20/09/2009

Dom Pedro Casaldáliga

Salvemo-nos com o Planeta

Artigo de Dom Pedro Casaldáliga, bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, publicado no sítio Adital, 14-09-2009.
Fonte: UNISINOS





À maneira de introdução fraterna.

Vinte anos atrás tratavam de ecologia umas poucas pessoas, tachadas inclusive de bucólicas ou de derrotistas. Não era um tema sério nem para a política nem para a educação nem para a religião. Podia-se venerar Francisco de Assis como o santo das flores e dos pássaros, mas sem maior compromisso.

Agora, e quem sabe se tarde demais, o mundo inteiro está se sensibilizando, atordoado pelas notícias e pelas imagens de cataclismos atuais e de previsões pessimistas que enchem os nossos telejornais. E já são muitos os congressos e os programas que ventilam como um tema vital a ecologia, desnudando as causas e urgindo propostas concretas acerca do meio ambiente. Até as crianças sabem agora de ecologia...

O tema é novo, então, e desesperadamente urgente. Acabamos por descobrir a Terra, nosso Planeta, como a casa comum, a única que temos, e estamos descobrindo que somos uma unidade indissolúvel de relações e de futuro.

Frente aos gastos astronômicos nos espaços siderais, frente ao assassino negócio do armamentismo, frente ao consumismo e luxo de uma privilegiada parcela da Humanidade, agora vamos sabendo que o desafio é cuidar deste Planeta. A última grande crise, filha do capitalismo neoliberal, embrutecido na usura e no esbanjamento, que vem ignorando cinicamente tanto o sofrimento dos pobres como as limitações reais da Terra, está nos ajudando a abrir os olhos e esperamos que também o coração. Leonardo Boff define O grito da Terra como o grito dos pobres e James Lovelock nos avisa acerca de ‘A vingança da Terra’ – a teoria de Gaia e o futuro da Humanidade. "Durante milhares de anos, diz Lovelock, a Humanidade vem abusando da Terra sem ter em conta as consequências. Agora, que o aquecimento global e a mudança climática são evidentes para qualquer observador imparcial, a Terra começa a se vingar". Estamos tratando a Terra como um assunto apenas econômico e exigimos da Terra muitos deveres, mas ignoramos os direitos da Terra.

Certos especialistas e certas instituições internacionais nos vêm mentindo. A mão invisível do Mercado não resolvia o desastre mundial. Quanto mais livre era o comércio, mais real era a fome. Segundo a FAO, em 2007 havia 860 milhões de famintos; em janeiro de 2009 cento nove milhões a mais. A metade da população africana subsahariana, para dar um exemplo dessa África crucificada, sobrevive na extrema pobreza.

A ladainha de violência e desgraças provocadas é interminável. No Congo há 30.000 meninos soldados dispostos a matar e a morrer a troco de comida; 17% da floresta amazônica foi destruída em cinco anos, entre 2000 e 2005; o gasto da América Latina e do Caribe em defesa cresceu 91% entre 2003 e 2008; uma dezena de empresas multinacionais controla o mercado de semente em todo o mundo.

Os Objetivos do Milênio se evaporaram na retórica e em suas reuniões elitistas os países mais ricos dizem covardemente que não podem fazer mais para reverter o quadro.

É tradição da nossa Agenda enfrentar a cada ano um tema maior, de atualidade quente. Não podíamos, logicamente, deixar de lado este tema vulcânico. O tema é amplo e complexo. Somos nós ou é o Planeta quem está em crise mortal?

Foram feitas três propostas para o título desta Agenda 2010, que apontam para possíveis focos: "Salvar o Planeta", "Salvaremos o Planeta?", "Salvemo-nos com o Planeta". Optamos pelo último título, porque técnicos e profetas nos vêm recordando que nós somos o Planeta também; somos Gaia, estamos despertando para uma visão mais holística, mais integral; estamos descobrindo, finalmente, que o Planeta Terra é também o Planeta Água.

Um recente livro infantil intitula-se precisamente Ajudo o meu Planeta. A salvação do Planeta é a nossa salvação, e não faltam especialistas que afirmem que o Planeta vai-se salvar seguindo o curso do Universo e, entretanto, a vida humana e todas as vidas do Planeta serão um sombrio passado.

A Agenda não quer ser pessimista, não pode sê-lo. Quer ser realista, se comprometer com a realidade e abraçar vitalmente as causas que promovem uma ecologia esperançada e esperançadora.

Essa ecologia profunda, integral, deve incluir todos os aspetos da nossa vida pessoal, familiar, social, política, cultural, religiosa... E todas as instituições políticas e sociais, em nível local, nacional e internacional, têm de fazer programa fundamental seu "a salvação do Planeta". É imprescindível uma globalização de sinal positivo, trabalhando pela mundialização da ecologia. Rechaçando e superando a atual democracia de baixa intensidade urge implantar uma democracia de intensidade máxima e, mais explicitamente, uma "biocracia cósmica".

Urge criar, estimular, potenciar, em todas as religiões e em todos os humanismos uma espiritualidade "profunda e total" de sinal positivo, de atitude profética na libertação de todo tipo de escravidão; vivendo e militando por uma nova valoração de toda vida, da matéria, do corpo, do eros. O ecofeminismo sai ao encontro de um desafio fundamental, Gaia é feminina. Impõe-se uma nova relação com a natureza, naturalizando-nos como natureza que somos e humanizando a natureza na qual vivemos e da qual dependemos. Eu sou eu, diria o filósofo, e a natureza que me circunda.

O melhor que a Terra tem é a Humanidade, apesar de todas as loucuras que temos cometido e seguimos cometendo, verdadeiros genocídios e verdadeiros suicídios coletivos.

Propiciando essa mudança radical que se postula e proclamando que é possível outra ecologia em outra sociedade humana, fazemos nossos estes dois pontos do Manifesto da Ecologia Profunda: "A mudança ideológica consiste principalmente em valorizar a qualidade da vida – de viver em situações de valor intrínsecas – mais do que tratar incessantemente de conseguir um nível de vida mais elevado. Terá que se produzir uma tomada de consciência profunda da diferença que há entre crescimento material e o crescimento pessoal independente da acumulação de bens tangíveis".

E acrescenta o Manifesto: "Quem subscreve os pontos que se enunciam no Manifesto tem a obrigação direta ou indireta de agir para que se produzam estas mudanças, necessárias para a sobrevivência de todas as espécies do Planeta", incluindo «a santa e pecadora» espécie humana.

Militantes e intelectuais comprometidos com as grandes causas estão preparando uma Declaração Universal do Bem Comum Planetário que se expressa através de quatro pactos:
1) O Pacto ecológico natural, responsável por proteger a Terra.
2) O Pacto ecológico social, responsável de unir todas as esperanças e vontades.
3) O Pacto ecológico cultural, que deve estar baseado na promoção do pluralismo, da tolerância e do encontro da Humanidade com os ecossistemas, os biomas, a vida do Planeta.
4) O Pacto ecológico ético espiritual, fundado na dimensão do cuidado, a compaixão, a corresponsabilidade de todos com tudo.

Devemos escutar o que nos dizem simultaneamente as novas ciências e as novas teologias. Queremos viver este kairós ecológico de militância e de mística com o Deus de todos os nomes e de todas as utopias.

Com Jesus de Nazaré muitos libertários, profetas e mártires em Nossa América nos precedem e nos acompanham nesta marcha pelo deserto para "a Terra sem Males".

É uma utopia absurda? Só utopicamente nos salvaremos. A arrogância dos poderes, o lucro desenfreado, a prepotência, as claudicações, vêm a nos desanimar; mas nós nos negamos ao desânimo, à corrupção, à resignação. A Pacha Mama e Gaia estão vivas, são vivificadoras. Nenhuma estrutura de morte terá mais poder que a Vida.

[grifos do blog]

Para ler mais:

Pampa. Silencioso e desconhecido
Por uma ética do alimento. Sobriedade e compaixão
Sociedade Sustentável
Terra Habitável: um desafio para a teologia e a espiritualidade cristãs
Da possibilidade de morte da Terra à afirmação da vida. A teologia ecológica de Jürgen Moltmann
O decrescimento como condição de uma sociedade convivial

Teologia da Libertação
Frida Kahlo. 1907-2007. Um olhar de teólogas e teólogos
Na fragilidade de Deus a esperança das vítimas. Um estudo da cristologia de Jon Sobrino
Saúde Coletiva. Uma proposta integral e transdisciplinar de cuidado
Espiritualidade e respeito à diversidade
Francisco. O santo
Che Guevara
Rio dos Sinos. Um ano depois da tragédia. Ainda é possível salvá-lo?
O pampa e o monocultivo do eucalipto
Alternativas energéticas em tempos de crise financeira e ambiental
América Latina, hoje
Ecoeconomia. Uma resposta à crise ambiental?
Agrotóxicos. Remédio ou Veneno? Uma discussão

17/09/2009

Stefano Zamagni

São Francisco e a invenção do mercado solidário


Artigo de Stefano Zamagni, professor de economia da Universidade de Bolonha e consultor do Pontifício Conselho Justiça e Paz, publicado no jornal dos bispos italianos, Avvenire, 11-09-2009. A tradução é de Benno Dischinger.
Fonte: UNISINOS



O Canto XI do Paraíso é o Canto no qual Dante se dedica ao célebre elogio a são Francisco. Precisamente em 2009 se comemora o VIII centenário da aprovação do propositum vitae franciscano por parte de Inocêncio III. Mas, além disso, o pensar franciscano está prepotentemente se tornando atual naquele âmbito específico, realmente importante, da vida associada que é a esfera econômica.

A partir do século XII se desencadeou um processo de profunda transformação da sociedade e da economia européia, que durou até a metade do século XVI. Iniciou na Itália, na Úmbria e na Toscana, mas, já em fins do século XIII aquele processo se estendera também a outras regiões, a Flandres, à Alemanha setentrional, à França meridional. A cultura monástica foi a matriz da qual brotou o primeiro léxico econômico que se difundirá por toda a Europa da baixa Idade Média. O ora et labora de Bento não era simplesmente o caminho para a santidade individual, mas o fundamento daquilo que se afirmará como verdadeira e própria ética do trabalho, baseada no princípio da mobilidade do trabalho que já o judaísmo afirmara. A experiência do monaquismo, beneditino e cisterciense, representou por sua vez o ponto de chegada da reflexão sobre a vida econômica que já os Padres da Igreja, a partir do IV século, haviam encaminhado com vigor, submetendo a relação com os bens terrenos ao crivo da ética cristã. Bens e riquezas não eram condenados em si, mas somente se mal usados, isto é, se considerados como fim e não como instrumento. Atenção especial, para nossos fins, merece o movimento cisterciense. Sob o impulso de Bernardo de Clairvaux, tal ordem teve enorme sucesso na competição com a abadia “rival” de Cluny na Borgonha.

Os cistercienses se encontraram desde logo a ter que enfrentar duas questões de natureza econômica. A primeira se referia ao comportamento a adotar ante o trabalho. Enquanto, para os cluniacenses, a subsistência devia ser assegurada pelo trabalho das pessoas a eles submetidas – os assim ditos seculares -, os cistercienses sustentavam que era ilícito viver do fruto do trabalho alheio. De onde a recusa, seja de toda forma de renda, seja do dízimo – as duas principais fontes de entrada dos beneditinos de Cluny. A segunda questão dizia respeito ao regime de propriedade. Enquanto a regra de são Bento confiava ao abade a posse de todos os bens (individuais e coletivos) com os quais devia prover às necessidades dos monges, os cistercienses refutavam toda posse, também aquela de igrejas e altares. A Carta Caritatis, considerada a constituição cisterciense fundamental e cuja versão final remonta a 1147, é, sobre tal ponto, de uma firmeza inamovível.

Qual a consequência, certamente não desejada nem prevista, de tal duplo comportamento? Que o estilo de vida dos cistercienses, bem longe do luxo dos cluniacenses e marcado por rigor e pobreza extrema, acabou por atrair a atenção do povo que inundou de doações os seus mosteiros. Aconteceu assim que, no ciclo de poucas décadas, os seguidores de Bernardo se encontraram prisioneiros da contradição que brotava de sua própria espiritualidade: com vida sóbria (e, portanto, baixo consumo) e trabalho altamente produtivo – o superávit agrícola que conseguiam obter era superior ao realizado nas empresas tradicionais – eles haviam criado “o embaraço da riqueza”.

Tocará aos franciscanos encontrar o caminho de saída definitiva com a invenção da economia de mercado civil. Francisco, fundador de um movimento eremítico que se transformou, com um desenvolvimento fulgurante, em ordem mendicante, recebeu de Bernardo tanto o princípio segundo o qual os contemplantes devem tornar-se laborantes, como a regra pela qual os frades deviam renunciar também à propriedade comum. Tornou-se célebre a dureza com a qual Francisco apostrofava os frades ociosos, que chamava de “frades mosca” e “zangões” e a severidade com que repreendia “quem trabalhava mais com as bochechas do que com as mãos”.

Destaca-se, no entanto, num ponto fundamental: caso se queira encontrar uma saída ao excedente gerado na agricultura e no mercado, e assim obviar ao embaraço da riqueza, é preciso ampliar o espaço da atividade econômica fazendo de modo que todos possam dele participar. Ou seja, é preciso chegar às cidades onde vive a maioria da população a evangelizar, criando precisamente os mercados. (Recorde-se a insistente pergunta de Jacques Le Goff sobre por que as novas Ordens mendicantes – dominicanos e franciscanos – eram tão atraídas pelas cidades).

Como Giacomo Todeschini deixou autorizadamente claro, a convicção com base na qual haveria uma inconciliabilidade insanável entre “economia de renda” e “economia de caridade”, está privada de sólido fundamento. Duas são as novidades que o franciscanismo introduziu no horizonte da época. A primeira é que, se é necessário usar dos bens e das riquezas, possuir é supérfluo. O que leva a concluir que “graças à pobreza, podia ser mais fácil usar e fazer circular a riqueza”. A segunda novidade é que, quando se quer que os frades possam exercitar com continuidade a virtude da pobreza, é necessário que esta seja sustentável, ou seja, que possa durar no tempo. Eis porque se recorre à ajuda dos leigos – amigos espirituais da Ordem – a quem confiar a gestão do dinheiro. A idéia de que alguma divisão funcional do trabalho seja necessária começa, assim, a difundir-se.

A partir de 1241, ano da primeira Exposição da Regra, a análise sobre a pobreza dos frades se estende à sociedade inteira. Os homens de cultura olham para os “conteúdos profundamente econômicos da escolha pauperista de Francisco e dos seus seguidores”, não mais apenas como caminho para a perfeição individual em sentido cristão, mas como “uma ordem econômico-social da coletividade em seu todo”. Cabe a Boaventura de Bagnoregio, Ugo de Digne e John Peckham o mérito de haver formulado o princípio segundo o qual a esfera econômica, a governativa (da civitas) e a evangélica (segundo o carisma franciscano), “são os três graus diferentes, mas integráveis de uma organização da realidade”. Se esta integração se realiza, ela gera frutos copiosos, de modo que aquilo a que os pobres voluntários renunciam pode ser empregado para os pobres não voluntários, até seu tendencial desaparecimento.

Pois bem, assim como o pensamento e a obra do franciscanismo desempenharam um papel determinante na passagem do feudalismo à modernidade, assim elas aparecem hoje na atual passagem da época da modernidade à pós-modernidade. Não há por que estranhar: quando se toma consciência da iminente crise de civilização, se é quase impelido a olhar com simpatia para a aventura humana de Francisco, para quem o início de uma nova vida, também no nível social e econômico, está em sua capacidade diversa de olhar a realidade: “O que me parecia amargo me foi convertido em doçura da alma e do corpo”. Dante foi um dos primeiros a tê-lo percebido, e é também por isso que ele merece louvor.

14/09/2009

A Grande Presença

Artigo de Carlos Frederico Barboza de Souza, professor de Cultura Religiosa na PUC-MG e doutor em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Sua tese intitulada Religio Cordis: um estudo comparado sobre a concepção de coração em Ibn ´Arabi e João da Cruz (2008) foi eleita a melhor tese nacional de Teologia e Ciências da Religião deste ano. Como premiação, a pesquisa será publicada pela Editora Paulinas. Fonte: UNISINOS


O Grande Silêncio”, filme produzido e dirigido pelo cineasta alemão Philip Gröning, tem enchido salas de exibição na Europa, apesar de seu estilo pouco comum para nossa época: não se utiliza de efeitos especiais e nem de elementos básicos como a iluminação; nada comum, seu ritmo, a sugerir uma comparação com a agitada movimentação presente na contemporaneidade, possui uma velocidade própria, demorando-se longamente em algumas cenas e tomadas. Além do mais, a filmagem foi realizada por apenas uma pessoa, seu diretor – o que explica, em parte, seu baixo custo para este tipo de produção –, e sua edição sugere que foi fruto de uma longa e criteriosa seleção de imagens, uma vez que o total do tempo filmado foi de 300 horas e o filme tem apenas 2 horas e quarenta minutos.

O cenário que serve de pano de fundo é a Grande Cartuxa (Grande Chartreuse), perto de Grenoble, na França, na região do maciço rochoso chamado de Vale de Chartreuse nos Alpes. É este também o local onde São Bruno (1035-1101) funda em 1084 o que seria a primeira comunidade desta ordem que ficou conhecida como Cartuxa e tem sua singularidade na vivência da vida eremítica e solitária em comunidade.

A maior parte da vida de um cartuxo se passa na solidão de sua cela, embora alguns se dediquem a trabalhos para a comunidade religiosa, como cozinhar, limpar o ambiente, preparar lenhas para o aquecimento etc., e para isso tenham que ficar um bom tempo fora dela. A cela cartusiana é como uma pequena casa, dividida em vários aposentos dedicados à atividades específicas como a oração e o trabalho, além de possuir um pequeno jardim e uma ante-sala chamada Ave Maria que é um cômodo na entrada da cela dedicado à Maria e na qual o monge se detém ao entrar e sair. Segundo a tradição mística cartusiana, o monge leva sua vida oculta e solitária no “Coração da Virgem Mãe”. A sala na qual ele se dedica à oração é dividida em dois espaços: uma alcova em que se encontra o oratório para suas orações e outro espaço dedicado ao estudo e leitura espiritual. Além disso, normalmente existe uma varanda coberta para que o monge possa se locomover nos dias de árduo inverno e neve. Estas celas encontram-se unidas a um claustro que conduz à igreja, centro da vida destes eremitas.

O dia de um cartuxo é todo ele marcado por momentos oracionais em conjunto ou solitariamente nas celas e se distribui entre a realização de trabalhos manuais ou intelectuais, canto ou recitação do Ofício Divino e a leitura espiritual ou o estudo. Normalmente, já nas primeiras horas do dia, ele inicia a Prima na sua cela e logo em seguida se dirige à igreja para a Eucaristia. Após este primeiro momento comunitário, retira-se para a cela, onde rezará as demais horas e terá suas refeições e trabalhos, só saindo de lá para as Vésperas, normalmente no meio da tarde. Voltará a sair da cela novamente para cantar o ofício da Vigília, que se realiza por volta das 23 horas, após quatro horas de sono. Este ofício dura ao redor de três horas e de novo os monges retornam às suas celas para mais um período de quatro horas de sono antes de reiniciarem o dia. Esta rotina cotidiana só é alterada nos domingos e solenidades, que incluem um passeio dois a dois ou em comunidade ao redor do mosteiro por cerca de duas ou três horas e também o almoço no refeitório em silêncio e em comum, ouvindo alguma leitura edificante enquanto se alimentam.

É a partir desta ambientação que Philip Gröning nos propõe uma espécie de contemplação sobre o silêncio e a vivência do tempo marcado pela comunicação com Deus que organiza toda a vida cartusiana.

O filme inicia-se com as seguintes palavras: “Somente em completo silêncio se começa a escutar; somente quando a linguagem cessa se começa a ver”. Depois destas palavras, foca-se num monge totalmente absorto em oração dentro de sua cela. A seguir, após uma cena do céu e do fogo, aparece a citação de I Rs 19, 11-13: é o relato da experiência de Elias no Horeb, que ocorre depois de uma longa jornada pelo deserto fugindo da perseguição da rainha Jezabel (I Rs 18, 20-40). Ele se encontra numa gruta e não reconhece a presença divina nem no “furacão que fendia as montanhas”, nem no terremoto e nem no fogo, mas apenas no “murmúrio de uma brisa suave”.

A seguir, se desenrolam cenas do cotidiano repetitivo dos cartuxos, marcados pelas mudanças das estações do ano e ritmados pela oração e comunhão com Deus em meio aos trabalhos realizados. São cenas que envolvem a oração na cela e na igreja, trabalhos, recreação em comum, acolhida a dois noviços, refeição etc. Estas cenas são entremeadas pelo ambiente físico de cunho religioso (imagens de santos, pia da água benta etc.), natural (fogo, neve, montanhas, a passagem do dia à noite etc.) ou por objetos úteis nas tarefas cotidianas (pratos, copos, botões etc.). Todos estes elementos compõem cenas em que transparecem a economia nos gestos e decoração, a inexistência do supérfluo, a praticidade e a organização sóbria e centrada no que é essencial.

Além destas imagens, é interessante perceber o tom de Sagrado presente em tudo. No canto dos salmos, sempre a introduzir elementos bíblicos e a esperança em Deus, Companheiro a habitar a solidão cartusiana; também nos textos selecionados que são colocados em vários momentos do filme, a indicar a sedução para a solidão, o despojamento que o convite divino instaura como caminho de plenitude na vida destas pessoas e a necessária transformação pessoal para que se possa viver o encontro com Deus manifestado no projeto de vida cartusiano.

Este projeto é expresso na recepção dos noviços: “Estejam prontos para abraçar o nosso tipo de vida monástica como uma via através da qual Deus vos guiará até o santuário interior da vossa alma, lá onde Ele deseja revelar a Sua presença”. A presença forte do Mistério Sagrado ainda se encontra na conversa serena com o monge cego sobre a morte, a alegria do encontro com Deus que ela propicia e a concepção de tempo sagrado na qual só se vive o hoje, o presente, o Kairós. É a opinião de quem encara com naturalidade tudo isto porque aprendeu a conviver com a condição humana em sua concretude, finitude e perecibilidade. E esta forte Presença é que é capaz de transformar toda a rotina em Encontro e Comunicação, pois “Diante da imensidão desta Presença, o monge adotará espontaneamente, uma atitude de quietude apaixonada que, pouco a pouco, se apossará de toda a sua existência, convertendo-a em oração.” . Neste sentido, este filme, mais que falar do silêncio, fala da comunicação sutil entre Deus e estes monges e da comunicação existente nesta comunidade.

Porém, este Sagrado experimentado na vida cartusiana, não é oposto à condição humana. Aliás, o encontro com este Mistério é humanizante, uma vez que é capaz de “tirar o coração de pedra e colocar no lugar um coração de carne” (cf. Ez 36, 26). A humanidade é realçada, sobretudo na exposição simples de elementos cotidianos de suas vidas: na conversa com os gatos, na brincadeira durante a recreação e no prazer pueril de deslizar na neve, na conversa sobre uma viagem a ser feita, em alguns olhares com um leve sorriso para a câmera, no alimentar-se e nos trabalhos manuais, nos bilhetes revelando o que cada um necessita, no sentar-se no chão etc. Nesta simplicidade, aparece também a importância da vida fraterna, mesmo neste ambiente austero e solitário: abundam os gestos de afeto, de cortesia, de acolhida, de cuidado de um para com o outro, seja no preparo dos alimentos, na costura das roupas, na limpeza, no corte dos cabelos, no passar pomada no corpo de outro monge... Enfim, nos pequenos cuidados que a vida cotidiana exige de cada um para que tudo ande bem e a vocação a que se sentem chamados possa ser realizada.

Esta vivência da fraternidade e do desprendimento parece apontar para um sentido profético da vocação monástica em sua radicalidade: a abertura ao Absoluto e a vida pautada por valores nascidos do encontro com o Sagrado podem indicar que é possível e necessária a construção de uma sociedade que se paute mais pela justiça, solidariedade e verdade nas relações interpessoais e sociais e nos faz sonhar com um futuro de harmonia e de comunhão entre os seres todos e com Deus. Também possuem uma dimensão escatológica, pois nos propiciam uma reflexão sobre o sentido último da realidade e das coisas que nos cercam e com as quais convivemos, muitas vezes absolutizando-as e tornando-nos escravos delas e coisificando nossas relações com as pessoas e com o próprio Deus. Além do mais, esta vocação não é resultado de uma proposta individualista, mas é vivida no compromisso com a humanidade, pois “Separados de todos, estamos unidos a todos já que é em nome de todos que nos mantemos na presença do Deus vivo” (Estatuto da Ordem dos Cartuxos 34.2), sendo solidários com todos os que sofrem.

O filme termina retomando as cenas iniciais do monge absorto em oração e novamente entra a citação de I Rs 19, 11-13, que é um ótimo retrato de todo trabalho apresentado e da vida dos cartuxos: nada de extraordinário ocorreu. Nada de fantástico. Somente homens frágeis e simples – e aqui está o extraordinário –, vivendo compenetradamente a busca de se centrar no Absoluto de Deus e escutar Sua voz. Somente neste silêncio se é capaz de perceber o murmúrio suave de Sua voz, obedecê-La e viver sem medo de encontrá-La.

Neste sentido é que gostaria de reproduzir aqui um texto presente no diário de Thomas Merton: “A grande alegria da vida solitária não se encontra simplesmente na quietude, na beleza e na paz da natureza, do canto nos pássaros, etc., nem na paz do coração da própria pessoa, mas no despertar e sintonizar o coração com a voz de Deus – com a certeza íntima, inexplicável, serena, definida da vocação para obedecê-Lo, para ouvi-Lo, para adorá-Lo aqui, agora, hoje, em silêncio e sozinho, e que é essa toda a razão da existência, isso que torna a existência fecunda e dá fecundidade a todos os outros (bons) atos da pessoa em pauta e é a redenção e purificação de seu coração, que esteve morto em pecado. Não é simplesmente uma questão de ‘existir’ sozinho, e sim de fazer, com compreensão e alegria, ‘o trabalho de cela’, que é feito em silêncio e não de acordo com a escolha pessoal ou a pressão das necessidades, mas em obediência a Deus. Como a voz de Deus não é ‘ouvida’ a todo instante, parte do ‘trabalho de cela’ é atenção, para que nenhum dos sons dessa Voz possa ficar perdido. Quando vemos quão pouco nós ouvimos, e quão obstinados e grosseiros são os nossos corações, percebemos como o trabalho é importante e como estamos mal preparados para fazê-lo.”

É um filme rico que além de apresentar a vida em uma comunidade organizada a partir de um ideal contemplativo, propõe uma reflexão sobre a condição humana em sua riqueza e finitude, sobre a sociedade, as relações estabelecidas com as coisas e a natureza e, sobretudo, aponta para a dimensão de interioridade presente em toda pessoa e que precisa ser recordada. Somente o cultivo desta dimensão é que permite perceber que a realidade é habitada por algo da ordem do indizível, do inominável, do inapreensível por nossos conceitos e categorias.

Para ler mais:


Uma observação:
Já vi esse filme 5 vezes e não sei usar palavras para expressar os sentimentos despertados cada vez que o vejo. É um filme escandalosamente belo e terno!!
Enoisa Veras

Fernando Lugo causou uma grande dor à Igreja católica

O representante do Papa Bento XVI no Paraguai, Dom Orlando Antonini, assegurou hoje que o caso de Fernando Lugo causou uma grande dor à Igreja católica. Ele se referia à decisão do presidente de abandonar sua qualidade de bispo para se dedicar à atividade política. No entanto, Antonini assegurou que esse fato não altera as relações entre a Santa Sé e o país. O núncio apostólico do Vaticano, Orlando Antonini, se despediu nesta sexta-feira do presidente paraguaio Fernando Lugo. O presidente abandonou sua condição de sacerdote para se dedicar à política. O Vaticano sancionou-lhe com uma suspensão. Lugo foi bispo de San Pedro por muitos anos. A reportagem é do sítio Periodista Digital, 11-09-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS

Antonini manifestou que o caso do ex-bispo Lugo causou uma grande dor para a Igreja católica. Indicou que o fato repercute em toda a instituição eclesial. "Espero que os paraguaios reconheçam esse sofriemnto da Igreja, esse sacrifício que a Igreja fez, que isso seja valorizado", afirmou o representante do Vaticano na sede do Palácio de Governo.

O bispo indicou que, nesta sexta-feira, se despediu do presidente ao término de sua missão no Paraguai. Antonini assegurou que disse a Lugo que seu caso não alterou as relações entre o Paraguai e o Vaticano. Assinalou que o processo que culminou com uma "suspensão a divinis" foi uma experiência muito difícil para a Igreja.

"A Igreja ficou em um estado ruim e precisará de anos para digerir o que aconteceu. Mas isso vai ser superado. Tenho a confiança de que o processo iniciado no Paraguai, essa evolução democrática, irá continuar", disse posteriormente.

Ele indicou que a Igreja também considera como parte do problema o caso de paternidade reconhecido por Fernando Lugo, que concebeu um filho com Viviana Carrillo quando ainda era sacerdote. Existe outro caso de paternidade, pedido por Benigna Leguizamón, que está tramitando nos estratos judiciais. Uma terceira mulher também denunciou ter tido um filho com o presidente, mas não iniciou um processo na justiça.

Também foi perguntado a Antonini como ele vê o fato de que os bispos paraguaios aproveitem sua posição na Igreja para fazer política. Não foram mencionados nomes. O núncio disse: "Há muito tempo destacamos a necessidade de equilibrar nossa intervenção. Os bispos e sacerdotes devem atuar no social e no político com a dimensão espiritual".

O bispo disse que é preciso que os religiosos ponham Cristo em primeiro lugar. Assegurou que é preciso lidar com a questão dos pobres a partir da "luz de Deus".

"Se não fizermos assim, se não vermos o problema social à luz do Espírito de Deus, há o risco de que o pobre seja explorado, de que seja utilizado como pretexto para programas partidários ou de outro tipo", acrescentou.

Orlando Antonini indicou que a situação do ex-bispo Fernando Lugo se converteu em um caso institucional para a Igreja quando se tornou presidente, quando venceu as eleições gerais ocorridas no dia 20 de abril do ano passado.

"Nós reconhecemos a vontade do povo. Não há dificuldades nisso. É o presidente", assumiu.

No entanto, indicou que, a seu ver, um problema como o gerado por Fernando Lugo não pode passar despercebido. Ele lembrou que a Igreja tentou impedir que ele deixasse sua qualidade de eclesiástico, mas não conseguiu.

Para ler mais:


Uma observação:
Penso que o caso do presidente Lugo não deveria causar tamanha dor à Igreja Católica. As questões referentes ao presidente paraguaio deveriam ser melhor enfrentadas pela Igreja que poderia aproveitar o momento para repensar, entre outros desafios, o do celibato. A atuação de sacerdotes e bispos no social e no político apenas com a dimensão espiritual, desejada pelo Núncio, precisa ser melhor explicada para ser também melhor compreendida pelo clero e leigos/as, uma vez que a atuações dos políticos têm consequências concretas - e nefastas, em sua maioria - na sociedade. Penso ainda que a Igreja Católica deveria sentir tamanha dor, inclusive de forma mais evidente e concreta, diante dos crimes cometidos, por exemplo, pelo Pe. Marcial Maciel, o fundador dos Legionários de Cristo. Causa-me profunda perplexidade, e dor, bispos esconderem determinados crimes cujos autores deveriam ter sido , à época, exemplarmente punidos.
Enoisa Veras

12/09/2009

Campanha da Fraternidade 2010

Economia e Vida. Lançado o material da CF Ecomunênica de 2010

“A Campanha da Fraternidade Ecumênica visa a fortalecer os laços de fraternidade e de cooperação do povo cristão a serviço da transformação da sociedade brasileira para que seja mais justa e solidária”. A afirmação é do presidente do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), pastor luterano Carlos Möller, ao abrir ontem, 10, o ato de lançamento do material da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010, que abordará o tema “Economia e Vida”. O evento aconteceu no Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. A notícia é do Boletim da CNBB, 11-09-2009.
Fonte: UNISINOS

Além de religiosos das cinco Igrejas que compõem o Conic, o ato contou com a presença da senadora Mariana Silva, do economista Paul Singer e do subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Perly Cipriano, além de turistas que visitavam o local. Um grupo que trabalha com a economia solidária, em Duque de Caxias (RJ), veio especialmente para o evento, carregando uma faixa de apoio à Campanha da Fraternidade do ano que vem.

O Conic não quer criticar os sistemas econômicos, mas espera que a Campanha da Fraternidade mobilize as Igrejas e a sociedade para dar respostas concretas às necessidades básicas da pessoa humana e à salvaguarda da natureza”, disse o secretário geral do Conic, reverendo Luiz Alberto Barbosa, um dos coordenadores da próxima Campanha da Fraternidade que, pela terceira vez, será ecumênica.

É preciso educar a sociedade afirmando que um novo modelo econômico é possível e denunciar as distorções da realidade econômica existente para que a economia esteja a serviço da vida”, completou o reverendo.

Eu sonhava com a Campanha da Fraternidade sobre economia e vida. Este sonho está se realizando neste momento”, disse o economista Paul Singer, um dos convidados para o evento. Singer criticou a economia capitalista “que não gera vida” e “que não realiza justiça”. “Antes eu queria que o capitalismo fosse destruído. Agora penso que ele precisa ser superado”, disse o economista. “O amor deve entrar na discussão da economia. Além de água e alimento, carecemos de ser amados”, acentuou. Para o economista, não existe apenas uma economia, mas “economias”.

A ex-ministra e senadora, Marina Silva, destacou que a economia deve ser vista na perspectiva da solidariedade que implica uma “nova forma de nos relacionarmos com os outros e com a natureza”. Ela condenou o pragmatismo que tem tirado dos jovens o direito de sonhar. “O pragmatismo tem destruído a natureza, as relações políticas e tem levado os jovens a não sonhar e a não querer transformar o mundo”, disse Marina.

Segundo a ex-ministra, é necessário pensar a economia como fonte de vida. “Precisamos mudar a nossa forma de produzir, de consumir e de nos relacionarmos com a natureza”, disse.

Já o subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Perly Cipriano, entende que a próxima CF será dirigia “aos que têm fome de pão e sede de justiça”. “O material (da CF) servirá a todas as pessoas, escolas, sindicatos, mídia e Igrejas. Ajudará para que as pessoas pensem: a economia (que temos) serve para atender às necessidades das pessoas ou para oprimi-las”, sublinhou.

A Campanha da Fraternidade de 2010 só começará na quarta-feira de Cinzas, dia 17 de fevereiro. O material é lançado com antecedência para que as lideranças se capacitem a fim de levar o debate às comunidades. O lema que vai animar as discussões desta Campanha é extraído do Evangelho de São Mateus: “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”.

A principal publicação sobre o conteúdo da CF é o texto base, um livro de 80 páginas, escrito com a participação de peritos em economia. “O sistema econômico deve visar o bem comum. Recebemos os bens para a vida e não a vida para a riqueza”, disse o reverendo Luiz Alberto. Um kit com todo o material foi entregue aos participantes do evento, inclusive à imprensa. Publicado pelas Edições CNBB, o material estará disponível nas livrarias católicas na próxima semana.

A cerimônia no Cristo Redentor foi encerrada com uma oração ecumênica presidida pelo secretário geral da CNBB, Dom Dimas Lara Barbosa, e pelos pastores das outras Igrejas presentes ao ato.

10/09/2009

Luiz Bassegio e Ir. Ana Maria Delazeri

Grito dos Excluídos Dourados: Não à corrupção! Sim aos Direitos Sociais

Luiz Bassegio e Ir. Ana Maria Delazeri, ambos do Grito dos Excluídos/as e da Pastoral dos Migrantes
Fonte: Adital



Grito dos Excluídos/as em Dourados mobiliza milhares de pessoas


Em Dourados, Mato Grosso do Sul, a vontade de gritar era tão grande que o 15º Grito dos Excluídos/as, começou uma semana antes do dia 07 de setembro. No dia 31 de agosto, teve início a Semana da Consciência Política. Evento que realizou sete noites de debates em torno de diversos temas como: ética na política; movimentos sociais e transformação social; A sociedade na universidade e a universidade na sociedade; O que é feminismo; Basta de corrupção e; A vida em primeiro lugar: direitos sociais para superar a crise. Mais de cem pessoas compareceram aos debates, o que mostra a insatisfação e ao mesmo tempo a disposição da população em encontrar soluções para os problemas.

Na noite de sexta-feira, 04 de setembro, houve Audiência Pública na Câmara de Vereadores de Dourados. Foram 130 pessoas discutindo direitos sociais para superar a crise.

Animados pelo debate provocado pelo secretário do Grito dos Excluídos/as Continental em torno do tema, a plenária foi unânime em afirmar que:

- A crise mundial é fruto de uma crise do paradigma do capitalismo. Este modelo não serve para resolver os problemas dos povos e é preciso superá-lo para que todos/as tenham uma vida digna no presente e no futuro;

- Os culpados pela crise não é o povo, e sim os bancos, o sistema financeiro, o FMI, o Banco Mundial e as transnacionais. Com a ganância de obterem lucros cada vez maiores em menor tempo, desregularam as regras de mercado criadas por eles próprios;

- Os trabalhadores não aceitam pagar o ônus pela crise. Que paguem quem as produziu;

- A solução já não passa mais por colocar escoras para salvar o capitalismo ou o atual modelo econômico mundial, com mais investimentos econômicos mais dinheiro público para salvar os bancos. Precisamos sim mudar a forma de pensar e conduzir a economia;

- Não será diminuindo direitos que sairemos da crise. Pelo contrário, garantindo, ampliando e universalizando direitos sociais, tendo em vista atender as necessidades básicas da população, com saúde, educação, moradia, transporte e um meio-ambiente saudável para todos/as e para as gerações presentes e futuras, poderemos pensar num mundo sem exclusões. Um mundo sustentável. Qualquer outra teoria que priorize o bem estar de poucos em detrimento de muitos, já está comprovadamente condenada ao fracasso. A história fala por si só.

Por isso a força do slogan: Nenhum direito a menos.

Preparando o sete de setembro

No dia 05, pela manhã foi realizado um mutirão, no centro da cidade, convocando a população para participar do Grito dos Excluídos/as, no desfile oficial de 07 de setembro. Data da suposta independência do Brasil.

O tema principal foi contra a corrupção. Isto porque a polícia federal, após longa investigação sobre a sonegação de impostos, formação de quadrilha, narcotráfico e desvio de recursos públicos, prendeu mais de 40 pessoas, das 72 implicadas. Mas, como pizza é um prato muito apreciado pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, todos/as foram liberados. Inclusive o presidente da Câmara de Vereadores da cidade. Tudo devidamente justificado por advogados defensores da ética, moral e bons costumes. Afinal, autoridades geralmente possuem endereço fixo, família, reputação e outras "coi$itas mas" que permitem a nossa justa justiça cega mantê-los em liberdade. Mas justiça popular pensa diferente e não deu trégua neste sete de setembro saindo às ruas no 15º Grito dos Excluídos/as em Dourados gritando não a impunidade.

Milhares de panfletos convocatórios diziam: "é preciso gritar contra a impunidade e em favor da justiça". Gritar pela construção de uma cidade onde os douradenses tenham acesso ao direito fundamental de ver seus impostos aplicados em políticas sociais e não rolarem nas valas da corrupção. Nosso grito quer chamar o povo para uma ação concreta contra a corrupção.

A coordenação do Comitê Regional de Defesa Popular foi surpreendida com uma liminar da juíza local, proibindo que no ato do Grito dos Excluídos/as, o povo manifestasse sua indignação contra esta corrupção. Imagens, fotos e o nome dos corruptos deveriam ser omitidos ao povo.

O Grito em sete de setembro

Após uma semana intensa de atividades com palestra e atos públicos, entrevistas e reuniões, o Grito dos Excluídos/as em Dourados MS, foi às ruas neste sete de setembro pedindo justiça para que todos os políticos envolvidos em atos de corrupção pública sejam punidos. É necessário e urgente a aprovação de uma Reforma Política que acabe com a imunidade parlamentar. Roubou tem que pagar.

Mais de 300 pessoas tomaram a principal avenida da cidade com faixas, fotos, e bandeiras pedindo qualidade no serviço da educação, da saúde e, sobretudo, dignidade para o povo brasileiro. O Grito, mais uma vez, foi ousado. Mostrou a cara e o nome dos corruptos que deveriam estar na cadeia. Não há liminar que fará calar o Grito do povo. Ele é legítimo e a liberdade de expressão está garantida na Constituição do Brasil.

Blocos também pediam a "demarcação das terras indígenas" e "não a quebra do monopólio dos correios". Os bancários se juntaram com os movimentos cobrando mais responsabilidade social dos banqueiros e menos abuso e demissões.

Convocados durante toda a semana pelo movimento, um público de mais de 10 mil pessoas presentes nas atividades do sete de setembro aguardaram com expectativa a passagem do desfile do Grito.

Com o titulo "Ética na política, porque a minha atitude faz diferença?", o panfleto dizia que além de GRITAR é preciso AGIR. Só assim é possível transformar o mundo em que vivemos.

Por onde o "Grito" passava as pessoas aplaudiam. A organização do evento estima que o Grito deste ano atingiu diretamente um publico de mais de 80 mil pessoas, uma vez que os órgãos de imprensa e os materiais publicados foram distribuídos em muitas regiões.

Frei Gilvander Moreira

15º Grito dos Excluídos em Belo Horizonte

Frei Gilvander Moreira é Mestre em Exegese Bíblica, professor de teologia Bíblica, assessor de CEBs, CEBI, CPT, SAB e MST
Fonte: Adital


Com o tema "VIDA EM PRIMEIRO LUGAR" e com o lema "A força da transformação está na organização popular" aconteceu a 15ª edição do Grito dos Excluídos em Belo Horizonte, dia 07 de setembro de 2009. A concentração foi na Praça da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Pouco-a-pouco foram chegando de todos os cantos e recantos da capital mineira cidadãos/ãs integrantes de Pastorais Sociais, da Igreja Povo de Deus, de Movimentos Populares e sociais, povo excluído. Éramos mais de 2.500 pessoas.

Após todos se cumprimentarem, se acolher mutuamente, com uma boa animação, começou a marcha bem organizada que foi até à Praça Sete, no Centro de Belo Horizonte.

A primeira parada foi ao lado do Banco Central, onde uma enorme faixa preta foi estendida e os clamores dos excluídos escritos. Foram proferidas palavras de ordem contra a Política econômica neoliberal de FHC e Lula, que nos últimos 15 anos vem repassando para os banqueiros (credores da dívida pública) cerca de 250 bilhões de reais por ano, dinheiro que daria para fazer uma revolução na saúde, na educação, na Reforma Agrária, nas áreas sociais.

A segunda parada foi em frente ao Mercado Municipal, ponto tradicional de BH, e chamamos a todos para entrarem na luta contra os transgênicos, por uma alimentação saudável. Militantes carregando grandes peneiras circularam no meio dos freqüentadores do mercado.

Atrás do caminhão de som, o povo cantando e, gritando palavras de ordem marchou até à Praça Sete, onde foram enumerados os gritos dos excluídos e cantada a "Internacional socialista", antes do Hino Nacional.

A Marcha Mundial das Mulheres ergueu a bandeira dos direitos das mulheres: "Basta de machismo, patriarcalismo e violência contra a mulher!"

Os idosos clamaram pelo direito a uma justa aposentadoria, por respeito e por vida digna.
Os homossexuais e as lésbicas levantaram a bandeira do respeito à opção sexual e contra a discriminação homofóbica.

O povo das CEBs - Comunidades Eclesiais de Base - igreja Povo de Deus, que faz opção pelos Pobres também participou, sinal de que o Deus da vida ouve os Gritos dos Excluídos e caminha com o povo em lutas libertárias.

Cerca de 140 mil mulheres da Pastoral da Criança estão no Brasil salvando milhares de crianças.

O povo lutador do Bairro Camargos não descansará, enquanto a empresa SERQUIP não sair definitivamente do bairro. Sem licença de Operação e sem autorização judicial, a empresa continua no local. A SERQUIP, empresa que incinera lixo hospitalar e tóxico, já causou a morte de várias pessoas por doenças como o câncer. Muita gente que reside próximo à incineração está com a saúde avariada por causa da nuvem de dioxina que exala das chaminés da SERQUIP. Por lei essa atividade é vedada em bairro residencial.

Um grupo de Sem Terra do MST ergueu a bandeira da Reforma Agrária. Cobraram do Lula a atualização dos Índices de Produtividade, pois os existentes são de 1975. Estão defasados há 34 anos. "Não ao agronegócio que dissemina monoculturas de cana, soja, eucalipto pelo território brasileiro, deixando atrás de si um rastro de devastação ambiental. Sim à agricultura familiar com adubação orgânica na linha da agroecologia", gritavam os Sem Terra.

As Ocupações Camilo Torres e Dandara marcaram presença. Seguem, de cabeça erguida, conquistando moradia popular na luta. Comunicaram a todos que o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, dia 21/08/2009, enviou à Câmara Municipal o Projeto de Lei 728/09, que, caso seja aprovado pela Câmara, autorizará o Executivo Municipal a doar áreas de propriedade do município e a realizar aporte financeiro para o Programa "Minha Casa Minha Vida" e isentar de tributos empreiteiras que estiverem no Programa "Minha Casa Minha Vida".

O art. 13 do PL 728/09 diz: "As famílias que invadirem áreas de propriedade pública ou privada a partir da data de publicação desta Lei não serão contempladas pela mesma." Foi denunciado a inconstitucionalidade, a truculência, a imoralidade e o absurdo desse art. 13. O prefeito quer defender direito à propriedade absoluta, o que é vetado pela Constituição Federal. Quer impedir o direito à luta organizada; também quer aplicar o código penal, pois quer impor PENA a quem "invadir".

Na Mensagem n. 19 à Câmara Municipal, apresentando o PL 728/09, o prefeito diz, entre tantas considerações: "Cabe destacar que o déficit habitacional de Belo Horizonte é de mais de cinqüenta e três mil famílias (segundo dados da Fundação João Pinheiro), e que, em recente data, o Executivo realizou a caracterização de demanda através de inscrição de interessados ao Programa ("Minha Casa Minha Vida"), resultando num total de mais duzentos mil inscritos."

Centenas de jovens do PRO-JOVEM cobraram direito à educação de qualidade.

Um grupo recolheu assinaturas de eleitores para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular "FICHA LIMPA" que visa impedir legalmente que alguém que esteja processado na justiça e com julgamento em Segunda Instância se candidate a um cargo político.

Que a indignação diante da truculência da Polícia e da opressão capitalista nos faça mais comprometidos na luta pela construção de uma sociedade justa e solidária.

A polícia militar de MG, de forma truculenta, sem nenhuma necessidade, quase no final do Grito dos Excluídos, prendeu dois trabalhadores que se manifestavam: um da Ocupação Camilo Torres e outro do PRO-JOVEM, um carpinteiro de 25 anos, há 9 anos trabalhando na mesma firma, pai de uma criança de 4 meses, estudante do PRO-JOVEM. Após ser derrubado por policiais e algemado com as mãos para trás, foi levado à delegacia onde ficou preso por cerca de 5 horas, algemado. Motivo da prisão: Quando o povo ocupou a Av. Amazonas para terminar o Grito, um policial em uma motocicleta chegou e gritava de forma desrespeitosa ameaçando passar por cima do povo se não abrissem o espaço. Um dos jovens tirou uma fotografia do policial, que se irritou e o algemou sob os olhares do povo. O outro disse: "Temos direito de manifestar. Por isso não vamos sair daqui. Se quiser, passe por cima de nós." Foi o suficiente para o grupo de policiais militares de forma truculenta prender os dois.

Na região metropolitana de Belo Horizonte, em Ribeirão das Neves e em Betim também aconteceram Grito dos Excluídos. Em Neves o povo denunciou governo de Minas que firmou convênio com 5 empresas, para a construção e administração de um complexo penitenciário para 3.041 encarcerados pelo prazo de 27 anos, através de PPP’s. O governo pagará R$2.100,00 (dois mil e cem reais) por mês, por preso. Obviamente, o povo pagará essa conta. Preso não é mercadoria, cadeia não é negócio. Privatizar a execução penal além de inconstitucional não resolve a questão em si; a questão social não é e nem pode ser considerada "caso de polícia". A privatização dos presídios é uma proposta fracassada no mundo inteiro, como comprova a experiência estadunidense, onde há 3.100.000 encarcerados e outros 5 milhões cumprindo penas alternativas, maior reincidência e precarização das condições de encarceramento diante da necessidade de diminuir custos para ampliar lucratividade.

P.S.: Milagre... Segue a matéria da TV Globo fez sobre o Grito dos excluídos em Belo Horizonte. 08/09/2009. Clique no link abaixo e assista à reportagem:
http://globominas.globo.com/GloboMinas/Noticias/MGTV/0,,MUL1295141-9033-16339,00.html

Organização do Grito dos Excluídos em BH, em 07/09/2009:
Pastorais Sociais, CEBs, CONIC, Fórum Interreligioso, Maristas, MTC, AMES-BH, Assembleias Populares, Brigadas Populares, Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial, CONLUTAS, Grupo Univ. Defesa Div. Sexual, Marcha Mundial das Mulheres, Movimento de Lutas de Vilas e Favelas, Movimento dos Sem Universidade, Sindicato dos Economistas, Sindicato dos Jornalistas, PCB, PSTU, PSOL, PCR...

08/09/2009

29º Congresso de Teologia

Urge uma mudança de rumo na política econômica que beneficia os poderosos


“No processo das reflexões abertas no Congresso evidenciou-se a necessidade de construir uma nova ordem mundial – política, econômica, jurídica – alternativa ao neoliberalismo, baseada na cooperação, na solidariedade e capaz de implementar controles efetivos no atual sistema financeiro para evitar os abusos produzidos sistematicamente.” O compromisso faz parte da carta-resumo do 29º Congresso de Teologia, realizado na Espanha, e que está publicada no sítio Religión Digital, 6-09-2009. A tradução é do Cepat.
Fonte: UNISINOS


De 3 a 6 de setembro de 2009, sensibilizados com a situação de crise que estamos atravessando, realizou-se em Madri o 29º Congresso de Teologia com o lema O Cristianismo diante da crise econômica. Como resumo das discussões havidas no Congresso, destacamos o seguinte:

1. O choque sofrido pelo chamado Primeiro Mundo, cujos efeitos se alastraram imediatamente para o mundo inteiro, em consequência da crise econômica de 2008 e 2009, comparável apenas com o histórico crack ou “grande depressão” dos anos 1930, está destroçando o Estado de Bem-estar alcançado nas últimas décadas por um pequeno número de países privilegiados, mergulhando o resto do mundo em um caos de efeitos incalculáveis. Estes fatos supõem uma prova de fogo não somente para os dirigentes mundiais, mas também para as consciências de muitos cristãos, ao questionar seu nível de solidariedade comprometida.

2. Uma situação como esta deve ser contemplada não apenas desde uma perspectiva econômica, mas de um ponto de vista sociológico e, sobretudo, com uma profunda sensibilidade cristã. Trata-se de uma realidade de injustiça econômica excludente dos mais necessitados e vulneráveis da sociedade, que já havia entre nós antes de 2008 e que explodiu agora, evidenciando a fragilidade de uma sociedade na qual foram minados os valores cristãos pelo enriquecimento fácil e a ostentação sem limites, que dão origem a um estado de injustiça que fez com que os índices de desigualdade e de pobreza não somente não se tenham reduzido nos anos de prosperidade e desenvolvimento social, como se mantiveram constantes ao longo de todo este período.

3. Nestes tempos invernais em que não apenas a economia e a política, mas também a fé e a ética estão em crise, é hora de se solidarizar com os grupos mais frágeis da humanidade e recuperar alguns valores cristãos, como a opção preferencial pelos pobres, assim como a identificação com os mártires da terra, dando respostas tanto às demandas do Terceiro Mundo como aos bolsões de pobreza do Quarto Mundo, estabelecendo assim pontes de comunicação a partir de uma sensibilidade genuinamente cristã.

4. Mesmo que consideremos o sistema capitalista como o responsável pela crise, que permite que poucos se enriqueçam às custas do empobrecimento das maiorias populares, denunciamos a apatia e a falta de compromisso social das confissões religiosas, que se preocupam mais com questões relativas ao poder e em continuar defendendo situações de privilégio no campo econômico e social do que em denunciar as injustiças de um sistema que tortura os setores mais necessitados. Por este motivo, entendemos que devem ser ativadas as melhores tradições de justiça, igualdade e solidariedade de todas as religiões e movimentos espirituais através de iniciativas comuns que ajudem, desde colocações éticas responsáveis, a introduzir uma mudança radical no comportamento social.

5. No processo das reflexões abertas no Congresso evidenciou-se a necessidade de construir uma nova ordem mundial – política, econômica, jurídica – alternativa ao neoliberalismo, baseada na cooperação, na solidariedade e capaz de implementar controles efetivos no atual sistema financeiro para evitar os abusos produzidos sistematicamente. E, a nível nacional, que urge uma mudança de rumo da política econômica que beneficia os poderosos e a implantação de políticas fiscais e sociais favoráveis aos setores mais desfavorecidos.

6. No campo pessoal, como cidadãos e crentes, temos que nos deixar interpelar pela atual crise e assumir compromissos concretos nos diversos níveis em que nos movemos, renunciando ao consumo irracional e não solidário, vivendo com austeridade, solidarizando-nos de maneira efetiva com as vítimas da crise, trabalhando pela justiça e lutando contra a discriminação em todas as suas formas e manifestações étnicas, raciais, sexistas, sociais e culturais.

7. Como participantes do Congresso de Teologia, e como expressão da nossa identidade cristã, fazemos nosso o sofrimento de uma humanidade sofrida, em especial dos setores excluídos do mercado de trabalho, despossuídos de todo tipo de direitos sociais e clamamos pelo estabelecimento de uma sociedade mais justa e equilibrada, na qual se deixe ouvir a voz e o pranto dos mais pobres dentre os pobres, os que foram jogados fora do mercado de trabalho, tendo sido privados de seu sustento e de sua dignidade.

03/09/2009

Pe. Alfredo J. Gonçalves

Culto do ‘eu’

Pe. Alfredo J. Gonçalves é assessor das Pastorais Sociais
Fonte: Adital

No individualismo exacerbado da sociedade moderna ou pós-moderna, o culto ao "eu" ganha uma relevância sem precedentes. Semelhante culto se expressa de variadas formas: a primeira e mais visível é a busca obsessiva do corpo perfeito protagonizada especialmente pelas meninas vinculadas ao mundo da moda, com seus desfiles, passarelas, luzes e glamour. A tirania da beleza lhes impõe um regime de verdadeira tortura, além de difundir uma espécie de remorso nas pessoas "normais".

Mas o culto ao "eu" também está presente no assédio impudico às celebridades, ou grandes personalidades. De alguma forma, tanto as câmaras e holofotes da mídia quanto o público em geral, projetam nessas figuras o sucesso que sonham para si mesmos, embora continuem rastejando pelo mundo dos simples mortais. De fato as estrelas, embora ofusquem os planetas, conferem-lhe algum brilho. Mesmo girando em órbitas distintas os astros se atraem na infinitude do universo. Daí o afã dos "paparazzi" pela invasão de privacidade a todo custo.

O hedonismo, entendido como o prazer pelo prazer, é outra marca do culto ao "eu". Se confrontarmos os anos de 1950, 60 e 70, com os dias atuais, podemos ter uma idéia do que isso significa. De fato, em décadas passadas, predominava na cultura geral a preocupação com o "bem estar social". Basta reportarmo-nos a figuras como John Lennon ou The Beatles, a Nelson Mandela, Dom Oscar Romero e Hélder Câmara, às canções da Bossa Nova ou da MPB, à manifestações juvenis dos anos 60 em Paris e México, por exemplo, às ações das Igrejas no processo de libertação latinomericano, aos movimentos sociais, universitários e estudantis, à educação Paulo Freire e Ligas Camponesas, enfim, ao desenvolvimento dos debates em torno do socialismo e suas ações concretas. Em tudo isso, o foco das atenções estava centrado numa perspectiva claramente sócio-política.

Atualmente o foco do"bem estar social" foi substituído pelo foco do "bem estar pessoal". "Estar numa boa" é uma das expressões dessa virada histórica. O verbo ficar ao invés de namorar também não deixa de ser uma metáfora dessa mudança cultural mais abrangente. As relações tendem a ser mais efêmeras, descartáveis, sem responsabilidades duradouras. A própria dança, em lugar de revelar um casal apaixonado, aparece muito mais como um exibicionismo contorcionista de um parceiro frente ao outro. Mas isso não se dá somente entre os jovens e adolescentes, como se costuma insinuar. Na sociedade como um todo, é frequente o isolamento individual diante da multidão de estranhos.

Desde um ponto de vista religioso e católico, uma rápida olhada para os hinos tocados nas missas ou celebrações segue a mesma direção. Em não poucos casos, o "nós" de décadas passadas dá lugar ao "eu": ao invés do "Povo de Deus", eu e Jesus, eu e Deus, e assim por diante. A Teologia da Libertação, as CEBs e as Pastorais Sociais sofrem um processo de encolhimento, ao mesmo tempo que florescem os movimentos religiosos de caráter espiritual e intimista. Também a fé tende a privatizar-se, tornando-se uma opção individual com pouca ou nenhuma repercussão social.

O resultado é que o conceito de transformação social ou política está desacreditado. Mudança virou sinônimo de espetáculo, não de processo lento e laborioso. Funcionam melhor os analgésicos da vida moderna. Não se pensam em projetos de longo prazo, mas em remédios imediatos para problemas imediatos. O importante é responder aos males do "aqui e agora". Daí o sucesso da varinha mágica de Henry Porter, da força de Rambo, da sorte lotérica, das lições de auto-ajuda, dos milagrismos, entre tantos outros paliativos.

Facilmente se esquece que as mudanças, a exemplo da espiga, da flor, da árvore e do edifício, levantam-se do chão. A exemplo das sementes, maturam na terra escura e úmida, antes de se projetarem no céu e no ar livre. Criam raízes antes de verem a luz do sol, crescem para baixo antes de cresceram para cima. O mesmo se dá com os sonhos e utopias. Se não partirem do contexto histórico, com o complexo de seus problemas econômicos, políticos e sociais, jamais poderão elevar-se a um horizonte alternativo. Sem raízes, a árvore é manipulada pelos ventos e os projetos sociais pelas tempestades variantes da política.

Waldemar Rossi

Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.
Fonte: Correio da Cidadania


Os trabalhadores brasileiros organizam seu 15º Grito dos Excluídos. É o momento certo para dizer um sonoro "Basta!" aos desmandos econômicos, políticos e éticos que são praticados no país.

Nascido das Semanas Sociais Brasileiras, organizadas pelos setores pastorais da CNBB, contando com a participação de inúmeros movimentos sociais, o Grito dos Excluídos vai se tornando uma realidade nacional e sul-americana. De início, restringiu-se à cidade de Aparecida, no estado de São Paulo, em conjunto com a Romaria dos Trabalhadores, e mais algumas cidades espalhadas pelo Brasil. Já no ano seguinte, o Grito se espalhou e hoje se realiza na maioria das cidades grandes e médias do país. Seus temas são sempre os que estão relacionados com a população mais marginalizada, daqueles que não conseguem ser ouvidos pelos poderosos que governam a nação. São os gritos dos sem terra, dos sem moradia, dos moradores de rua, dos menores abandonados, dos sem trabalho, dos sem serviços de saúde e educação públicas, dos discriminados por serem negros ou mulheres.

Enfim, têm sido os gritos dos marginalizados por essa sociedade hipócrita, exploradora, concentradora das riquezas socialmente produzidas, discriminadora, corrompida e corruptora em todos os seus "Poderes".

Entre os temas mais constantes dos Gritos está o despertar da consciência para a importância da organização e da ação popular como força transformadora da nação. Outro tema central tem sido a Defesa da Vida como dom maior de toda a Humanidade e não um privilégio de uma minoria sem escrúpulos.

Neste ano os temas vão também na direção de "A vida em primeiro lugar" e "A força da transformação está na organização popular".

O primeiro tema quer nos fazer compreender que os interesses do capital não podem continuar a se sobrepor ao direito à vida. Direito à vida em todas as suas dimensões: física, cultural, de saúde, de moradia decente, trabalho bem remunerado, lazer sadio, assistência social plena, enfim, de vida que traga felicidade. Neste sentido clama por trabalho para todos, por justa distribuição de rendas, por políticas públicas voltadas para atender às básicas necessidades do povo todo. Aos governantes compete pôr em prática políticas que incluam a todos e todas, e não as que só satisfazem à avidez dos gananciosos. Defender a vida, portanto, deve ser o centro permanente de nossas ações políticas.

O segundo chama a atenção para a importância da organização popular, porque sem organização não haverá ação coletiva e sem ação coletiva não haverá transformação da sociedade. O Grito procura mostrar que historicamente as mudanças só aconteceram quando povos despertaram para a dura realidade de exploração e dominação a que estiveram submetidos; quando descobriram que sua força estava na organização e na ação coletiva.

Assim também aconteceu no Brasil, quando a consciência popular despertou para a compreensão de que a ditadura militar, apesar de todo o poderio das armas, poderia ser derrotada pela pressão do conjunto do povo. A soma das mobilizações populares foi tamanha e tão perseverante que não mais seria possível continuar a reprimi-las. Foram os movimentos nascidos nas comunidades da periferia lutando contra o alto custo de vida; foram os universitários ocupando as ruas das cidades clamando pelo seu fim; foram os intelectuais condenando o regime e exigindo a volta da legalidade; foi a constante condenação das igrejas às violências e à falta de liberdade e ao próprio regime de exceção e, somando-se a tudo o mais, foram os trabalhadores da cidade e do campo com suas greves e movimentos de ocupação que precipitaram o fim do regime de exceção.

Portanto, todos os trabalhadores do Brasil devem se sentir os responsáveis pelo êxito e pela força do Grito dos Excluídos, porque é a classe trabalhadora – incluídas suas famílias, é claro – que vem pagando pelos crimes cometidos pelos que ocuparam os poderes, por aqueles que deveriam governar obedecendo à norma constitucional de que "Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido".

"A vida em primeiro lugar" deve ser nosso brado retumbante e "A força da transformação está na organização popular" deve ser o leme a guiar nossos objetivos imediatos e de longo alcance. Trabalhador consciente, não importa qual seja sua profissão ou ocupação, não pode ficar de fora: participe, FORTALEÇA e faça seu o GRITO DOS EXCLUIDOS!