12/09/2011

Antonio Cechin

Duzentas igrejas à venda como mercadorias comuns na Alemanha. Um escândalo mais, ou um grande sinal dos tempos? 
 
 
Artigo de Antonio Cechin, irmão marista, miltante dos movimentos sociais, autor do livro  Empoderamento Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010.
Fonte: UNISINOS


Nada se parece tanto com um edifício em construção quanto um edifício em demolição!” (Tristão de Ataíde). Parafraseando Tristão, a fim de entendimento mais fácil, imediato e com mais força de expressão, podemos nós dizer: “Nada se parece tanto com um por de sol, quanto um nascer do sol. Só que um anuncia as trevas e o outro anuncia a luz!”

Esbarramos com uma pessoa amiga, muito religiosa, freira, escandalizada grau máximo à notícia dada com palavras e fotos na TV, de igrejas da Alemanha, lindas de morrer, transformadas em farmácias, mercados, bibliotecas, bares, etc. São nada menos de duzentas fechadas por absoluta falta de freqüentadores, à espera de talvez idêntico destino, complementara a notícia.

O dicionário Aurélio, no verbete escândalo registra os seguintes significados: 1) aquilo que é causa de erro e pecado. 2) aquilo que resulta de erro ou pecado. 3) Indignação provocada por um mau exemplo. 4) Desordem, tumulto, cena, alvoroço, escarcéu. 5) Grave acontecimento que abala a opinião pública. 6) Fato imoral, revoltante.

De outro lado, o dicionário bíblico de Jean Jacques von Allmen (Edições Delachaux & Niestlé) à expressão “sinal dos tempos” dá a seguinte explicação: o sinal dos tempos,  cuja forma exterior pode não apresentar nada de extraordinário, tem uma dupla finalidade: 1) anunciar aquilo que vai acontecer, isto é, constitui não raro uma antecipação de um mundo novo; 2) proclamar, revelar aquilo que está em ação desde já e agora neste mundo: atraindo a atenção sobre Jesus de Nazaré, o sinal dos tempos lembra que Deus está em ação nele e por Ele.

Então, no fato envolvendo as igrejas da Alemanha, trevas ou luz? Demolição ou construção? Escândalo ou admiração? Estamos diante de um dualismo, não de uma dualidade. No dualismo, a preposição que une os pólos é ou. Na dualidade, a preposição que liga os dois é e. Para desatar esse nó, nada melhor do andar por  sucessivas aproximações. O primeiro passo é a notícia em si.

Sabemos todos que a imprensa, no sistema capitalista em que vivemos, tanto a falada como a escrita, nos grandes meios de comunicação social, é muito mais dada a escândalos do que a boas notícias. Estas últimas são muito menos lucrativas do que as primeiras.. Por isso mesmo, em geral, as notícias consideradas sensacionais ou escandalosas, são anunciadas em grandes manchetes a fim de que ninguém as perca de vista. Normalmente só dizem meia verdade, ou então são dadas de maneira truncada, repletas de omissões. O normal dessa imprensa dos ricos ou do dinheiro, é dizer muitas mentiras que, para não aparecerem como tais, as escondem sob o véu de uma falsa verdade. Do contrário, de tanto dizer mentiras cruas e nuas, ninguém mais compraria o jornal ou escutaria a emissora de rádio ou ligaria a TV deles.

A uma pergunta das mais simples ao repórter que a transmitiu, atrapalharia imediatamente a possibilidade do sensacionalismo gerador de escândalo. No caso, a perguntinha intrigante poderia ser: o que foi feito com o dinheiro da venda das igrejas? Se se trata de um fiel cristão, que nem nós que amamos a Igreja Católica da Alemanha, a pergunta que não nos agüentaria calados, seria: Por acaso o fruto da venda das Igrejas não teria sidodestinado à construção de moradias para gente pobre, ou destinado aos milhões de seres humanos que estão morrendo de fome, no país da Somália, neste momento ou para qualquer uma das tantas finalidades beneficentes de gente pobre? Sem adquirirmos consciência crítica face aos grandes meios de comunicação social, estaremos como patinhos que engolem tudo o que vem pela frente.

Se já uma freira de tão escandalizada, gesticula com força e meneia a cabeça por todos os lados, imagine-se o efeito devastador de uma notícia dessas para o povão do Brasil que é considerado o maior país católico do planeta. Lembremos a grave condenação de Jesus:  “Ai de quem escandalizar a um só destes pequeninos! Antes lhe houvessem amarrado uma mó de moinho ao pescoço e o tivessem lançado ao fundo do mar!Esses pequeninos de Jesus, além das crianças, são as pessoas mais humildes. São estas exatamente as mais religiosas. Rico, em geral não tem fé nem religião. O deus dele é o dinheiro mesmo.

Por sinal, em jornal de maior circulação entre nós, do dia seis (06) deste mesmo mês de setembro, véspera do dia da pátria, o assunto liberdade de imprensa é o maior em destaque. O motivo é a reunião realizada em Brasília pelo Partido dos Trabalhadores, em cuja convenção nacional foi proposta a luta, começada ainda no governo Lula, para a criação de um marco regulatório da imprensa no Brasil. Nas duas horas de reportagem oral da maior emissora de rádio, no mesmo dia 6, conduzida pelo mais tradicional repórter, às 14 horas, foi lido um manifesto da mais importante rede de comunicação do estado, contra a tentativa do petismo de introduzir censura de imprensa, proclamando que jamais como hoje, no Brasil, gozamos de tanta democracia como agora, por causa da liberdade de imprensa que existe. De repente começa-se  a conspirar contra nossa modernidade como país.

Não existe ainda nem projeto acabado do marco regulatório e a comunicação burguesa já estrila. Aqui, de novo poderíamos perguntar a esses poderes da informação: Será que existe mesmo imprensa democrática no Brasil, quando se dá uma notícia causadora de tanto impacto em gente religiosa católica do país, sem informar detalhes sobre o fato? Quem lhes poderia dar com autoridade todos os detalhes, é a própria Igreja da Alemanha. Onde fica o respeito para com os pequeninos, maioria absoluta da população brasileira? Qualquer deslize em questão de sagrado, os machuca até o fundo do coração, pois religião como tudo o que se refere ao sagrado, são seus temas mais queridos.

No Brasil, todas as gerações do pós-guerra de 1939 a 1945, imediatamente depois das grandes destruições e mortes que a Alemanha sofreu, sem descurar a massa das vítimas dos bombardeios, nossos irmãos na fé, daquele país nórdico, começaram a nos enviar carradas de recursos para evangelização e para socorro dos mais pobres, para habitação, saúde, saneamento, educação, organização de Movimentos Populares, etc. etc. Quem é que tanto no Brasil como em toda a América Latina nunca ouviu falar em Adveniat, Caritas e Misereor, para só nomear três das maiores agências financiadoras de projetos sociais e de evangelização para todos os países latinoamericanos?

Não acreditamos que uma Alemanha tão católica e tão fraterna, amicíssima dos pobres e tão amiga do continente latino americano com nossas Cebs, nossa catequese libertadora, nossa teologia da libertação, tenha vendido igrejas fechadas durante muitos anos devido à diminuição de fiéis e tenha depositado o dinheiro com vistas à capitalização e para benesses aos ricos. Será que uma imprensa burguesa que desrespeita os valores dos pequeninos, pode ser considerada democrática e verdadeiramente livre?

Para além da própria notícia em si, há outros aspectos de fundo, iluminadores da situação em que se encontram os templos cristãos da Alemanha. Se tivermos um mínimo de visão histórica global de Antigo e Novo Testamento na Bíblia, o tema da igreja enquanto edificação, enquanto casa do povo de Deus, sofreu toda uma evolução. Senão vejamos:

No Antigo Testamento, quando por meio de Moisés, Deus libertou o povo eleito, também quis caminhar à  frente`dele, através do deserto. Foram 40 anos de nomadismo, vivendo em tendas. Agradecido ao Senhor Deus Libertador, o povo ergueu-lhe também uma tenda maior, onde pudesse reunir o máximo de pessoas para rezar, cantar e celebrar os ritos religiosos.

Mais tarde, num segundo período, quando de nômade o povo se tornou sedentário e construtor de casas de pedra para cada uma das famílias, pensou imediatamente em providenciar uma grande Casa de Deus, de pedra como todas as moradias. Está aí a origem do grande templo de Jerusalém, referência central de toda a vida e história do povo judeu. O próprio Homem-Deus, Jesus de Nazaré, quando completou a idade de 12 anos, começou a freqüentar o templo. Quando soube da morte de João Batista, Jesus iniciou a sua pregação sobre o Projeto a que fora enviado: O Reino de Deus. O local escolhido não era nem o templo que eram as “igrejas” do povo judeu. Preferiu casas de algum de seus discípulos e ao ar livre, junto à  Natureza como a grande Casa que o Pai Criador construiu para toda a humanidade. Seu cenário de culto e pregação eram os montes, como o das bem-aventuranças e o Tabor; dentro de barcos, à beira da praia; nas estradas e praças; em meio a plantações de trigo, embaixo de copas de árvores. Quando Jesus queria explicar algo de difícil entendimento para as pessoas como o Reino de Deus, usava coisas simples da vida quotidiana – sementes, aves, trigo, arbustos, árvores.

Num determinado momento de sua vida, do alto de uma colina de  onde podia divisar a majestade e a beleza das edificações da cidade de Jerusalém, entre as quais erguia-se o majestoso templo, Jesus chorou. Enxugando as lágrimas, balbuciava as palavras: “Jerusalém, Jerusalém, assim como a galinha acolhe os pintinhos debaixo das asas, assim eu quis fazer com os teus filhos. Porém tu não o quiseste. Virão dias em que os inimigos te cercarão por todos os lados. De ti não sobrará pedra sobre pedra.” Com tais palavras, Jesus profetizou o fim do templo.

No centro da pregação de Jesus estava o Reino de Deus, o seu projeto para a humanidade. Apontava para um Mundo Novo. Questionado por um popular intrigado pela pendenga entre judeus e palestinos em relação ao lugar em que se deveria prestar culto ao Deus verdadeiro, perguntou a Jesus se no monte Sião onde estava o templo de Jerusalém, conforme afirmavam os judeus, ou se no monte Garizim como insistiam os samaritanos. O Mestre respondeu: “Virá um tempo em que não se adorará mais nem no templo de Jerusalém, nem no templo do monte Garizim, mas se adorará a Deus em espírito e verdade”. Jesus passou por cima de um templo como edificação. Deu destaque mais a lugares da natureza, a montes mais do que a templos.

Após a morte e a ressurreição de Jesus, quando os apóstolos, a seu exemplo começaram a anunciar o Reino de Deus, foi desencadeada uma grande perseguição contra todos os que acreditassem na Boa Nova. Em pouco tempo a perseguição se estendeu por toda a Terra Santa para alcançar todos os demais países do entorno. Acuados, os cristãos celebravam sua fé nas próprias casas que viraram possíveis lugares para o culto.

Na cidade de Roma onde a perseguição dos imperadores foi mais feroz, além de terem sempre as casas como igrejas domésticas reunindo vizinhos,  os cristãos começaram a celebrar a Missa e os sacramentos nas catacumbas, galerias subterrâneas que funcionavam como cemitérios. Tinham aí a vantagem de estar junto aos seus queridos mártires sobre cujos túmulos, transformados em altares, consagravam o pão e o vinho eucarísticos.

No ano 476, o imperador Constantino, convertido ao cristianismo, deu a mais ampla liberdade aos cristãos para celebrarem seus cultos e devoções. Os lugares que reuniam maior quantidade de pessoas eram os mercados. Passou-se então a fazer as celebrações religiosas nos mercados, chamados basílicas. Tais basílicas ou mercados foram sendo sempre mais adaptados para atos religiosos, adornados de acordo com funções inteiramente novas ligadas ao sagrado. Acrescentaram-lhes torres para os sinos a fim de convocar os fiéis, lugar para os corais, pia batismal, sacristia, etc. etc. e aí estão elas em todo o mundo ocidental como as  grandes basílicas de hoje, também chamadas catedrais, herança da Idade Média, igrejas como estas que vimos na Alemanha, algumas das quais, retornando até à velha função de mercados.

O papa João XXIII a uma interrogação de jornalista norte-americano sobre o que desejava com o Concílio Vaticano II, levantou-se da cadeira em que estava sentado, foi até a janela do seu aposento, abriu-a e disse em italiano: Aria fresca nella Chiesa! Em português: Quero um vento fresco na Igreja, isto é, uma grande renovação nas estruturas da grande instituição.

Todos os que acompanhamos o Concílio Vaticano II, vivemos ares primaveris que provocaram na Igreja uma alegria só comparável a alegrias da mais linda estação do ano. Foram ventos de uma renovação que prometia uma igreja nova, a também fermentar um Mundo Novo.

Dom Hélder Câmara que iniciou a Igreja do Brasil na opção pelos pobres que, como um rastilho, se espalhou por toda a América Latina, em vez de encerrar o Concílio Vaticano na Igreja-Basílica de São Pedro em Roma, acompanhado de uns oitenta bispos do mundo inteiro, foi com eles celebrar o encerramento nas catacumbas, igrejas dos primeiros cristãos-mártires dos imperadores romanos. Esses bispos firmaram com Dom Hélder o Pacto das Catacumbas a fim de voltarem para suas dioceses e serem os iniciadores de uma Igreja de Pobres.

Dom Helder foi mais longe ainda. Deu a sugestão ao Papa Paulo VI de quem era grande amigo que entregasse o Vaticano e tudo que encerra em termos de catedral, capelas,  museus, bibliotecas, estátuas, quadros, etc. à Unesco, setor cultural  da Onu, com a justificativa que o grande acervo cultural reunido durante séculos e que pertence unicamente à Igreja, na realidade se trata de cultura criada pela humanidade inteira e não só da Igreja. O que é de toda a humanidade, à humanidade tem que retornar. Completou a insólita sugestão com o pedido que o Papa fosse morar no bairro pobre de Trastevere, não muito longe do Vaticano. Terminado o Concílio, Dom Hélder retornando ao Brasil para sua sede arquidiocesana de Olinda e Recife, estabeleceu residência na sacristia de uma Capelinha das periferias.

A Igreja Católica vive uma crise institucional considerada uma das maiores da história a ponto de haver um verdadeiro cisma entre o papado e a base que é o povo, isso no dizer do grande teólogo Hans Küng e confirmada por muitos outros teólogos e pastoralistas. Entre o clero problemas de pedofilia. A corrupção dos melhores é a pior do mundo, afirma um provérbio latino.

Crise interior, de fé, gera crise exterior na prática da fé, minando aos poucos toda a grande instituição. Daí que o esvaziamento das igrejas com i minúsculo, isto é dos edifícios sagrados nada mais é que um sinal dos tempos, através o próprio Deus nos fala através de fatos e fotos do cotidiano como este dos templos fechados e alugados, transformados até, alguns, verdadeiros “covis de ladrões” no sistema capitalista.  Para que edifícios de pedra, de um valor extraordinário em dinheiro, se no mundo há pedras vivas que são os pobres, aos milhões no mundo inteiro, passando fome, sem casa, doentes, etc.?

Deus está fazendo Sinal aos cristãos que em vez de templos de pedra os templos vivos que são as pessoas pobres sofrendo são muito mais importantes. Por isso vendam-se sempre montanhas de pedras decoradas por dentro e por fora enquanto houver pessoas pobres no mundo. O contrário, continuar  com igrejas sobrando nesta situação do mundo com tanta miséria é tentar a Deus, é contrariar a vontade de Deus. “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado” dizia o Nazareno.

Historicamente, vivemos hoje tempos de decadência muito semelhante aos de São Francisco de Assis. Seus biógrafos nos relatam que o santo teve uma visão em que Jesus lhe falava: “Francisco, reconstrói a minha Igreja!” Num primeiro momento Francisco pensou tratar-se da reconstrução de uma pequena igreja de pedra em ruínas, a Porciúncula que em italiano quer dizer a pequena porção.

Na verdade, assim como Jesus Cristo trabalhara em duas dimensões: a da pequena comunidade e as multidões, isto é, o pequeno grupo dos 12 apóstolos que deveriam tornar-se fermento das massas, hoje o autêntico caminho da Igreja Católica é o de retorno às suas fontes, ao tempo de Cristo e dos Apóstolos. 

Este Novo modelo já está aí em ação no mundo latino-americano com suas pequenas Comunidades Eclesiais de Base que são também Comunidades Ecumênicas de Base, e em época de Mudanças Climáticas com sinais de fim de mundo, também de pequenas Comunidades Ecológicas de Base como são os coletivos de trabalho com catadores, os que com toda a força da profecia libertam o Planeta Terra do lixo que está sempre mais a vida florescer em plenitude.

Como é que, como cristãos, pedras vivas que devemos ser de uma Igreja ou Comunidade viva, podemos conviver com irmãos nossos como são os milhões de famintos da Somália, que como seres humanos iguais a nós são pedras vivas mas que morrem antes do tempo? Que fraternidade é essa?

Às três horas da tarde, hora em que Jesus crucificado expirou, o véu do templo de Jerusalém, rasgou-se de alto a baixo. Estavam totalmente superados os templos todos do povo de Deus com a morte do Deus Amor. Eis que um Novo projeto divino para a humanidade, o Reino de Deus que é também Reino da Humanidade a partir dos pobres, estava desencadeado.

Que se acabe com as igrejas mortas, quando a Igreja Viva na pessoas dos oprimidos e famintos está nas vascas da agonia! O Mestre de Nazaré canonizara Davi roubando os “Pães da Proposição” do templo por causa da fome de seus companheiros!... Olhos para ver e não ver, ouvidos para ouvir e não ouvir, é demasiado trágico!... Confundir construção com demolição?
 

19/07/2011

Entrevista - Dom Flávio Giovenale

Turismo e exploração sexual. Um problema social brasileiro. 
 
“A situação da miséria é tão intensa, que o fato de alguém da família se prostituir por um determinado período é uma situação considerada normal”, declara Dom Giovenale, bispo de Abaetetuba, que há anos denuncia crimes de turismo e exploração sexual na Amazônia. Segundo ele, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone, a miséria é a principal causa que leva as pessoas a se prostituírem.   Além da prostituição local, D. Giovenale diz que cresce o índice de vítimas do turismo sexual organizado por agências da região. Ele é um dos bispos ameaçados de morte por denúnciar o tráfico humano. Ele sempre é acompanhado por agentes de segurança.


IHU On-Line - Desde quando acontece turismo sexual no Brasil? Quais são as razões que favorecem essa prática?

Dom Flávio Giovenale -  Há dezenas de anos. Mas, nos últimos 15 anos, o turismo sexual se intensificou nas regiões Norte e Nordeste. Antes, as vítimas eram mulheres, mas, agora tem se intensificado o turismo sexual infantil.

Na verdade, o turismo é um meio utilizado para praticar a prostituição. Os estrangeiros, especialmente americanos e europeus, que se envolvem nesse tipo de turismo querem satisfazer seus extintos com “pessoas exóticas”. Eles pensam que o Brasil é o país do sexo e do paraíso. Há alguns anos, a propangada federal brasileira contribuía para intensificar esse crime no país, pois apresentava o Brasil com imagens de mulheres e passava a ideia de que no país tinha “mulher fácil”. O nome Amazônia é algo mágico para os estrangeiros e eles gostam de dizer que fizeram sexo com uma pessoa da região.

Outra causa que facilita o ingresso de estrangeiros no país é a falta de controle policial. Portanto, passa-se a ideia de que no país é possível praticar um crime e ficar impune. Além disso, cresce, no mundo, uma propaganda em vista “do prazer custe o que custar” e algumas pessoas acabam priorizando o prazer.

IHU On-Line - Quais são os motivos que levam as pessoas a se prostituírem?

Dom Flávio Giovenale - Na Amazônia, a grande causa que leva as pessoas a se prostituírem é a miséria. Aqueles que moram no interior dos estados da Amazônia não têm perspectiva de vida. As capitais dos estados concentram a força econômica, enquanto os municípios do interior vivem do funcionalismo público, das aposentadorias e do Bolsa Família. Escutamos relatos que são inacreditáveis: pessoas trocam uma relação sexual por um cachorro-quente. É triste dizer isso, mas as pessoas se submetem a essa situação porque sentem fome.

Muitas meninas recebem propostas de morar na cidade para poder estudar e trabalhar em casas de família; mas, quando chegam ao local, se transformam em escravas sexuais. Elas são ingênuas e desconhecem a realidade. Por outro lado, alguns jovens pensam que a única perspectiva de vida é a prostituição. E, ao escolher entre ser prostituta do interior, passando fome, ou ser prostituta nos grandes centros, preferem migrar para as cidades com a esperança de não passar fome.

IHU On-Line - Na região também cresce o tráfico sexual entre a classe média?

Dom Flávio Giovenale - De vez em quando aparece alguma denúncia em relação à classe média. Porém, o tráfico sexual é muito forte em algumas regiões como a Ilha de Marajó - nesses locais há uma união entre miséria e organizações criminosas. Não sei dizer se aumentou o tráfico sexual ou se aumentaram as notícias e o interesse em investigar esses casos de prostituição.

IHU On-Line - Qual é o destino das vítimas do tráfico sexual? Existem rotas internacionais que favorecem a intensificação desse crime?

Dom Flávio Giovenale - Na região oriental da Amazônia, onde ficam os estados do Pará e Amapá, tem um destino que liga a Goiás, e de Goiás as pessoas são levadas para a Europa. A outra rota é por meio da Guiana Francesa e Suriname. Nesses dois países existem comunidades brasileiras clandestinas, que trabalham em garimpos. As vítimas do tráfico sexual são levadas a esses locais e trabalham em bordéis, garimpos, nas periferias das cidades e nas capitais.

IHU On-Line - Essas pessoas costumam retornar para o Brasil?

Dom Flávio Giovenale - Pouquíssimas. Voltam aquelas que são resgatadas pela polícia, mas, geralmente chegam ao país com pouca perspectiva de vida. Depois de migrarem para esses países, é difícil retornar porque para isso é preciso dinheiro. Algumas pessoas deixam de ser exploradas e passam a ser aliciadores, tornando-se subchefes do tráfico. Poucas pessoas conseguem superar a condição de miséria dos garimpos, pois estes locais são extremamente controlados. Nos bordéis, normalmente as mulheres são tratadas como escravas e são vigiadas.

IHU On-Line - O turismo sexual se configura como um problema social no Brasil? Em sua opinião, a sociedade e o Estado estão dando a devida atenção a esse problema?

Dom Flávio Giovenale - Nos últimos anos, aumentou a consciência de que o turismo sexual é um crime, tanto que a propaganda do Brasil no exterior foi alterada no sentido de mostrar as belezas naturais, sem apelo sexual. Também existe no país um desejo de mudança e um sentimento de revolta, porque os brasileiros não querem ser vistos como um “povo fácil”. Além disso, há um empenho positivo do governo contra o turismo sexual por meio de campanhas. Por isso lhe digo que não sei dizer se há um aumento do tráfico sexual ou se agora as autoridades estão descobrindo o que acontece. Em minha avaliação, a descoberta de casos de turismo e de exploração sexual demonstra que a luta contra os crimes está sendo eficaz.

IHU On-Line - Como a população reage diante do turismo sexual e da exploração sexual na região da Amazônia e do Pará? As pessoas costumam denunciar esses casos?

Dom Flávio Giovenale - A grande maioria da população reage com indignação. Mas a situação da miséria é tão intensa, que o fato de alguém da família se prostituir por um determinado período é uma situação considerada normal. É triste dizer isso, mas em algumas famílias todas as mulheres já se prostituíram. Geralmente, a história começa com a mãe; depois continua com a irmã mais velha, que ao completar 18 anos deixa de se prostituir porque chegou a vez da irmã mais nova, de 12 anos. Essas são situações localizadas, onde a venda do sexo para pessoas da região ou para turistas se torna uma atividade normal.

IHU On-Line - A construção de megaobras no Pará e na região tem favorecido a violência sexual?

Dom Flávio Giovenale - Todas as grandes construções implicam um deslocamento muito grande de pessoas. As fazendas da região também estão recebendo um aglomerado de homens, porque um projeto de biodiesel, coordenado pela Petrobras em 38 municípios do Pará, gera uma movimentação de milhares de pessoas na região, que migram para trabalhar nas plantações de dendê.

Nos dias de pagamento, as vilas dos agricultores enchem de prostitutas, que se prostituem de sexta a domingo. Muitos dos trabalhadores dessas grandes obras veem na prostituição uma diversão para final de semana. Essa á uma realidade que se repete em todos os grandes empreendimentos. Recentemente, li uma notícia de que o governo brasileiro está preocupado com os futuros eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas no sentido de evitar a prostituição.

IHU On-Line - Como vê a legislação e a fiscalização da exploração sexual e do turismo sexual no país?

Dom Flávio Giovenale - O Brasil está firmando vários acordos internacionais com países como Inglaterra, França, Itália para prevenir o tráfico sexual. Então, por exemplo, se um italiano abusar sexualmente de uma menina brasileira, o crime será julgado na Itália como se tivesse sido feito com uma menina italiana.
Há alguns anos, dois aviões fretados com turistas que tinham conotação sexual chegaram a um aeroporto brasileiro e, imediatamente, a polícia os mandou de volta para o país de origem. Penso que o Brasil não está fechando os olhos para o problema. Essa violência tem que ser tratada como um crime contra a humanidade.

IHU On-Line - Recentemente, jornais americanos repercutiram o envolvimento de empresas americanas com turismo sexual no Brasil. O senhor sabe dizer que empresas são essas?

Dom Flávio Giovenale - Li que a Polícia Federal está investigando uma agência americana de turismo, que tem base em Manaus. Essa empresa organizava um pacote turístico que incluía turismo sexual. Não vejo essa notícia como algo estranho porque o turismo sexual não se organiza sozinho; tem o apoio de agências. Alegro-me quando esses casos são descobertos e espero que os aliciadores sejam punidos.

IHU On-Line - O senhor continua sendo ameaçado de morte em função das denúncias que fez sobre o turismo sexual na Amazônia?

Dom Flávio Giovenale - Há dois anos e meio não recebo mais ameaças. Depois da divulgação de que eu estava sendo ameaçado, parei de receber mensagens. Recebo bastante apoio do povo e das autoridades que moram na região. Sinto-me bem trabalhando na comunidade e espero continuar meu trabalho com serenidade.

17/07/2011

Joseph Moingt: um ensaio sobre a Igreja

Mesmo tendo 95 anos, o padre Joseph Moingt não para de pensar na sua Igreja, a Igreja Católica Romana. Descubra as belas páginas do seu último livro Croire quand même, libre entretien sur le présent et le futur du catoìholicisme (Crer apesar de tudo, conversa livre sobre o presente e o futuro do catolicismo). A reportagem é de Philippe Clanché, publicada na revista francesa Témoignage Chrétien, 02-12-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


L'homme qui venait de Dieu (O homem que vinha de Deus) e Dieu qui vient à l'homme (Deus que vem ao homem), publicados na prestigiada coleção "Cogitatio fidei" das Éditions du Cerf, fizeram de Joseph Moingt um dos grandes teólogos católicos do século XX e uma referência para os católicos abertos.

Em um livro-entrevista de Karim Mahmoud-Vintam, Croire quand même (Ed. Temps Présent), o pensador jesuíta, hoje com 95 anos, desenvolve com calma a sua visão reconfortante de um catolicismo atual. Especialista em cristologia, tendo lecionado por muito tempo nas faculdades jesuítas, ele adquiriu a convicção de que se não voltarmos o olhar ao homem, toda relação com Cristo é vã.

"O cristão deve conservar a sua fé, não para salvar a religião ou a instituição que lhe é relacionada, mas para salvar uma certa ideia do homem da qual a ideia de Deus é garantia". Em um texto muito acessível, Joseph Moingt busca desdramatizar aquilo que atormenta hoje muitos fiéis: divisões internas, equívocos da instituição. Ele convida a dissociar a fé dos conceitos de crença e de religião.

Àqueles que consideram "as tradições dogmáticas da Igreja incompreensíveis", esse incansável pesquisador aconselha a "não carregar esse peso e a se contentar em ler e em estudar os Evangelhos, que também apresentam dificuldades, mas de outra natureza". Ao entardecer de uma vida plena, esse ensaio nos oferece a possibilidade de descobrir um catolicismo sereno e desculpabilizante.

Eis alguns trechos do livro:

Fé, crença e religião

É uma distinção que me é pessoal, que não coloca uma verdadeira oposição entre esses três termos, mas que permite que se evitem muitas confusões.

A fé é o assentimento dado aos pontos fundamentais da revelação cristã, aqueles que se enunciam no Símbolo dos Apóstolos, e o engajamento a viver segundo o espírito do Evangelho. Certamente, ela se expressa em dogmas, em crenças doutrinas e em práticas religiosas, mas ela é essencialmente una, unificada e estruturada: é o ato de se confiar a Cristo e de seguir a via da salvação por ele traçada.

A crença é feita, ao contrário, de múltiplos dogmas e doutrinas – de autoridade e de importância muito variáveis – e de tudo o que é ensinado pelo Catecismo. Ela compromete menos diretamente a vida de cada dia, é muitas vezes transmitida pela família ou pelo ambiente, sem ser objeto de uma convicção firme e refletida, ou ela se deixa conduzir por escolhas subjetivas, irracionais e contraditórias, assim como mostraram as recentes pesquisas de opinião: uns consideram a crença no diabo um critério de fé, outros declaram crer em Cristo, mas não na ressurreição dos mortos, ou vice-versa.

No que se refere à religião, que em princípio é a via da fé em uma comunidade de crentes, ela impõe, sobretudo, leis, regras de moral, práticas cultuais, alimentares, penitenciais, devoções, e corre o risco, para muitos, de se reduzir a tais práticas às quais estão ligados por hábito, senão por superstição, enquanto não sabem mais muito bem se ainda são crentes: assim, veem-se católicos que colocam a devoção à Virgem no mesmo plano da Eucaristia, enquanto outros põem os pés em uma igreja só para acender uma vela diante de uma estátua ou depositar uma esmola em uma caixa para as ofertas.

[...] Os "conservadores", sensíveis ao princípio de autoridade, colocam em primeiro plano a obediência a Roma; os "tradicionalistas", a fidelidade às antigas práticas litúrgicas; certos cristãos "críticos", marcados por uma corrente de filosofia liberal, tendem relativizar certos dogmas recentes em favor de uma maior fidelidade à escritura; certos espíritos "progressistas", a reconduzir o essencial do Evangelho à justiça social; enquanto que os "carismáticos" serão mais atentos ao fervor da piedade comunitária do que à regulamentação rigorosa das liturgias; e os cristãos mais bem formados segundo as orientações do Vaticano II serão mais inclinados a renovar o estilo de vida na Igreja e a se pôr ao serviço evangélico do mundo.

Em tudo isso, não são questões de fé que opõem os cristãos, mas sim modos diferentes de regular a crença ou a prática. Os "fundamentais" da fé, tal qual como se enunciam no Símbolo da Fé, não estão em discussão. No entanto, essas diferenças de atitude religiosa, que muitas vezes têm o seu estímulo determinante sobre a cultura, o meio social, a educação recebida, as escolhas políticas, podem dissimular profundas divergências na maneira de compreender e de viver a fé (p. 34-36).

Futuro da Igreja Católica

Eu me guardarei de fazer prognósticos. Retração não significa desaparecimento, assim como a religião não se identifica com a fé. Ele é a sua encarnação em uma sociedade, da qual sofre as influências, assim como os aspectos negativos. É principalmente por meio do seu clero e das suas ordens religiosas que a Igreja exerce a sua autoridade sobre a sociedade, por intermédio de organizações e de movimentos de piedade, de apostolado, de caridade, de ensino, de serviços sociais e outros.

A queda das vocações sacerdotais (alguns preferem dizer "presbiterais", mas o termo é menos usado) e religiosas diminui consideravelmente o poder da Igreja de agir sobre a sociedade. Ela é, reciprocamente, um sinal de que a sociedade não experimenta mais a necessidade de perpetuar o modelo religioso segundo o qual ela funcionava no passado.

Porque seria ingênuo pensar que as "vocações" viessem unicamente de uma atração interior da graça: ela também provinha de pressões recebidas da família e dos educadores, das ajudas e dos encorajamentos provenientes do ambiente social, da consideração da qual as "pessoas consagradas" eram objeto e, não nos esqueçamos, das vantagens econômicas, da "posição" que os filhos de famílias numerosas e pobres encontrariam entrando "para as ordens". Assim, hoje, vemos bispos que vão procurar padres ou religiosos nos países pobres, lá onde os empregadores recrutavam mão de obra em certas épocas.

A rarefação de padres, religiosos e religiosas, incontestavelmente, desorganizará a Igreja, mudará a sua figura, a obrigará a se refundar em sua base leiga, a partir das pequenas comunidades que já vemos se formar, na ordem ou na desordem, assíduas no estudo do Evangelho, aplicadas a viver fraternalmente, a colocá-lo em prática na sociedade, para manter a tradição da fé cristã da qual ela há muito tempo se alimenta. Eis em que sentido eu imagino ou espero que evolua o futuro da Igreja, que ela encontrará uma renovação de vitalidade e que continuará contribuindo na busca de sentido dos nossos contemporâneos (p. 51).

Mudanças possíveis

As coisas podem evoluir fazendo com que as comunidades não sejam de simples adesão, mas também de contestação, lembrando que, linguisticamente, "contestação" está ligado a "atestação". Contesta-se a autoridade para atestar o Evangelho. O fato de os cristãos não poderem mais viver na instituição eu entendo, mas, se estiverem sozinhos, não podem fazer grandes coisas.

Eu sonho com comunidades cristãs em que outros crentes poderiam vir, mas também pessoas que não têm fé, e que se diriam: "O que podemos fazer juntos? Há coisas que gostaríamos de suprimir ou de corrigir, ou outras que teríamos vontade de inventar?"; pessoas que refletiriam sobre tudo isso e que decidiriam o que fazer. É assim que se poderá espalhar o espírito do Evangelho. [...]

É em grupo que se podem fazer coisas importantes, e é difícil para um cristão viver isolado, sobretudo quando se pensa que o cristianismo é uma religião encarnada e comunitária, não uma pura filosofia. Vocês não mudariam o mundo permanecendo sozinhos, cada um no seu canto. E, como vocês querem viver como cristãos, pensem também em mudar a Igreja, portanto, em permanecer vinculados (p. 82).

Passagem

A Igreja Católica se encontra em um momento de passagem. Vai rumo a uma outra coisa, rumo a uma outra maneira de fazer Igreja, o que por si só não é trágico. Toda mudança, é verdade, tem um aspecto inquietante, porque produz rupturas, aflições, fraturas. E essas palavras, que são tomadas do vocabulário corporal, por si só evocam sofrimentos e perigos. Mas essa evolução será o advento de uma era nova, que eu ainda não posso imaginar para a Igreja nem para a fé cristã, mas que não será necessariamente catastrófica.

Não prevejo, de modo algum, uma retomada do poder, do poder perdido pela Igreja sobre a sociedade, mas sim uma outra maneira de se situar no mundo e de guardar a sua unidade. Talvez, ela terá menos visibilidade, no sentido de que a sua visibilidade atual está amplamente ligada à sua estrutura hierárquica e clerical. Mas a sua hierarquia perdeu muito da sua credibilidade interna e externa por causa dos seus excessos de poder sobre os seus fiéis e com relação à sociedade. E o clero, dada a perda de recrutamento, logo não poderá mais ocupar sozinho todos os postos de autoridade e de responsabilidade que lhe eram devidos.

A maior visibilidade da Igreja passará, assim, para o campo dos leigos e leigas, porque haverá cada vez menos clérigos e, portanto, será preciso confiar aos leigos e leigas um número cada vez maior de postos de responsabilidade. A Igreja terá menos visibilidade por causa da forte diminuição do número dos seus fiéis, e uma visibilidade diferente, menos "vistosa", se assim posso dizer, pelo fato de que a sua dominante leiga não a diferenciará mais tão fortemente do resto da sociedade; lhe dará um rosto menos especificamente religioso, menos cultual e ritual. [...]

Imaginar uma tal evolução me enche de esperança, eu confesso, embora certamente haverá menos pessoas que se dirão católicas. Mas o pensamento de muitas pessoas que estão deixando a Igreja continua a me perturbar. Não que eu tema que o seu abandono da Igreja os condene ao inferno – porque eu não acredito que Deus persiga com a sua cólera aqueles que dEle se esqueceram –, mas porque a perda de toda vida espiritual os colocaria em perigo de afundar para sempre na morte, se é verdade, para os crentes, que não existe vida eterna a não ser na união com Deus (p. 147-149).

[grifos do blog]

Alain de Botton propõe ''ateísmo 2.0''

O filósofo e escritor suíço Alain de Botton afirmou anteontem que o mundo precisa de um "ateísmo 2.0", que deixe de lado a luta histérica para provar que Deus não existe e tire proveito do que as religiões têm a oferecer. "É claro que Deus não existe. Mas isso não é o fim da história. Há muito o que podemos absorver das religiões para nos ajudar em questões de educação e cultura, por exemplo", afirmou, durante palestra na TEDGlobal, conferência sobre entretenimento e inovações que acontece em Edimburgo, na Escócia. A reportagem é de Vaguinaldo Marinheiro e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 16-07-2011.
Fonte: UNISINOS


A ideia não é totalmente nova. Já estava esboçada em um artigo publicado pelo autor em 2008 chamado "Uma Religião Para Ateístas". Mesmo assim, ele dividiu a plateia, composta em sua maioria por pessoas que dizem não ter religião. Botton é autor de vários best-sellers, como "Arquitetura da Felicidade" ou "Como Proust Pode Mudar Sua Vida", que misturam filosofia com autoajuda.

DILEMA

Na palestra, afirmou que as pessoas vivem hoje um dilema: ou acreditam nas doutrinas religiosas e são consideradas ingênuas ou não acreditam em nada e rejeitam tudo o que tem a ver com as religiões. "A vida secular deixou muitos buracos abertos. Nas questões morais, por exemplo", disse. Depois, criticou o sistema educacional do Ocidente.

"Se uma pessoa for a uma boa universidade, como Harvard, Oxford ou Cambridge, e pedir aconselhamento sobre moral, ou se disser que quer aprender como viver, vão encaminhá-la para uma instituição psiquiátrica." As universidades, disse, acreditam que todos somos adultos racionais, que precisamos apenas de informação e dados, não de ajuda. Já as grandes igrejas sabem que as pessoas precisam de ajuda e sempre ofereceram aconselhamento.

O autor afirma que o ateísmo radical faz as pessoas se privarem do prazer de admirar obras de um Andrea Mantegna (pintor da renascença italiana), por exemplo, ou textos dos Evangelhos.

Questionado ao final da palestra se pretende ser um líder ou um profeta desse "ateísmo 2.0", o escritor disse que não, porque é preciso sempre desconfiar daqueles que se dizem líderes.

Sua apresentação na TED foi gravada e estará em breve no site ted.com

26/06/2011

Entrevista - Moisés Sbardelotto

Igreja e internet: uma relação de amor e ódio

Sbardelotto é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, na linha de pesquisa Midiatização e Processos Sociais. Atualmente, é coordenador do Escritório da Fundação Ética Mundial no Brasil (Stiftung Weltethos), um programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, em São Leopoldo-RS. É bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.
Fonte: UNISINOS


IHU On-Line – Como a Igreja se posicionou diante das novas tecnologias e do uso da internet?
Moisés Sbardelotto – Pelo que temos visto especialmente nos últimos anos, a Igreja Católica tem mantido uma relação de “amor e ódio” com os meios de comunicação e particularmente com as mídias digitais, tendo estado no centro de inúmeras crises. Nesse processo de reviravolta sociocomunicacional, a Igreja ainda está tateando em busca de um reposicionamento institucional.

Em 2009, em um gesto histórico, o papa enviou uma carta a todos os bispos do mundo, na qual reconheceu que cometera um erro “comunicacional”. Referindo-se ao fato de não ter se informado anteriormente sobre um bispo ultratradicionalista recém reintegrado à Igreja que havia negado a existência das câmaras de gás durante o Holocausto, Bento XVI afirmou: “Disseram-me que o acompanhar com atenção as notícias ao nosso alcance na internet teria permitido chegar tempestivamente ao conhecimento do problema. Fica-me a lição de que, para o futuro, na Santa Sé, deveremos prestar mais atenção a esta fonte de notícias”. Ou seja, o papa assumiu que bastaria ter dado uma simples “googlada” para saber quem era esse bispo.

Em termos oficiais, no nível da alta esfera, o Vaticano tem publicado documentos que abordam a relação entre a Igreja e as mídias digitais, como, por exemplo, as mensagens por ocasião do Dia Mundial das Comunicações Sociais. A última, do dia 5 de junho de 2011, trata do tema “Verdade, anúncio e autenticidade de vida, na era digital”. Ou seja, essa nova ambiência é uma temática que interroga a Igreja, que se encontra tão enraizada na cultura escrita impressa e nos meios de comunicação de massa, recolhendo ainda os despojos do papado multimidiático de João Paulo II. Nessa mensagem, há um avanço quando se reconhece que “as novas tecnologias estão mudando não só o modo de comunicar, mas também a própria comunicação em si mesma, podendo-se afirmar que estamos perante uma ampla transformação cultural”.

Por outro lado, na mensagem, Bento XVI afirma que “como qualquer outro fruto do engenho humano”, as novas tecnologias da comunicação, se “usadas sabiamente, podem contribuir para satisfazer o desejo de sentido, verdade e unidade que permanece a aspiração mais profunda do ser humano”. Embora reconhecendo o alcance sociocultural das mídias digitais, a Igreja ainda se centra na questão do seu uso – que poderia ser, nesse entendimento, bom ou ruim (no final, o papa diz: “Convido sobretudo os jovens a fazerem bom uso da sua presença no areópago digital”).

A preocupação, no entanto, deveria ir muito além disso. A internet, embora sendo “fruto do engenho humano”, está ligada também a formas e práticas de vida intrínsecas a ela. Como analisa Gordon Graham, novidades tecnológicas como a internet não são positivas apenas por serem novas, nem negativas apenas por serem tecnológicas. Mas também não são neutras: nas mídias digitais online, por exemplo, põe-se de manifesto um determinado tipo de ser humano. Mesmo um “bom uso” traz consigo lógicas que são intrínsecas à técnica.

Para exemplificar, na semana passada, a Basílica de São João de Latrão, em Roma, começou a emprestar iPods a seus peregrinos com um aplicativo projetado especialmente para guiar o visitante junto às obras de arte, à arquitetura e à história do local. A proposta, segundo o padre responsável, seria reduzir o ruído provocado pela visitação de grandes grupos e seus guias, assim como atrair mais os jovens. Cada visitante pode até ouvir as narrações na “voz” de personagens históricos como o próprio imperador Constantino. Mas, no fundo, o que significa atribuir a função de “guia” a um aparelho digital personalizado? São essas lógicas, anteriores ainda a um bom ou mau uso, que merecem reflexão.

IHU On-Line – De que maneira a manifestação religiosa da Igreja e dos fiéis se transformou a partir da utilização da internet?
Moisés Sbardelotto – Em uma sociedade em midiatização, o religioso já não pode ser explicado nem entendido sem se levar em conta o papel das mídias. Na transformação cultural de hoje, as mídias organizam e impregnam o social, e passamos a viver em uma realidade sociocultural de permanente comunicação midiatizada. Por isso, as mídias não são meros meios de transmissão de informação, nem apenas extensões dos seres humanos, mas sim o ambiente no qual a vida social se move. Marshall McLuhan já afirmava que “toda tecnologia gradualmente cria um ambiente humano totalmente novo”, ambientes que “não são envoltórios passivos, mas processos ativos”.

Hoje, o transcendente se digitalizou. E, como o Moisés bíblico, as pessoas sobem a montanha digital porque vêem uma sarça ardente em seu topo e buscam a presença de Deus na Internet. Portanto, se as mídias digitais como a internet hoje “viraram um templo”, com tantas ofertas de sagrado disponíveis, cabe analisar como isso aconteceu, que templo-Igreja é esse e que relação fiel/Deus se manifesta em meio a seus bits e pixels.

Exemplo disso é que a experiência da fé – dentre outras diversas manifestações religiosas – pode ser vivenciada na internet por meio de diversos serviços: versões online da Bíblia e de textos sagrados; orientações online com líderes religiosos; pedidos de oração; as chamadas “velas virtuais”; programas religiosos em áudio e vídeo; dentre muitas outras opções. O fiel, onde quer que esteja, quando quer que seja, por meio da internet, desenvolve um novo vínculo com a Igreja e com o transcendental, em um novo ambiente de culto. Isso possibilita uma nova modalidade de revelação e de manifestação de Deus e do sagrado: agora, porém, midiatizada – uma espécie de midioteofania.

A partir desse desvio do olhar do fiel dos templos tradicionais para os novos templos digitais, ocorrem alterações também na formação da identidade individual e religiosa. Cada tecnologia traz consigo uma nova maneira de ser e de fazer. Com o desenvolvimento das tecnologias digitais, características como a digitalidade (o sagrado moldado em bits e pixels), a ubiquidade (o sagrado acessível em qualquer ponto da rede a qualquer momento), a conectividade (conexões/interações em rede entre o sagrado e o fiel e entre fiéis) e a hiperdiscursividade (novas formas de discurso e narrativas sobre o sagrado), dentre outras, manifestam lógicas e processualidades comunicacionais que modificam o ser, o fazer e o experienciar da religião.

IHU On-Line – Como se dá a interação entre fiel, Igreja e Deus no ambiente digital brasileiro?
Moisés Sbardelotto – São as “ações entre” sistema e fiel que possibilitam a comunicação e a construção de sentido religioso na internet. De outra forma, isso não ocorreria. Na pesquisa, analiso essas interações por meio de três eixos conceituais – interface (as materialidades gráficas dos sítios católicos), discurso (coisa falada e escrita nos sítios católicos) e ritual (operações, atos e práticas do fiel).

Com relação à interface, o sagrado que é acessado pelo fiel passa por diversos níveis de codificação por parte do sistema. Analisamos quatro deles:

1) a tela;
2) periféricos como teclado e mouse;
3) a estrutura organizacional das informações (menus); e
4) a composição gráfica das páginas em que se encontram disponíveis os serviços e rituais católicos.

Ou seja, a interação é possibilitada porque o fiel decodifica o sagrado a partir da configuração computacional ofertada pelo sistema. Por meio de instrumentos e aparatos físicos e simbólicos, o fiel “manipula” o sagrado ofertado e organizado pelo sistema e navega pelos seus meandros da forma como preferir.

Por meio da interface, o sistema informa ao usuário seus limites e possibilidades, e este comunica ao sistema suas intenções. O sistema indica ao fiel não apenas uma forma de ler o sagrado, mas também uma forma de lidar com o sagrado, que raramente é neutra ou automática: ela carrega consigo sentidos e afeta a mensagem transmitida.

Por outro lado, o contato entre fiel e sagrado passa pelo discurso, pela narração da fé, pela “realidade material de coisa pronunciada ou escrita”, nas palavras de Michel Foucault. Nos sítios brasileiros, esse discurso é construído a partir de três atores: o fiel (o internauta); um “outro” (com quem o fiel dialoga e intercede junto ao sagrado); e um “Outro”, o destinatário último (Deus, Nossa Senhora ou os santos, por exemplo). É por meio do discurso, portanto, que se gera o sentido religioso nos sítios católicos. Nele, é possível perceber virtualmente entidades como o “enunciador” e o “enunciatário” – que estão inscritas e vivem no interior do texto –, assim como as regras para as interações entre eles, já que o discurso não é simplesmente “aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”, como também aponta Foucault.

Por último, o fiel interage com o sagrado por meio de rituais. Até então celebrados no templo físico, eles agora se deslocam para o ambiente online (como, por exemplo, as “velas virtuais”, o “terço virtual”, a “adoração ao Santíssimo”, missas etc.). Por isso, os chamados rituais online são atos e práticas de fé desenvolvidos pelo fiel por meio de ações e operações de construção de sentido em interação com o sistema católico online para a busca de uma experiência religiosa. O ritual online, portanto, esclarece mecanismos e processualidades fundamentais do fenômeno religioso contemporâneo. Tudo isso, analisado mais detalhadamente, estará disponível no Cadernos IHU, n. 35, que sintetiza a pesquisa.

IHU On-Line – Como o religioso pode ser explicado e entendido em uma sociedade em midiatização?
Moisés Sbardelotto – O que se constata hoje é um desvio do olhar do fiel dos templos tradicionais para os novos templos digitais, que estimulam, sob novos formatos e protocolos, a experimentação de uma prática religiosa que encontra suas raízes na realidade offline (como o “acender de velas”), mas que agora é ressignificada para o ambiente digital. Existe algo que faz com que o indivíduo prefira praticar a sua fé na internet, em vez de fazer isso na igreja de seu bairro.

Portanto, se a comunicação (suas lógicas, seus dispositivos, suas operações) está em constante evolução, a religião, ao fazer uso dela, também acompanha essa evolução e é por ela impelida a algo diferente do que tradicionalmente era. É essa complexidade da interface entre o fenômeno da comunicação (a partir de suas ocorrências concretas, como o caso da internet) e o fenômeno religioso (a partir da utilização dos dispositivos comunicacionais para a sua ocorrência) que exige maior atenção por parte da Igreja e dos pesquisadores.

IHU On-Line – Que religião nasce da mídia?
Moisés Sbardelotto – Essa é a pergunta-chave. As respostas são múltiplas, por isso posso dar apenas algumas indicações. O que podemos perceber é que a fé vivenciada, praticada e experienciada nos ambientes digitais aponta para uma mudança na experiência religiosa do fiel e da manifestação do religioso, por meio de novas temporalidades, novas espacialidades, novas materialidades, novas discursividades e novas ritualidades.

Assim, a religião como tradicionalmente a conhecemos também está mudando, e a “nova religião” que se descortina diante de nós nesse “odre novo” traz também um “vinho novo”, que caracteriza a midiatização digital (suas formas características de ser, existir, pensar, saber, agir etc. na era digital). Junto com o desenvolvimento de um novo meio, como a internet, vai nascendo também um novo ser humano e, por conseguinte, um novo sagrado e uma nova religião, por meio de algumas microalterações.

Por um lado, temporalmente, os tempos e períodos tradicionais, divididos e organizados pela Igreja liturgicamente e na vida cotidiana, mudam radicalmente na internet. Agora, um ritual religioso (missa, adoração ao Santíssimo, acompanhamento espiritual etc.) pode ser feito a qualquer hora do dia, independentemente dos horários dos demais membros da comunidade religiosa, e em qualquer lugar, em casa, no horário de trabalho, ou mesmo em trânsito, independente da agenda do padre, do religioso ou dos demais fiéis.

O sistema se encarrega de mediar essa interação, apesar do tempo offline da vida cotidiana. Os processos lentos, vagarosos e penosos da ascese espiritual (os “séculos dos séculos”, “até que a morte os separe”) vão sendo agora substituídos pela lógica da velocidade absoluta. Passamos, assim, a viver uma fé na expectativa de imediaticidade (tudo deve estar disponível agora, já).

Por outro lado, há um deslocamento espacial da experiência religiosa: a celebração feita do outro lado do país ou do mundo pode ser agora assistida pelo fiel em seu quarto – e é ele quem decide quando a missa vai começar. Um fiel do interior da Amazônia não precisará se deslocar até o Santuário Basílica de Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo, para fazer suas orações, prostrar-se diante da imagem e até mesmo acender sua vela, pois, pela Internet, a “capela virtual” acolhe seus pedidos e lhe oferece um vídeo do interior da basílica para venerar a santa pela internet. Assim, instaura-se uma nova forma de presença: uma “telepresença”, como indica Lev Manovich, possibilitada pela produção de presença encarnada nas representações e simulações de sagrado disponíveis no sistema católico online. Mas a essência dessa nova modalidade de presença é a não presença, a “antipresença”. Não é necessário que o fiel esteja lá fisicamente para estar lá digitalmente: o fiel pode agora ver e agir à distância. Essa “bilocação” não se deve à “santidade” do fiel, mas sim à técnica comunicacional, que permite ao fiel esse seu “poder ultraterreno” nessa ambiência digital.

A fé digital

Além disso, a fé digital traz consigo uma materialidade totalmente própria: numérica, de dígitos que podem ser alterados, deletados, recombinados de acordo com a vontade do sistema e/ou do fiel, embora com resquícios de uma religiosidade pré-midiática (como o uso de velas, por exemplo). Assim, a complexidade da técnica não pressupõe o abandono de tradições discursivas. Porém, elas são ressignificadas: na “capela virtual”, o sol sempre brilha, as flores sempre estão abertas, vivas e coloridas, as velas até se acendem sozinhas, e a cerimônia inicia assim que o fiel entra (adeus, preocupação com o atraso!).

Claro, algumas velas digitais também se “consomem” e diminuem de tamanho com o passar dos dias, mas não há mais os “incômodos” da cera derretida, dos vapores e fumaças, dos riscos de incêndio. Mas, hoje, acrescentam-se novas camadas intermediatórias entre fiel e Deus, agora tecnocomunicacionais: computador, teclado, mouse, interfaces, fluxos de interação comunicacional etc.

Porém, tudo isso, em geral, passa despercebido pelo fiel, reforçando a transparência da técnica: a sensação de sagrado construída pelo sistema promove (ou reforça) a crença de que o fiel está diante de (e apenas de) Deus. Além disso, a fé digital é vivida com uma sensação de carência: exigem-se sempre novas tecnologias, crescendo a necessidade de ser mediado pela tecnologia comunicacional, até na espiritualidade.

Sentido religioso

Discursivamente, o fiel constrói sentido religioso por meio de narrativas fluidas e hipertextuais, marcadas por uma constante transformação, em que novas informações também podem ser adicionadas, deletadas, corrigidas ou relacionadas segundo os protocolos da internet. Isso acaba abrindo o texto original a inúmeras interpretações em uma hermenêutica infindável de novos sentidos. As relações e vínculos nesse ambiente também são fragmentários, já que o fiel seleciona e escolhe a sua alteridade discursiva (terrena ou divina). O fiel-internauta vive uma experiência de fé com uma ausência objetiva (antipresença) do “outro”, seja ele outra pessoa ou Deus, o que, nem por isso, caracteriza uma fé vivida isolada e individualisticamente, pois ele continua recorrendo a uma comunidade de fé, embora ressignificada.

O deslocamento, em suma, dá-se em direção à lógica do acesso, em que o pertencimento-participação em uma comunidade não se estrutura por uma localização geográfica, mas sim por uma ambiência fluida em que só faz parte dela quem a ela tem acesso. E são comunidades instauradas comunicacionalmente: ou, vice-versa, é a interação comunicacional que cria novas comunidades ao tornar comum entre os fiéis aquilo que social, política, existencial e religiosamente é incomum ou não pode nem deve, a seu ver, ficar isolado. Assim, no fundo, há uma lógica do compartilhamento e da publicização: antes, o pedido do fiel era privado, restrito à sua intimidade com Deus. Hoje, é público, é compartilhado com todos, e seu conteúdo é de livre acesso.

Por fim, ritualisticamente, os atos e práticas de fé desenvolvidos pelo fiel por meio de ações e operações de construção de sentido em interação com o sistema constroem-se agora na internet. E novos fluxos começam a surgir, como rituais offline reconstruídos midiaticamente e rituais online que são estendidos midiaticamente para o ambiente offline. Manifesta-se, assim, não apenas uma liturgia assistida pela mídia, mas também uma liturgia centrada, vivida, praticada e experienciada pela mídia, em que esta também oferece modelos para as práticas, o espaço e o imaginário litúrgicos. Instaura-se, em suma, uma nova sacramentalidade. O que fica escondido nos templos territorializados, como o ritual de acender velas, passa a ser exposto e oferecido como o principal ritual religioso das “capelas virtuais”.

A partir da midiatização digital do fenômeno religioso, portanto, vai acontecendo uma metamorfose da fé, somada aos diversos outros âmbitos sociais e históricos que evidenciam esse processo. Ou seja, embora mantendo alguns de seus aspectos tradicionais, produzem-se novas qualidades do religioso. Mas não podemos perder de vista que a hierofania nunca se restringe a um único âmbito do humano. Por meio da midiatização, revelam-se algumas faces desse sagrado, que não se limita a essas manifestações. O sagrado escapa ao midiático. Paralelamente aos ambientes online, continua-se vivendo, praticando e experienciando a fé nos tradicionais espaços de culto, em crescentes tensões e desdobramentos.

IHU On-Line – E o que a religião em uma sociedade midiatizada revela acerca da mídia?
Moisés Sbardelotto – Estamos em uma nova etapa da comunicação, em que as mídias não são apenas veículos de troca de informações, nem se resumem a instaurar mediações entre âmbitos sociais. Com a convergência tecnológica e midiática, temos um ambiente formado pela comunicação midiática, onde se dão os processos sociais contemporâneos. Existe agora uma cultura atravessada, perpassada, embebida pelas mídias.

A partir dessa compreensão, percebe-se que é esse ecossistema midiático que constitui o socius. O conteúdo do fenômeno da midiatização é a convergência das mídias, cada vez mais abrangente, cada vez mais acelerada. Não se trata apenas de um avanço tecnológico, mas sim de uma nova configuração social ampla, que gera novos sentidos em escala complexa e dinâmica, a partir da tecnologia e para além dela.
Analisar a midiatização da religião, portanto, é analisar também um processo de secularização: o processo histórico em que as mídias assumiram muitas das funções sociais que costumavam ser desempenhadas, por exemplo, pela própria religião. Por meio das processualidades da midiatização, a lógica midiática vai subsumindo outras lógicas sociais, em termos de regulação institucional, de conteúdo simbólico e de práticas individuais.

IHU On-Line – Qual o significado da religião em uma sociedade midiatizada? Como ela constrói e gera sentido nesse novo contexto?
Moisés Sbardelotto – Hoje, os fiéis estão fazendo de forma online grande parte daquilo que fazem offline, mas, como dizíamos, fazem isso de uma forma e em um ambiente diferentes, que geram diferença para a religião como a conhecemos. Essas microalterações na vivência da fé não são apenas uma isenta mudança de “forma”, mas sim, em sentido mcluhaniano, uma mudança de “conteúdo”: religião e mídia coevoluem de forma midiatizada, gerando novos predicados.

Em um contexto de aprofundamento das interações sociais via mídia, ganha menos destaque o discurso sobre Deus, e mais o contexto, as circunstâncias específicas, em que as pessoas interagem com Deus: não como as pessoas creem ou devem crer (doxa), mas sim como as pessoas expressam a sua fé (praxis). Hoje, esse contexto da fé é vivenciado na internet, é um o contexto comunicacional construído pela interação entre o fiel e o sistema católico online. No fundo, os fiéis encontram nos protocolos da internet características outras, que são ou não encontradas nos santuários do mundo offline. Uma mídia tão simbólica da pós-modernidade como a internet permeia, mas também altera, a vivência e a experiência de uma fé tradicional, pré-moderna. Não acredito que se dê um processo de substituição de um por outro, mas sim uma justaposição das ofertas religiosas offline e online, a partir daquilo que o mundo digital concede a mais ou a menos, ou de forma mais instantânea, acessível ou disponível do que a religião tradicional.

Raízes agrárias

Nesse sentido, para religiões tradicionais como a Igreja Católica, ainda tão enraizadas em culturas e origens agrárias e pastoris, são necessárias mudanças realmente profundas em seus sistemas simbólicos para que possam ser capazes de responder a todos esses desafios na compreensão de uma nova forma de ver e de viver o “novo mundo” que vai nascendo. Noções como tempo, espaço, comunidade, autoridade, presença, participação etc. – tão centrais ao contexto religioso – vão sendo reconstruídos e readaptados a uma nova configuração social que, por vezes, é combatida pela Igreja e tem sua importância diminuída, como um processo localizado e sem grandes repercussões para as estruturas eclesiais. Porém, esse é um grande engano, já que, a partir das beiradas, uma modificação de fundo vai ocorrendo, para o bem ou para o mal, na configuração das religiões tradicionais.

IHU On-Line – Como vê o incentivo e o estímulo que a Igreja tem dado à relação e ao vínculo do fiel com Deus por meio do ambiente digital?
Moisés Sbardelotto – A relação com os meios de comunicação é quase vital à Igreja. Como indicou a Instrução Pastoral Communio et progressio, ainda em 1971, “os modernos meios de comunicação social dão ao homem de hoje novas possibilidades de confronto com a mensagem evangélica”. Para o então Papa Paulo VI, a Igreja “viria a sentir-se culpada diante do seu Senhor” se não lançasse mão dos meios de comunicação. Já para o Papa João Paulo II, na encíclica De Redemptoris Missio, os meios de comunicação social seriam “o primeiro areópago dos tempos modernos”. E aqui, o papa reconhece um ponto importante, já em uma era digital (1990): “A experiência humana como tal se tornou uma experiência vivida através dos mass media”.

Portanto, em nível internacional, começando pelo órgão máximo da Igreja, o Vaticano lançou sua página online ainda nos primórdios da internet, em 1995. O sítio continha apenas o texto da mensagem de Natal do então Papa João Paulo II para aquele ano e um e-mail de contato. Hoje, o sítio oficial da Igreja Católica já está disponível em oito idiomas, incluindo o português e até o latim, língua oficial do Vaticano. Em junho de 2011, foi lançada uma nova interface do sítio com poucas alterações na página de entrada, principalmente, um menu em formato de “calendário maia”, como li em uma crítica. A grande novidade do novo sítio ainda está em construção, que será um serviço de notícias do Vaticano, o News.va (1). Também houve uma recente ampliação dos serviços prestados pelo sítio, como uma seção de vídeos e a criação de uma “visita virtual” a diversas basílicas vaticanas, além da Capela Sistina e da Necrópole Vaticana.

Além do sítio oficial, o Vaticano também criou outros serviços específicos, como a página Pope2You (pope2you.net), lançada em 2009. A intenção de lançar esse sítio foi o de aproximar os jovens à mensagem de Bento XVI, ou a chamada “geração digital”, conforme palavras do próprio pontífice. Foi uma aproximação, mas nada além disso. Na página, os usuários têm acesso a aplicativos para Facebook, iPhone e iPad, para o recebimento de conteúdos religiosos, além de links para a Jornada Mundial da Juventude e para a página do Vaticano no YouTube. O fiel continua apassivado para o sistema, e precisa encontrar brechas em outros ambientes online, não oficiais, em que dá vazão à sua construção simbólica do religioso.

Tecnologia à “nossa imagem e semelhança”

Porém, é preciso superar, por parte da Igreja, uma imagem das mídias meramente como meios a seu dispor para a difusão de uma mensagem, como se a “influência” da tecnologia sobre nossas vidas fosse só um problema no “modo de usar”. Ao contrário, é necessário compreender que toda a tecnologia – incluindo a comunicacional midiática – não é uma “escrava” a serviço do ser humano, nem mero prolongamento, extensão ou magnificação das capacidades humanas. A tecnologia é nossa “irmã” (como diria São Francisco) e nasce à “nossa imagem e semelhança”, da nossa “costela”, depende de nós. E, por isso, também nos molda poderosamente através de uma coevolução cada vez mais intensa.

Como a Igreja, enquanto instituição hierárquica, em sua organização interna, irá reagir ao longo do tempo a uma cultura do compartilhamento, da instantaneidade, das redes, da fluidez de tempo, espaço e vínculos etc.? Acho que o Wikileaks e as revoluções no Oriente Médio são demonstrações mais do que suficientes de que a cultura contemporânea é, em grande parte, o resultado do encontro entre as possibilidades da técnica diante das impossibilidades e limitações da episteme contemporânea (social, política, econômica, mas também religiosa). A tentativa de conjugar e resolver essa tensão será cada vez mais forte.

IHU On-Line – A virtualização provoca alguma modificação na vivência da fé?
Moisés Sbardelotto – Cremos que apontamos diversos aspectos nas respostas anteriores. Mas a pergunta é válida para debater o conceito de “virtual”, tão disseminado no campo de estudos das mídias digitais. Virtual é um termo que vem do latim (virtus), no sentido de força, potência, virtude. Ou ainda, filosoficamente, é aquilo que não tem efeito atual (“concreto”), que existe somente em potência. Mas essa conceituação não nos possibilita compreender a internet e suas processualidades. A internet pode, sim, ser considerada virtual quando o indivíduo está, por exemplo, descansando no campo, longe de um computador conectado. Nesse momento, ela, para ele, é virtual. Porém, assim que ele a acessa e interage com a rede, ele já a atualiza, a presentifica, poderíamos dizer. Passa-se do virtual ao atual. Por isso, mesmo que a informação da internet esteja “virtualmente presente em cada ponto da rede onde seja pedida”, como afirma Pierre Lévy, ela se atualiza, fisicamente até, em algum lugar (por exemplo nos mais de 7 mil metros quadrados ocupados pelos quase 2 mil servidores do centro de dados do Google na Califórnia, ou nos mais de 65 mil metros quadrados do centro de dados da Microsoft, em Chicago), em determinado momento, em determinado suporte, deixando assim de ser virtual. A internet em sua virtualidade não é do interesse da comunicação, mas sim a atualização do virtual nas interações e processos comunicativos.

Por isso, preferimos usar conceitos como digital ou online (conectado), mas que também não são sinônimos. Digital é a operação computacional que lida com quantidades numéricas ou informações expressas por algarismos (dígitos), com bits, com “cacos” de informação. Mas os fenômenos aos quais nos referimos aqui não são apenas digitais, mas também online, ou seja: o acesso do fiel ao “sagrado digitalizado” se dá por meio da internet, em rede, em qualquer ponto do tempo e do espaço.

Em uma analogia teológica, para se fazer presente na internet, o Verbo se torna informação e faz-se bit. Mas Deus, segundo a tradição cristã, se faz “carne”, para integrar tudo o que é do ser humano: seus órgãos, seus sentidos, a terra que o envolve. E não apenas o seu DNA. Em bits (o DNA da computação), o Verbo fica impossibilitado de assumir o “homem todo inteiro”, segundo Leonardo Boff – assim como o DNA não dá conta de toda a complexidade da “carne”. Portanto, na internet - entre fiel, Igreja e Deus - interpõe-se a técnica comunicacional digital, que reduz a bits, a “cacos”, a experiência multissensorial do sagrado. E “os bits fazem com que a matéria seja mais maleável do que os átomos”, como aponta Kerckhove.

Nota:
1.- O novo portal do Vaticano, news.va, será apresentado oficialmente nesta segunda-feira, dia 27 de junho, em Roma. (Nota da IHU On-Line). 

15/05/2011

MANIFESTO PÚBLICO EM APOIO AOS CARMELITAS DE SUCUMBÍOS

Publicamos aqui o Manifesto Público das organizações populares e dos movimentos sociais da diocese de Sucumbíos, no Equador, publicado no blog da Igreja de San Miguel de Sucumbíos - ISAMIS, 12-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


Organizações populares,
Organizações e movimentos sociais,
Organizações sindicais,
Nacionalidades de Sucumbíos
Organizações não governamentais
E povo da província de Sucumbíos
reunidos na sede do Fondo Ecuatoriano Populorum Progressio - FEPP Regional Lago Agrio, no dia 10 de maio de 2011

Considerando:

- Que, no último dia 30 de outubro, ocorreu no Vicariato de San Miguel de Sucumbíos (ISAMIS) a remoção violenta da Administração dessa Igreja, sem opção para uma transição natural, serena e aberta positivamente ao futuro;

- Que Dom Gonzalo foi obrigado a sair de maneira violenta desta Igreja e da província em que viveu, trabalhou e sonhou junto com outros atores eclesiais e sociais, uma província com equidade, integração, justiça e paz por mais de 40 anos;

- Que a administração da Igreja de Sucumbíos foi entregue à Sociedade Virgo Flos Carmeli, pertencente à congregação dos Arautos do Evangelho, organização clerical vinculada ao movimento Tradição, Família e Propriedade, conhecido na América Latina como um movimento ultradireitista e conservador, que se contrapõe totalmente ao modelo de Igreja, e o processo social que foram vivendo na província;

- Que, desde a chegada dos Arautos do Evangelho à província de Sucumbíos, demonstraram atitudes agressivas, desrespeitosas, autoritárias e discriminatórias, o que se agravou nos últimos meses, especialmente na violação de direitos e de segurança de trabalho;

- Que a presença invasiva dos Arautos do Evangelho na província provocou divisão entre a população, situação nunca antes conhecida, nem nas crises mais profundas ela viveu em sua história, o que constitui um risco público permanente;

- Que sua prática individualista e individualizante pressupõe uma ameaça ao tecido social da província, devido à sua desvalorização de toda forma de reunião, assembleia e organização em que se possa chegar a acordos e articular os diferentes setores de forma participativa e democrática para enfrentar coletivamente os problemas que mais urgem a província, o que afeta temas de alta sensibilidade como a fronteira, os direitos humanos, o meio ambiente, pondo em risco a segurança construída em anos de esforço na província, porque não são atores neutros;

- Que sua ideologia machista e patriarcal atenta contra a dignidade e os direitos das mulheres, convertendo-se em uma ameaça para o processo de consolidação dos princípios de igualdade, equidade e dignidade contemplados na Constituição equatoriana e nos tratados internacionais de Direitos Humanos;

- Que, para conseguir seus fins, recorrem ao engano, à mentira, à ameaça, à pressão e ao assédio, tentaram enganar o governo equatoriano suplantando a Assembleia Diocesana de Pastoral para obter o reconhecimento oficial de um Conselho Jurídico à sua medida que atualmente continua sem se legalizar. Da mesma forma distorcida e fora de contexto, eles divulgam textos, testemunhos, fotografias e outros produtos comunicacionais, totalmente alheios à verdade;

- Que, depois de mais de um ano e meio de presença sem a legalização do Conselho Jurídico do Vicariato e de seu Procurador, eles continuam atuando até a nomeação e a legalização do Legado Pontifício, em campos jurídicos, administrativos e financeiros, afetando interesses e direitos de missionários/as e empregados/as do Vicariato;

- Que, por causa da desinformação sistemática promovida pelos Arautos do Evangelho para com as autoridades do Vaticano sobre as ações e a suposta desobediência ao Papa da Igreja de Sucumbíos, dos Padres Carmelitas Descalços e de outras congregações religiosas, o clero local, os Ministérios das comunidades e demais agentes de pastoral e comunidades, essas autoridades ordenaram a saída dos seis missionários Carmelitas Descalços que, em sua maioria, estão há quase 40 anos acompanhando os processos eclesiais e sociais em Sucumbíos;

- Que, por causa da própria desinformação sistemática promovida pelos Arautos do Evangelho, a maioria dos meios de comunicação locais fizeram eco e permanentemente geraram notícias sem critérios, sem contexto e sem conhecimento nem análise da complexa realidade, desfocando o problema, com o que fomentam a violência, promovem e fortalecem a divisão e o confronto da sociedade.

Frente a todo o exposto sobre a situação que se gerou na província com a sua presença e ação:

Responsabilizamos os Arautos do Evangelho pelo conflito que se está vivendo na província, tanto dentro quanto fora da Igreja, e que afeta famílias, comunidades, organizações e a sociedade em seu conjunto por dividir e fomentar o enfrentamento entre os diferentes setores da Igreja e da sociedade.

Rejeitamos as campanhas difamatórias e demais ações contra Dom Gonzalo, os Carmelitas de Sucumbíos, o clero diocesano, os agentes de pastoral, os empregados do Vicariato diversos agentes sociais, o que continua agravando a comoção social interna.

Manifestamos nossa dor, inconformidade e desacordo com a decisão do papa de remover da Província os seis sacerdotes missionários da Ordem dos Padres Carmelitas Descalços, por não corresponder em justiça à verdade e transparência de suas ações e exercício do Ministério durante o tempo que permaneceram em Sucumbíos.

Solicitamos respeitosamente que Dom Ángel Polibio Sáanchez, Legado Pontifício para Sucumbíos, entre em comunicação direta e urgente também com a Coordenação da Assembleia Diocesana da ISAMIS e com a Sociedade Civil que a respalda.

Rejeitamos todas as emissoras, jornais e outros meios que entram nessa linha de comunicação sensacionalista e irresponsável, que atuam em nome de interesses de setores poderosos da província, confundindo a população, elevando os ânimos e contribuindo com o clima de instabilidade social.

Decidimos abrigar-nos nas instalações do Governo Autônomo Descentralizado de Lago Agrio e manter uma presença pacífica permanente nessa nossa Casa Municipal, até a saída dos Arautos do Evangelho da nossa Província de Sucumbíos, sem causar qualquer prejuízo às instalações e ao seu funcionamento.

Exigimos a intervenção do senhor presidente do Equador, Rafael Correa, e do Governo Nacional, através das diversas pastas do Estado, para agir em defesa dos direitos da população de Sucumbíos que se viram afetados, ordenando a saída dos Arautos do Evangelho da nossa província, o mais rapidamente possível, já que a situação ultrapassou os limites possíveis da tolerância.

Aqui, em Teresina, já vi algumas vezes integrantes do movimento Arautos do Evangelho. Sempre que os vejo, observo-os e fico impressionada com suas roupas e posturas. Parecem pertencer a um outro mundo, parecem desconhecer a presença de qualquer pessoas que esteja ao lado, têm modos rudes e secos. Não demonstram ter qualquer sentimento de doçura ou alteridade. Se é um movimento saudável ou se é constituído por boas pessoas, nao parece nem um pouco...muito pelo contrário!! A impressão que dão é que carrregam ódio no coração, ou seja, o diabo no corpo!  O Manifesto acima e a notícia abaixo confirmam a impressão que possuo dos infelizes Arautos!
Enoisa

O impasse entre Carmelitas e Arautos do Evangelho em Sucumbíos. Outro episódio  Organizações sociais de Sucumbíos, no Equador, desafiam o Vaticano e não aceitam a saída definitiva dos padres da ordem dos Carmelitas Descalços desta província. Na terça-feira, dezenas de camponeses dos cantões Cascales, Gonzalo Pizarro e Lago Agrio tomaram, durante três horas, a sede municipal deste último cantão, para reiterar que não permitirão a saída dos Carmelitas e a vinda dos Arautos do Evangelho. A reportagem está publicada no jornal equatoriano El Universo, 11-05-2011. A tradução é do Cepat.

Na semana passada, o Vaticano pediu a saída dos seis sacerdotes carmelitas, para que a congregação dos Arautos pudesse assumir de uma vez por todas. Essa ordem reacendeu o conflito que persiste há seis meses, com a chegada dos Arautos. Nem a nomeação do bispo de Guaranda, Ángel Sánchez, como delegado pontifício para o caso, solucionou o desacordo na comunidade. Em uma assembleia de final de semana, as organizações indígenas do cantão de Cascales, que estão sendo acompanhados há 45 anos pelos Carmelitas, resolveram impedir a entrada dos Arautos em suas comunidades. “Creio que já é hora de tomar decisões, nossas comunidades estão bem ressentidas pelos maus-tratos que fazem aos nossos sacerdotes”, assinalou Pedro Grefa, dirigente da União dos Povos Indígenas de Cascales, que agrupa 22 organizações indígenas. Outros grupos tomaram atitude similar. Os Arautos, por sua vez, guardaram silêncio frente à postura adotada por parte da população.

Leonardo Boff

Fez-se vingança, não justiça

 
Alguém precisa ser inimigo de si mesmo e contrário aos valores humanitários mínimos se aprovasse o nefasto crime do terrorismo da Al Qaeda do 11 de novembro de 2001 em Nova Iorque. Mas é por todos os títulos inaceitável que um Estado, militarmente o mais poderoso do mundo, para responder ao terrorismo se tenha transformado ele mesmo num Estado terrorista. Foi o que fez Bush, limitando a democracia e suspendendo a vigência incondicional de alguns direitos, que eram apanágio do pais. Fez mais, conduziu duas guerras, contra o Afeganistão e contra o Irã, onde devastou uma das culturas mais antigas da humanidade nas qual foram mortos mais de cem mil pessoas e mais de um milhão de deslocados.

Cabe renovar a pergunta que quase a ninguém interessa colocar: por que se produziram tais atos terroristas? O bispo Robert Bowman de Melbourne Beach da Flórida que fora anteriormente piloto de caças militares durante a guerra do Vietnã respondeu, claramente, no National Catholic Reporter, numa carta aberta ao Presidente:"Somos alvo de terroristas porque, em boa parte no mundo, nosso Governo defende a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos de terroristas porque nos odeiam. E nos odeiam porque nosso Governo faz coisas odiosas".

Não disse outra coisa Richard Clarke, responsável contra o terrorismo da Casa Branca numa entrevista a Jorge Pontual emitida pela Globonews de 28/02/2010 e repetida no dia 03/05/2011. Havia advertido à CIA e ao Presidente Bush que um ataque da Al Qaeda era iminente em Nova York. Não lhe deram ouvidos. Logo em seguida ocorreu, o que o encheu de raiva.

Essa raiva aumentou contra o Governo quando viu que com mentiras e falsidades Bush, por pura vontade imperial de manter a hegemonia mundial, decretou uma guerra contra o Iraque que não tinha conexão nenhuma com o 11 de setembro. A raiva chegou a um ponto que por saúde e decência se demitiu do cargo.
Mais contundente foi Chalmers Johnson, um dos principais analistas da CIA também numa entrevista ao mesmo jornalista no dia 2 de maio do corrente ano na Globonews. Conheceu por dentro os malefícios que as mais de 800 bases militares norte-americanas produzem, espalhadas pelo mundo todo, pois evocam raiva e revolta nas populações, caldo para o terrorismo. Cita o livro de Eduardo Galeano, "As veias abertas da América Latina", para ilustrar as barbaridades que os órgãos de Inteligência norte-americanos por aqui fizeram. Denuncia o caráter imperial dos Governos, fundado no uso da inteligiência que recomenda golpes de Estado, organiza assassinato de líderes e ensina a torturar. Em protesto, se demitiu e foi ser professor de história na Universidade da Califórnia. Escreveu três tomos "Blowback" (retaliação) onde previa, por poucos meses de antecedência, as retaliações contra a prepotência norte-americana no mundo. Foi tido como o profeta de 11 de setembro. Este é o pano de fundo para entendermos a atual situação que culminou com a execução criminosa de Osama Bin Laden.

Os órgãos de inteligência norte-americanos são uns fracassados. Por dez anos vasculharam o mundo para caçar Bin Laden. Nada conseguiram. Só usando um método imoral, a tortura de um mensageiro de Bin Laden, conseguiram chegar ao su esconderijo. Portanto, não tiveram mérito próprio nenhum.

Tudo nessa caçada está sob o signo da imoralidade, da vergonha e do crime. Primeiramente, o Presidente Barak Obama, como se fosse um "deus" determinou a execução/matança de Bin Laden. Isso vai contra o princípio ético universal de "não matar" e dos acordos internacionais que prescrevem a prisão, o julgamento e a punição do acusado. Assim se fez com Hussein do Iraque,com os criminosos nazistas em Nürenberg, com Eichmann em Israel e com outros acusados. Com Bin Laden se preferiu a execução intencionada, crime pelo qual Barak Obama deverá um dia responder. Depois se invadiu território do Paquistão, sem qualquer aviso prévio da operação. Em seguida, se sequestrou o cadáver e o lançaram ao mar, crime contra a piedade familiar, direito que cada família tem de enterrar seus mortos, criminosos ou não, pois por piores que sejam, nunca deixam de ser humanos.

Não se fez justiça. Praticou-se a vingança, sempre condenável."Minha é a vingança" diz o Deus das escrituras das três religiões abraâmicas. Agora estaremos sob o poder de um Imperador sobre quem pesa a acusação de assassinato. E a necrofilia das multidões nos diminui e nos envergonha a todos.