19/07/2011

Entrevista - Dom Flávio Giovenale

Turismo e exploração sexual. Um problema social brasileiro. 
 
“A situação da miséria é tão intensa, que o fato de alguém da família se prostituir por um determinado período é uma situação considerada normal”, declara Dom Giovenale, bispo de Abaetetuba, que há anos denuncia crimes de turismo e exploração sexual na Amazônia. Segundo ele, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone, a miséria é a principal causa que leva as pessoas a se prostituírem.   Além da prostituição local, D. Giovenale diz que cresce o índice de vítimas do turismo sexual organizado por agências da região. Ele é um dos bispos ameaçados de morte por denúnciar o tráfico humano. Ele sempre é acompanhado por agentes de segurança.


IHU On-Line - Desde quando acontece turismo sexual no Brasil? Quais são as razões que favorecem essa prática?

Dom Flávio Giovenale -  Há dezenas de anos. Mas, nos últimos 15 anos, o turismo sexual se intensificou nas regiões Norte e Nordeste. Antes, as vítimas eram mulheres, mas, agora tem se intensificado o turismo sexual infantil.

Na verdade, o turismo é um meio utilizado para praticar a prostituição. Os estrangeiros, especialmente americanos e europeus, que se envolvem nesse tipo de turismo querem satisfazer seus extintos com “pessoas exóticas”. Eles pensam que o Brasil é o país do sexo e do paraíso. Há alguns anos, a propangada federal brasileira contribuía para intensificar esse crime no país, pois apresentava o Brasil com imagens de mulheres e passava a ideia de que no país tinha “mulher fácil”. O nome Amazônia é algo mágico para os estrangeiros e eles gostam de dizer que fizeram sexo com uma pessoa da região.

Outra causa que facilita o ingresso de estrangeiros no país é a falta de controle policial. Portanto, passa-se a ideia de que no país é possível praticar um crime e ficar impune. Além disso, cresce, no mundo, uma propaganda em vista “do prazer custe o que custar” e algumas pessoas acabam priorizando o prazer.

IHU On-Line - Quais são os motivos que levam as pessoas a se prostituírem?

Dom Flávio Giovenale - Na Amazônia, a grande causa que leva as pessoas a se prostituírem é a miséria. Aqueles que moram no interior dos estados da Amazônia não têm perspectiva de vida. As capitais dos estados concentram a força econômica, enquanto os municípios do interior vivem do funcionalismo público, das aposentadorias e do Bolsa Família. Escutamos relatos que são inacreditáveis: pessoas trocam uma relação sexual por um cachorro-quente. É triste dizer isso, mas as pessoas se submetem a essa situação porque sentem fome.

Muitas meninas recebem propostas de morar na cidade para poder estudar e trabalhar em casas de família; mas, quando chegam ao local, se transformam em escravas sexuais. Elas são ingênuas e desconhecem a realidade. Por outro lado, alguns jovens pensam que a única perspectiva de vida é a prostituição. E, ao escolher entre ser prostituta do interior, passando fome, ou ser prostituta nos grandes centros, preferem migrar para as cidades com a esperança de não passar fome.

IHU On-Line - Na região também cresce o tráfico sexual entre a classe média?

Dom Flávio Giovenale - De vez em quando aparece alguma denúncia em relação à classe média. Porém, o tráfico sexual é muito forte em algumas regiões como a Ilha de Marajó - nesses locais há uma união entre miséria e organizações criminosas. Não sei dizer se aumentou o tráfico sexual ou se aumentaram as notícias e o interesse em investigar esses casos de prostituição.

IHU On-Line - Qual é o destino das vítimas do tráfico sexual? Existem rotas internacionais que favorecem a intensificação desse crime?

Dom Flávio Giovenale - Na região oriental da Amazônia, onde ficam os estados do Pará e Amapá, tem um destino que liga a Goiás, e de Goiás as pessoas são levadas para a Europa. A outra rota é por meio da Guiana Francesa e Suriname. Nesses dois países existem comunidades brasileiras clandestinas, que trabalham em garimpos. As vítimas do tráfico sexual são levadas a esses locais e trabalham em bordéis, garimpos, nas periferias das cidades e nas capitais.

IHU On-Line - Essas pessoas costumam retornar para o Brasil?

Dom Flávio Giovenale - Pouquíssimas. Voltam aquelas que são resgatadas pela polícia, mas, geralmente chegam ao país com pouca perspectiva de vida. Depois de migrarem para esses países, é difícil retornar porque para isso é preciso dinheiro. Algumas pessoas deixam de ser exploradas e passam a ser aliciadores, tornando-se subchefes do tráfico. Poucas pessoas conseguem superar a condição de miséria dos garimpos, pois estes locais são extremamente controlados. Nos bordéis, normalmente as mulheres são tratadas como escravas e são vigiadas.

IHU On-Line - O turismo sexual se configura como um problema social no Brasil? Em sua opinião, a sociedade e o Estado estão dando a devida atenção a esse problema?

Dom Flávio Giovenale - Nos últimos anos, aumentou a consciência de que o turismo sexual é um crime, tanto que a propaganda do Brasil no exterior foi alterada no sentido de mostrar as belezas naturais, sem apelo sexual. Também existe no país um desejo de mudança e um sentimento de revolta, porque os brasileiros não querem ser vistos como um “povo fácil”. Além disso, há um empenho positivo do governo contra o turismo sexual por meio de campanhas. Por isso lhe digo que não sei dizer se há um aumento do tráfico sexual ou se agora as autoridades estão descobrindo o que acontece. Em minha avaliação, a descoberta de casos de turismo e de exploração sexual demonstra que a luta contra os crimes está sendo eficaz.

IHU On-Line - Como a população reage diante do turismo sexual e da exploração sexual na região da Amazônia e do Pará? As pessoas costumam denunciar esses casos?

Dom Flávio Giovenale - A grande maioria da população reage com indignação. Mas a situação da miséria é tão intensa, que o fato de alguém da família se prostituir por um determinado período é uma situação considerada normal. É triste dizer isso, mas em algumas famílias todas as mulheres já se prostituíram. Geralmente, a história começa com a mãe; depois continua com a irmã mais velha, que ao completar 18 anos deixa de se prostituir porque chegou a vez da irmã mais nova, de 12 anos. Essas são situações localizadas, onde a venda do sexo para pessoas da região ou para turistas se torna uma atividade normal.

IHU On-Line - A construção de megaobras no Pará e na região tem favorecido a violência sexual?

Dom Flávio Giovenale - Todas as grandes construções implicam um deslocamento muito grande de pessoas. As fazendas da região também estão recebendo um aglomerado de homens, porque um projeto de biodiesel, coordenado pela Petrobras em 38 municípios do Pará, gera uma movimentação de milhares de pessoas na região, que migram para trabalhar nas plantações de dendê.

Nos dias de pagamento, as vilas dos agricultores enchem de prostitutas, que se prostituem de sexta a domingo. Muitos dos trabalhadores dessas grandes obras veem na prostituição uma diversão para final de semana. Essa á uma realidade que se repete em todos os grandes empreendimentos. Recentemente, li uma notícia de que o governo brasileiro está preocupado com os futuros eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas no sentido de evitar a prostituição.

IHU On-Line - Como vê a legislação e a fiscalização da exploração sexual e do turismo sexual no país?

Dom Flávio Giovenale - O Brasil está firmando vários acordos internacionais com países como Inglaterra, França, Itália para prevenir o tráfico sexual. Então, por exemplo, se um italiano abusar sexualmente de uma menina brasileira, o crime será julgado na Itália como se tivesse sido feito com uma menina italiana.
Há alguns anos, dois aviões fretados com turistas que tinham conotação sexual chegaram a um aeroporto brasileiro e, imediatamente, a polícia os mandou de volta para o país de origem. Penso que o Brasil não está fechando os olhos para o problema. Essa violência tem que ser tratada como um crime contra a humanidade.

IHU On-Line - Recentemente, jornais americanos repercutiram o envolvimento de empresas americanas com turismo sexual no Brasil. O senhor sabe dizer que empresas são essas?

Dom Flávio Giovenale - Li que a Polícia Federal está investigando uma agência americana de turismo, que tem base em Manaus. Essa empresa organizava um pacote turístico que incluía turismo sexual. Não vejo essa notícia como algo estranho porque o turismo sexual não se organiza sozinho; tem o apoio de agências. Alegro-me quando esses casos são descobertos e espero que os aliciadores sejam punidos.

IHU On-Line - O senhor continua sendo ameaçado de morte em função das denúncias que fez sobre o turismo sexual na Amazônia?

Dom Flávio Giovenale - Há dois anos e meio não recebo mais ameaças. Depois da divulgação de que eu estava sendo ameaçado, parei de receber mensagens. Recebo bastante apoio do povo e das autoridades que moram na região. Sinto-me bem trabalhando na comunidade e espero continuar meu trabalho com serenidade.

17/07/2011

Joseph Moingt: um ensaio sobre a Igreja

Mesmo tendo 95 anos, o padre Joseph Moingt não para de pensar na sua Igreja, a Igreja Católica Romana. Descubra as belas páginas do seu último livro Croire quand même, libre entretien sur le présent et le futur du catoìholicisme (Crer apesar de tudo, conversa livre sobre o presente e o futuro do catolicismo). A reportagem é de Philippe Clanché, publicada na revista francesa Témoignage Chrétien, 02-12-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


L'homme qui venait de Dieu (O homem que vinha de Deus) e Dieu qui vient à l'homme (Deus que vem ao homem), publicados na prestigiada coleção "Cogitatio fidei" das Éditions du Cerf, fizeram de Joseph Moingt um dos grandes teólogos católicos do século XX e uma referência para os católicos abertos.

Em um livro-entrevista de Karim Mahmoud-Vintam, Croire quand même (Ed. Temps Présent), o pensador jesuíta, hoje com 95 anos, desenvolve com calma a sua visão reconfortante de um catolicismo atual. Especialista em cristologia, tendo lecionado por muito tempo nas faculdades jesuítas, ele adquiriu a convicção de que se não voltarmos o olhar ao homem, toda relação com Cristo é vã.

"O cristão deve conservar a sua fé, não para salvar a religião ou a instituição que lhe é relacionada, mas para salvar uma certa ideia do homem da qual a ideia de Deus é garantia". Em um texto muito acessível, Joseph Moingt busca desdramatizar aquilo que atormenta hoje muitos fiéis: divisões internas, equívocos da instituição. Ele convida a dissociar a fé dos conceitos de crença e de religião.

Àqueles que consideram "as tradições dogmáticas da Igreja incompreensíveis", esse incansável pesquisador aconselha a "não carregar esse peso e a se contentar em ler e em estudar os Evangelhos, que também apresentam dificuldades, mas de outra natureza". Ao entardecer de uma vida plena, esse ensaio nos oferece a possibilidade de descobrir um catolicismo sereno e desculpabilizante.

Eis alguns trechos do livro:

Fé, crença e religião

É uma distinção que me é pessoal, que não coloca uma verdadeira oposição entre esses três termos, mas que permite que se evitem muitas confusões.

A fé é o assentimento dado aos pontos fundamentais da revelação cristã, aqueles que se enunciam no Símbolo dos Apóstolos, e o engajamento a viver segundo o espírito do Evangelho. Certamente, ela se expressa em dogmas, em crenças doutrinas e em práticas religiosas, mas ela é essencialmente una, unificada e estruturada: é o ato de se confiar a Cristo e de seguir a via da salvação por ele traçada.

A crença é feita, ao contrário, de múltiplos dogmas e doutrinas – de autoridade e de importância muito variáveis – e de tudo o que é ensinado pelo Catecismo. Ela compromete menos diretamente a vida de cada dia, é muitas vezes transmitida pela família ou pelo ambiente, sem ser objeto de uma convicção firme e refletida, ou ela se deixa conduzir por escolhas subjetivas, irracionais e contraditórias, assim como mostraram as recentes pesquisas de opinião: uns consideram a crença no diabo um critério de fé, outros declaram crer em Cristo, mas não na ressurreição dos mortos, ou vice-versa.

No que se refere à religião, que em princípio é a via da fé em uma comunidade de crentes, ela impõe, sobretudo, leis, regras de moral, práticas cultuais, alimentares, penitenciais, devoções, e corre o risco, para muitos, de se reduzir a tais práticas às quais estão ligados por hábito, senão por superstição, enquanto não sabem mais muito bem se ainda são crentes: assim, veem-se católicos que colocam a devoção à Virgem no mesmo plano da Eucaristia, enquanto outros põem os pés em uma igreja só para acender uma vela diante de uma estátua ou depositar uma esmola em uma caixa para as ofertas.

[...] Os "conservadores", sensíveis ao princípio de autoridade, colocam em primeiro plano a obediência a Roma; os "tradicionalistas", a fidelidade às antigas práticas litúrgicas; certos cristãos "críticos", marcados por uma corrente de filosofia liberal, tendem relativizar certos dogmas recentes em favor de uma maior fidelidade à escritura; certos espíritos "progressistas", a reconduzir o essencial do Evangelho à justiça social; enquanto que os "carismáticos" serão mais atentos ao fervor da piedade comunitária do que à regulamentação rigorosa das liturgias; e os cristãos mais bem formados segundo as orientações do Vaticano II serão mais inclinados a renovar o estilo de vida na Igreja e a se pôr ao serviço evangélico do mundo.

Em tudo isso, não são questões de fé que opõem os cristãos, mas sim modos diferentes de regular a crença ou a prática. Os "fundamentais" da fé, tal qual como se enunciam no Símbolo da Fé, não estão em discussão. No entanto, essas diferenças de atitude religiosa, que muitas vezes têm o seu estímulo determinante sobre a cultura, o meio social, a educação recebida, as escolhas políticas, podem dissimular profundas divergências na maneira de compreender e de viver a fé (p. 34-36).

Futuro da Igreja Católica

Eu me guardarei de fazer prognósticos. Retração não significa desaparecimento, assim como a religião não se identifica com a fé. Ele é a sua encarnação em uma sociedade, da qual sofre as influências, assim como os aspectos negativos. É principalmente por meio do seu clero e das suas ordens religiosas que a Igreja exerce a sua autoridade sobre a sociedade, por intermédio de organizações e de movimentos de piedade, de apostolado, de caridade, de ensino, de serviços sociais e outros.

A queda das vocações sacerdotais (alguns preferem dizer "presbiterais", mas o termo é menos usado) e religiosas diminui consideravelmente o poder da Igreja de agir sobre a sociedade. Ela é, reciprocamente, um sinal de que a sociedade não experimenta mais a necessidade de perpetuar o modelo religioso segundo o qual ela funcionava no passado.

Porque seria ingênuo pensar que as "vocações" viessem unicamente de uma atração interior da graça: ela também provinha de pressões recebidas da família e dos educadores, das ajudas e dos encorajamentos provenientes do ambiente social, da consideração da qual as "pessoas consagradas" eram objeto e, não nos esqueçamos, das vantagens econômicas, da "posição" que os filhos de famílias numerosas e pobres encontrariam entrando "para as ordens". Assim, hoje, vemos bispos que vão procurar padres ou religiosos nos países pobres, lá onde os empregadores recrutavam mão de obra em certas épocas.

A rarefação de padres, religiosos e religiosas, incontestavelmente, desorganizará a Igreja, mudará a sua figura, a obrigará a se refundar em sua base leiga, a partir das pequenas comunidades que já vemos se formar, na ordem ou na desordem, assíduas no estudo do Evangelho, aplicadas a viver fraternalmente, a colocá-lo em prática na sociedade, para manter a tradição da fé cristã da qual ela há muito tempo se alimenta. Eis em que sentido eu imagino ou espero que evolua o futuro da Igreja, que ela encontrará uma renovação de vitalidade e que continuará contribuindo na busca de sentido dos nossos contemporâneos (p. 51).

Mudanças possíveis

As coisas podem evoluir fazendo com que as comunidades não sejam de simples adesão, mas também de contestação, lembrando que, linguisticamente, "contestação" está ligado a "atestação". Contesta-se a autoridade para atestar o Evangelho. O fato de os cristãos não poderem mais viver na instituição eu entendo, mas, se estiverem sozinhos, não podem fazer grandes coisas.

Eu sonho com comunidades cristãs em que outros crentes poderiam vir, mas também pessoas que não têm fé, e que se diriam: "O que podemos fazer juntos? Há coisas que gostaríamos de suprimir ou de corrigir, ou outras que teríamos vontade de inventar?"; pessoas que refletiriam sobre tudo isso e que decidiriam o que fazer. É assim que se poderá espalhar o espírito do Evangelho. [...]

É em grupo que se podem fazer coisas importantes, e é difícil para um cristão viver isolado, sobretudo quando se pensa que o cristianismo é uma religião encarnada e comunitária, não uma pura filosofia. Vocês não mudariam o mundo permanecendo sozinhos, cada um no seu canto. E, como vocês querem viver como cristãos, pensem também em mudar a Igreja, portanto, em permanecer vinculados (p. 82).

Passagem

A Igreja Católica se encontra em um momento de passagem. Vai rumo a uma outra coisa, rumo a uma outra maneira de fazer Igreja, o que por si só não é trágico. Toda mudança, é verdade, tem um aspecto inquietante, porque produz rupturas, aflições, fraturas. E essas palavras, que são tomadas do vocabulário corporal, por si só evocam sofrimentos e perigos. Mas essa evolução será o advento de uma era nova, que eu ainda não posso imaginar para a Igreja nem para a fé cristã, mas que não será necessariamente catastrófica.

Não prevejo, de modo algum, uma retomada do poder, do poder perdido pela Igreja sobre a sociedade, mas sim uma outra maneira de se situar no mundo e de guardar a sua unidade. Talvez, ela terá menos visibilidade, no sentido de que a sua visibilidade atual está amplamente ligada à sua estrutura hierárquica e clerical. Mas a sua hierarquia perdeu muito da sua credibilidade interna e externa por causa dos seus excessos de poder sobre os seus fiéis e com relação à sociedade. E o clero, dada a perda de recrutamento, logo não poderá mais ocupar sozinho todos os postos de autoridade e de responsabilidade que lhe eram devidos.

A maior visibilidade da Igreja passará, assim, para o campo dos leigos e leigas, porque haverá cada vez menos clérigos e, portanto, será preciso confiar aos leigos e leigas um número cada vez maior de postos de responsabilidade. A Igreja terá menos visibilidade por causa da forte diminuição do número dos seus fiéis, e uma visibilidade diferente, menos "vistosa", se assim posso dizer, pelo fato de que a sua dominante leiga não a diferenciará mais tão fortemente do resto da sociedade; lhe dará um rosto menos especificamente religioso, menos cultual e ritual. [...]

Imaginar uma tal evolução me enche de esperança, eu confesso, embora certamente haverá menos pessoas que se dirão católicas. Mas o pensamento de muitas pessoas que estão deixando a Igreja continua a me perturbar. Não que eu tema que o seu abandono da Igreja os condene ao inferno – porque eu não acredito que Deus persiga com a sua cólera aqueles que dEle se esqueceram –, mas porque a perda de toda vida espiritual os colocaria em perigo de afundar para sempre na morte, se é verdade, para os crentes, que não existe vida eterna a não ser na união com Deus (p. 147-149).

[grifos do blog]

Alain de Botton propõe ''ateísmo 2.0''

O filósofo e escritor suíço Alain de Botton afirmou anteontem que o mundo precisa de um "ateísmo 2.0", que deixe de lado a luta histérica para provar que Deus não existe e tire proveito do que as religiões têm a oferecer. "É claro que Deus não existe. Mas isso não é o fim da história. Há muito o que podemos absorver das religiões para nos ajudar em questões de educação e cultura, por exemplo", afirmou, durante palestra na TEDGlobal, conferência sobre entretenimento e inovações que acontece em Edimburgo, na Escócia. A reportagem é de Vaguinaldo Marinheiro e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 16-07-2011.
Fonte: UNISINOS


A ideia não é totalmente nova. Já estava esboçada em um artigo publicado pelo autor em 2008 chamado "Uma Religião Para Ateístas". Mesmo assim, ele dividiu a plateia, composta em sua maioria por pessoas que dizem não ter religião. Botton é autor de vários best-sellers, como "Arquitetura da Felicidade" ou "Como Proust Pode Mudar Sua Vida", que misturam filosofia com autoajuda.

DILEMA

Na palestra, afirmou que as pessoas vivem hoje um dilema: ou acreditam nas doutrinas religiosas e são consideradas ingênuas ou não acreditam em nada e rejeitam tudo o que tem a ver com as religiões. "A vida secular deixou muitos buracos abertos. Nas questões morais, por exemplo", disse. Depois, criticou o sistema educacional do Ocidente.

"Se uma pessoa for a uma boa universidade, como Harvard, Oxford ou Cambridge, e pedir aconselhamento sobre moral, ou se disser que quer aprender como viver, vão encaminhá-la para uma instituição psiquiátrica." As universidades, disse, acreditam que todos somos adultos racionais, que precisamos apenas de informação e dados, não de ajuda. Já as grandes igrejas sabem que as pessoas precisam de ajuda e sempre ofereceram aconselhamento.

O autor afirma que o ateísmo radical faz as pessoas se privarem do prazer de admirar obras de um Andrea Mantegna (pintor da renascença italiana), por exemplo, ou textos dos Evangelhos.

Questionado ao final da palestra se pretende ser um líder ou um profeta desse "ateísmo 2.0", o escritor disse que não, porque é preciso sempre desconfiar daqueles que se dizem líderes.

Sua apresentação na TED foi gravada e estará em breve no site ted.com