de colisão com o próprio Papa: "Certos episódios – relata ainda Paoli no livro – ficaram famosos: lembro, por exemplo, que algumas vezes o Papa o mandava chamar para lhe repreender certas intemperanças de alguns jovens da AC. Quando lhe perguntávamos como havia sido a visita, ele respondia sempre 'muito bem', seus olhos brilhavam, mas nós sabíamos que deviam passar algumas horas antes que ele fizesse também observações críticas. Porém, ele minimizava, mas sabíamos por outras vias que o Papa havia sido duro com ele. Começavam tempos difíceis, e Carlos os sentia muito".

Mas Carretto continuava pelo seu caminho. Até que, em 1952, encontrou-se com a impossibilidade de continuar com coerência o seu compromisso com a AC. Renunciou e, em 1954, tendo se aproximado à espiritualidade de Charles de Foucauld, tornou-se Irmãozinho do Evangelho. Depois de alguns anos transcorridos no ermo da Argélia, no deserto do Saara, em 1965 se transferiu a Spello, na Úmbria, onde deu vida a uma originalíssima fraternidade de oração e de acolhida.

Spello tornou-se assim meta de milhares de pessoas (principalmente jovens), crentes ou não, desejosas de uma experiência de fé vivida por meio de uma intensa (mas não "desencarnada") espiritualidade, vida comunitária, pobreza, trabalho manual e partilha. Spello foi também um importante lugar de reflexão e de ação política e eclesial, principalmente graças aos estímulos de Carretto, que também do seu ermo na Úmbria nunca renunciou a intervir sobre os temas mais ardentes da atualidade.

O livro percorre essas tomadas de posição: dos apelos à pobreza na Igreja, à oposição à guerra, à adesão ao grupo dos "católicos pelo Não" que defenderam, em 1974, o direito ao divórcio ("Votarei 'Não' – escreveu em uma intensa 'Oração sobre o referendo', publicada no jornal La Stampa no dia 07 de maio de 1974 – porque espero que, depois de uma boa lição recebida, seja a última vez que nós, católicos, ousemos nos apresentar em público como defensores de um compromisso passado e sem a inspiração da profecia e do amor pelo homem"). Até a "Carta a Pedro", na qual Carretto intervinha para defender a "escolha religiosa" da Ação Católica, fortemente ameaçada pela ação pastoral de João Paulo II e pelas críticas do Papa à presidência de Alberto Monticone.