O cardeal Tarcisio Bertone, que é um homem, normalmente, prudente, e é, nada menos, que o número dois do Estado do Vaticano, para defender o celibato abusou da homossexualidade. O artigo é de Francesco Merlo e publicado pelo jornal La Repubblica, 14-04-2010. A tradução é da IHU On-Line. Fonte: UNISINOS
“Muitos psicólogos, muitos psiquiatras demonstraram que não há uma relação entre celibato e pedofilia – disse Bertone no Chile – mas muitos outros demonstraram, me disseram recentemente, que há uma relação entre homossexualidade e pedofilia”.
Sobre a natureza e as origens da pulsão da pedofilia foram escritas muitas coisas, mas que exista uma relação estatístico-científica entre homossexualidade e pedofilia é seguramente uma besteira. Dita por um teólogo, a besteira é mais grave. O cardeal Bertone há realmente, uma altíssima relação com o candor e com o amor, um hábito filosófico com a profundidade, é um homem de Deus. Por isso, surpreende que tenha entrado com os dois pés numa questão tão delicada e complexa. E, parece, que suas palavras não devem ser lidas como um manifesto teocrático da intolerância para ser usado e abusado para o uso e o consumo dos homófobos, mas como uma dramática confissão da fraqueza, do estado de confusão em que se encontra a Igreja católica neste momento.
Todos sabemos que a pedofilia é sexo com meninos e meninas, é um dos tantos mistérios da psique e da história da humanidade. A conhecemos desde os tempos da antiga e tolerante Grécia. Para nós é perversão, é depravação, é violência porque o pedófilo usa de um corpo que não é ainda autônomo, não é maduro para a opção sexual, não é responsável. À menina e ao menino é imposta relação física por alguém que é maior, que é respeitável, que goza da confiança, que exerce uma forte influência espiritual.
Assim, parece muito estranho que um homem de Igreja não se dê contra de quanto é ultrajoso de associar a homossexualidade à pedofilia. Não temos a presunção de saber o que a homossexualidade nem qual é a melhor maneira aceitada por Deus para definir ou praticar a sexualidade. Mas todos, também Bertone e o clero de Roma, sabem que a pedofilia é um crime, um abuso feroz, e, ao contrário, a homossexualidade – seja uma opção, seja imposta pela natureza – é legítima tanto quanto a heterossexualidade. Têm os mesmos títulos. A nenhum cardeal veio à mente justificar ou minimamente associar com argumentos científicos o estupro com a heterossexualidade: há heterossexuais estupradores e há heterossexuais pedófilos, homens e mulheres, como há ladrões calvos e ladrões cabeludos. Não é o cabelo que faz o ladrão, ilustre cardeal.
Para nós é fácil replicar ao cardeal Bertone mas, enquanto escrevemos, nos perguntamos o que está acontecendo na nomenklatura da Igreja de Roma. Nós sabemos muito bem que há muitos padres que estão na vanguarda da luta contra a pedofilia e a depravação violenta. Seria, desta maneira, estúpido defender que todos os padres, enquanto celibatários, são pedófilos, já que vemos tantos que dão a sua vida e a sua alma para defender as crianças, para proteger a sua inocência, inspirados na imagem evangélica que remonta ao Cristo.
Certamente Tarciso Bertone tem o direito e também o dever de defender a Igreja e o celibato dos padres. Mas ofendendo desta maneira os homossexuais, trai a sua fragilidade, expõe a sua homofobia, desarma todos os soldados de Cristo.