30/11/2010

Escola de Teologia Feminista on line

Por ocasião do 25 de novembro: Dia Internacional de Combate à Violência contra as Mulheres, a Adital, 29-11-2010, entrevistou María José Ferrer Echavarri, aluna da Escola Feminista de Teologia de Andaluzia (EFETA)(1).
Fonte: UNISINOS



Pode nos dizer o que é EFETA e como nasceu?

EFETA é o primeiro espaço de formação sistemática que oferece um programa acadêmico em Teologia Feminista de qualidade. É a primeira, e creio também a única, Escola de Teologia Feminista on line do mundo. Nasceu da convergência do desejo de algumas mulheres de conseguir uma formação sistemática em Teologia Feminista, algo que as Faculdades de Teologia tradicionais não oferecem, e do desejo de um grupo de teólogas de criar um espaço de estudo e difusão do pensamento teológico feminista.

É um projeto nascido das mulheres e orientado particularmente para as mulheres, sem exclusão. O fato de que as aulas sejam virtuais possibilita o acesso a partir de qualquer lugar do mundo e em qualquer horário, o que contribui para a democratização dos conhecimentos teológicos e a realização de um direito das mulheres. De fato, em EFETA há alunas de todas as Comunidades Autônomas da Espanha e de mais de dez países latino-americanos. Estive estudando com mulheres de Uruguai, Chile, Argentina, México, Brasil, Guatemala, Honduras, Costa Rica… E das treze pessoas que, até agora, receberam o Título Superior de Teologia Feminista atribuído por EFETA, quase a metade são latino-americanas.

Como se organizam os estudos teológicos feministas em EFETA?

As doze matérias são repartidas em dois ciclos. Logicamente, para passar ao segundo é preciso completar com êxito o primeiro. Todavia, não é necessário matricular-se num ciclo completo. Pode-se estudar uma, duas, três… matérias em cada curso, segundo as possibilidades de cada aluna. Cada ciclo se conclui com um trabalho final no qual se explicitam na prática os conhecimentos adquiridos. A Escola, que promove um ensino de qualidade com programas exigentes, tem muito interesse que as mulheres possam concluir seus estudos. Por este motivo, existem bolsas para ajudar no pagamento das matrículas, especialmente as estudantes latino-americanas que encontram mais dificuldades para pagar sua inscrição em euros.

Por que Andaluzia?

Há razões "históricas", pois de algum modo EFETA nasceu vinculada a mulheres andaluzas; todavia neste caso Andaluzia não é somente uma referência local, senão o seu ponto de partida geográfico-simbólico, já que é uma maneira de tornar o Sul presente e visível, estabelecendo uma conexão com as aspirações de justiça e de visibilidade de outros povos, especialmente de América Latina.

Mas EFETA é mais do que uma Escola…

Sim. Na realidade, EFETA é um organismo em rede ligado a Associação EFETA e a alguns projetos concretos. A Escola é o centro de EFETA, mas há outros projetos de muito interesse e de livre acesso: Umbrales, que é um espaço virtual de espiritualidade feminista; a Galeria de Arte e História, que é um espaço virtual de visibilidade histórica e artística, e Publicações, onde se dá a conhecer o pensamento sistemático da Escola e de outras autoras/autores que participam das atividades de EFETA. Há também outros projetos que ainda não se concretizaram, como a Biblioteca e os Meios de Comunicação. O melhor meio para saber mais, é entrando no site e explorando todas as janelas.

Como funciona EFETA financeiramente?

Para realizar todos os projetos, EFETA dispõe de vários recursos. As matrículas das estudantes são o mais significativo. Por enquanto, são insuficientes, apesar de que esperamos que o seu número aumente a cada ano. Existem também algumas subvenções, poucas e pequenas, de organismos públicos. Alguns institutos e congregações religiosas, quase todas femininas, sensíveis ao feminismo e interessadas na América Latina, colaboram. Além disso, tem as anuidades da Associação EFETA. No entanto, EFETA não seria viável sem a colaboração de muitas pessoas que trabalham voluntariamente para que os projetos se realizem com a qualidade que tanto as alunas como as/os internautas/os merecem.

O ensino virtual não se torna um tanto "frio"? É importante que as alunas se conheçam entre elas e que conheçam também as professoras…

Isso não corresponde à experiência que nós, alunas de EFETA, vivenciamos (falo de alunas e de professoras, no feminino, porque tanto as estudantes como as professoras são mulheres na imensa maioria). Em cada aula virtual há foros nos quais se participa partilhando sobre temas relacionados com os conteúdos, mas também se dialoga sobre questões muito diversas. Em todos os foros dos quais participei, as alunas colocam também suas inquietações, suas experiências vitais, seus contextos concretos…

Além disso, EFETA organiza anualmente um Seminário Presencial, ocasião em que alunas e professoras têm a oportunidade de encontrar-se, conversar e, de alguma forma, conviver. Faz dois anos que o Seminário Presencial de EFETA se organiza graças a um convênio com a Universidade de Sevilha. Isto permite que as pessoas matriculadas obtenham créditos livres reconhecidos por esta Universidade e favorece o acesso ao Seminário para alunas e alunos universitários que desconhecem a Teologia Feminista. Além disso, o contexto é idôneo permitindo que os seminários sejam multidisciplinares.

Especialistas em outras disciplinas que a Teologia Feminista participam dos Seminários?

Sim. Neste mês de outubro, por exemplo, aconteceu o Vº Seminário Presencial de EFETA, cujo tema era: "Mulheres: mitos de ontem, de hoje, de sempre". O Seminário contou com a presença de conferencistas especialistas em diversas disciplinas (teologia, literatura, filologia, psicologia, sociologia, filosofia…) e também de artistas. Isto favoreceu uma interessantíssima multiplicidade de olhares sobre o tema dos mitos femininos, enriquecendo assim o pensamento crítico. Cerca de 250 pessoas, a maioria jovens, participaram do Seminário. O ano passado, as conferências do IV Seminário foram gravadas e colocadas na Internet para que todo mundo possa usufruir delas(2). Também serão colocadas em breve as conferências do Vº Seminário. Além destes vídeos, pode-se ver a cerimônia de conclusão do Seminário durante a qual se realiza a entrega do Título Superior de Teologia Feminista às alunas que terminaram com êxito seus estudos em EFETA. Junto com o diploma, a cada uma se entrega uma estola, símbolo de sua autoridade teológica.

Você disse que há várias mulheres latino-americanas que terminaram seus estudos em EFETA. Houve alguma delas que chegou para receber o diploma e a estola?

Sim. Apesar da distância que separa a América de Sevilha, este ano contamos com a presença de Geneviève - Gê, do Brasil, e de Marisa, do México. Foi muito emocionante. Quando as alunas tituladas, tanto da América Latina como da Espanha, não podem participar do Seminário Presencial para receber seus títulos e estolas, elas enviam representantes que os recebem em seu nome. Foi o que aconteceu este ano com Analuisa, do Carmelo de Mar del Plata, que enviou um amigo argentino. Nesta mesma ocasião, houve também uma aluna, Ana María, de mais de oitenta anos, que não pôde ir a Sevilha nem enviou alguém, mas algumas pessoas das equipes de EFETA que vivem em uma cidade próxima ao seu domicilio se ofereceram para ir a sua casa a fim de lhe entregar pessoalmente o diploma e a estola. Foi um encontro inesquecível conforme relataram.

EFETA facilita, sem dúvida, o acesso das mulheres a Teologia Feminista, mas como se conecta o pensamento teológico feminista com as lutas das mulheres? "Serve" para alguma coisa que as mulheres tenham formação neste âmbito?

Claro que sim! Há um ano, mais ou menos, eu escrevi um texto sobre o que significou para mim encontrar-me com a Teologia Feminista. Foi publicado em diversos sites webs, inclusive da Adital(3). Minha experiência é compartilhada por muitas mulheres que se adentram na Teologia Feminista que, não se pode esquecer, deve o seu nascimento mais aos movimentos de mulheres que ao campo acadêmico.

Ao descobrir a dinâmica androcêntrica e os elementos misóginos da Escritura, das tradições e das teologias patriarcais, a Teologia Feminista mostra que a histórica submissão das mulheres na Igreja não é culpa das mulheres nem vontade divina, senão uma situação gerada pelo patriarcalismo eclesiástico e legitimada mais tarde por uma imagem androcêntrica do universo. Esta descoberta representa para as mulheres uma poderosa fonte de libertação. É muito estimulante verificar que todas as mulheres que passam por EFETA vão se transformando em mulheres novas, mais conscientes, mais fortes, mais esperançosas, mais competentes para atuar nas múltiplas Redes e Organizações de Mulheres.

Mas a sociedade mudou muito nos últimos anos…

Claro que, nas últimas décadas, as sociedades da Europa e da América viveram grandes transformações. Porém, apesar dos avances logrados, nós, as mulheres, conscientes disso ou não, vivemos na submissão a imperativos opressores provenientes da educação e da cultura cristã patriarcal. A Igreja de todos os países, da mesma forma que a universal, se organiza segundo estruturas patriarcais que sempre foram opressoras para as mulheres e para outras pessoas. Os símbolos e o seu poder permanecem para além dos grupos humanos que os fizeram nascer e os consolidaram. A antropologia cristã de cunho patriarcal, a concepção do mundo e da Igreja como uma estrutura piramidal de subordinações, na qual as mulheres ocupam o degrau mais baixo, funcionaram e, o que é pior, ainda funcionam no imaginário social e, sobretudo, eclesial.

Tudo isso incide de maneira direta, muitas vezes de forma inconsciente, na realidade, na organização social, na violência, na configuração da identidade das mulheres e nas relações humanas. Por trás de sentenças judiciais que deixam livres violadores, argumentando "provocação" por parte de suas vítimas, está a imagem de Eva, pecadora, e de Maria Madalena, considerada de forma errônea prostituta. Por trás da culpabilidade que muitas mulheres sentem ao sair trabalhar fora de seus lares, "não servindo como deveriam" suas filhas e filhos, está a antropologia dualista cristã patriarcal que considera que o destino que, por natureza e designo divino, corresponde a todas as mulheres é o de ser mães, do mesmo jeito que Maria. Por trás da luta da hierarquia eclesiástica contra qualquer meio de controle da natalidade que permita uma sexualidade sem riscos, está a idéia de que nossos corpos não nos pertencem e de que não temos direito ao prazer. São apenas uns exemplos, porém se poderia citar muitos outros. Basta olhar ao redor com um pouco de atenção para descobrir até que ponto os símbolos do passado fazem parte do presente.

Não resta dúvida de que a luta política é necessária, porém a teoria feminista o é também, porque nós, mulheres, sabemos que "saber é poder" e que pensar "de outra maneira" é uma forma de incidir sobre a realidade e transformá-la. Em realidade, teoria e prática caminham de mãos dadas. Minha experiência -e a de outras mulheres que conheci em EFETA - se resume no fato de que abordar a Teologia Feminista comporta conseqüências em nossas vidas e em nossas práticas, porque nos transforma desde dentro.

Se nós, mulheres, queremos combater a injustiça do sexismo, precisamos de uma boa formação, necessitamos fundamentos sobre os quais construir nossos pensamentos e nossas ações. Fazer Teologia Feminista é apoiar as lutas das mulheres contra a discriminação e a opressão, entregando-se a estas lutas com uma vontade transformadora.

Notas:
(1) EFETA é a tradução grega da expressão aramaica que significa "abre-te", ejjaqa. É a palavra eficaz que o evangelho de Marcos põe nos lábios de Jesus quando cura o surdo-mudo (Mc 7,34), e que corresponde às iniciais do projeto ESCUELA FEMINISTA DE TEOLOGÍA DE ANDALUCÍA.
(2) http://vimeo.com/user2497898/videos
(3) http://www.adital.com.br/SITE/noticia.asp?lang=ES&cod=41699

28/11/2010

José María Castillo

Falemos de Deus

Comentário do teólogo José María Castillo em seu blog, 24-11-2010, comentando a entrevista do papa ao jornalista alemão Peter Seewald. A tradução é do Cepat. Fonte: UNISINOS


O recente livro ‘Luz do mundo’ no qual o jornalista Peter Seewald publica uma longa entrevista com Bento XVI está dando o que falar: pílula, celibato dos padres, ordenação das mulheres, pederastas, Marcial Maciel…, tudo isso interessa a muita gente e preocupa o Papa. São temas muito sérios, mas me parece que há algo muito mais sério e mais urgente sobre o que falar. Refiro-me ao tema de Deus.

Se o que diz o papa sobre a pílula, o celibato ou a homossexualidade são temas que interessam, é porque o papa fala com a autoridade de Deus. Ou seja, o que diz o papa é importante porque nós os crentes estamos persuadidos que o que afirma o papa é o que quer Deus. Que importa para um ateu o que pensa o papa sobre a sexualidade ou sobre o padre Maciel? Por isso, nesse momento, o problema mais sério que se coloca não o problema do papa, mas sim o problema de Deus.

O mais grave, que está acontecendo na Igreja, é a sensação de que um Deus que parecia fazer parte das evidencias naturais com as que se contava, passou a tal grau de não-evidência que, não apenas o mundo se pode explicar sem fazer uso de Deus, mas, ainda mais, que esse Deus se considera impossível. O que aconteceu?

Como nos ensinaram a pensar e falar de Deus? De uma forma ou outra, sempre se disse que Deus é “outro ser”, é “outra pessoa”, “um tú”. Sobre esse “outro ser”, sobre “esse tú”, temos projetado tudo o que nós desejamos: poder, sabedoria, majestade, glória, grandeza, dignidade, bondade, longevidade… E assim, nos defrontamos com um Deus infinito, todo poderoso, eterno, glorioso, bondoso sem limites… O que acabou se transformando em um “Deus impossível”, no qual não é possível crer. Porque acaba sendo contraditório: se pode tudo e é tão bom, como explicar que tenha criado esse mundo em que se sofre tanto e acontece tanta desgraça?

Se pensamos Deus como acabo de explicar, o que na realidade fazemos é “representarmos uma realidade imaginária” que brota de nós mesmos, que construimos a partir de nossas carências e de nossos anseios. Ou seja, esse Deus é uma “realidade imanente”. O que quer dizer que assim nós temos um Deus sob medida. Ao fazermos isso liquidamos a “transcedência” de Deus. Ou seja, os teólogos liquidaram o que diferencia e especifica Deus, que é o Transcendente.

Apenas podemos encontrar Deus em “nossa própria imanência”. Ou seja, Deus somente pode ser encontrado em nós mesmos. No mais nobre do que há em nós. E o mais nobre que há em nós é nossa própria humanidade. Precisando mais: apenas podemos encontrar Deus “na humanidade que supera nossa inuhumanidade”.

Encontramos Deus humanizando-nos, ou seja, tornando-nos cada dia mais humanos: potencializando nossa bondade e as dos demais, nossa dignidade e as dos demais, nossa felicidade e as dos demais. Assim, no silêncio de Deus e no vazio de Deus, é onde encontramos Deus. Como escreveu Simone Weil, “Deus brilha no sentido mais positivo do conceito por sua ausência”. Ou como disse o profesor Juan Martín Velasco, “a revelação definitiva de Deus em Jesus Cristo culmina com a morte de seu Filho na cruz; ou seja, na mais total de sua ausência”.