Fonte: ADITAL
A sociedade moderna impôs a mudança como valor primordial. No universo medieval, cultuavam-se as tradições, os valores estáticos, a ordem estabelecida, os antepassados. As inovações eram vistas com desconfiança, um risco freqüente à estabilidade. O olhar permanecia voltado para o alto e para o passado. Para o alto, porque a última referência vinha de Deus, do céu, do sagrado. Para o passado, porque o certo era seguir a sabedoria acumulada pela experiência.
No mundo moderno, cujo início remonta aos séculos XIII e XIV, com o incremento do comércio e a epopeia dos descobrimentos, cultua-se a novidade. A cada ano, a cada mês ou semana e até mesmo a cada dia, emerge algo novo e fascinante. Instala-se o dinamismo frenético da mudança, acompanhado pelos inventos tecnológicos e pela emergência da individualidade e da subjetividade. O olhar volta-se para o futuro e para o interior dos indivíduos e da sociedade. Os conceitos de razão, ciência, tecnologia, progresso e democracia formam o verdadeiro credo do pensamento moderno. Desvendam-se os mistérios, o antropocentrismo do ser humano emancipado e secularizado substitui a teocentrismo da Idade Média. O renascimento e o iluminismo culminam esse processo de amadurecimento da modernidade.
Com a consolidação da Revolução Industrial, a velocidade da produção e da produtividade sofre um salto gigantesco. As máquinas imprimem um ritmo sem precedentes na história da humanidade. Na abertura da encíclica Rerum Novarum, publicada no final do século XIX, o Papa Leão XIII se refere à "sede de inovações" e à "agitação febril" como marcas de sua época. O adjetivo febril pode ser interpretado de duas formas: em relação ao movimento alucinado das fábricas incipientes, simbolizado pela fumaça de suas chaminés; e em relação à febre progressiva por mudanças e novidades.
Para usar os termos de Hegel, estamos diante dos "tempos modernos". O filósofo identifica os "sinais precursores de que algo diferente se prepara". E diz que a aurora ilumina como um raio " a imagem de um mundo novo". Ainda segundo ele, "o espírito rompeu com o mundo anterior (...); o espírito certamente nunca permanece quieto, mas se acha sempre em movimento incessantemente progressivo" (Cfr. HEGEL, G. W. F. Fenomenologia del Espiritú, Fondo de Cultura Económica, México-Madrid-Buenos Aires, 1996, Intruducción).
Também os conceitos de tempo e espaço sofrem profunda transformação. Os avanços no campo dos transportes, das comunicações e depois na informática reduzem as distâncias, ao mesmo tempo em que aproximam pessoas, povos e culturas. Com a invenção da imprensa, do telégrafo e do telefone (depois o celular), do rádio e da televisão, do computador e da internet, chegamos à era da robótica e da informática. A comunicação via satélite torna-se simultânea aos eventos. Estes substituem a história como processo pelo conceito de história como espetáculo, feita de sensações e emoções. Segundos e centímetros quadrados se convertem em valiosa moeda de troca. Se "tempo é dinheiro", espaço é mercadoria!
Evidente que semelhante mentalidade penetra em todas as camadas sociais, em todas as organizações e entidades, como também nas instâncias do poder e no cotidiano das pessoas. A cultura, a fé e as religiões não são imunes a esse novo modo de pensar e viver. Segundo J. B. Libanio, "a função que os santos cumpriam na Idade Média, e mesmo até há algumas décadas, de serem modelos de vida, força impulsora e motivadora de vocações, hoje é substituída por essas figuras da cultura de massa". O autor põe em contraste duas atitudes básicas: de um lado, figuras centradas em profunda meditação, firmemente enraizadas no terreno da história e no compromisso social. De outro, personalidades midiáticas, de notória superficialidade, voltadas sobre o próprio umbigo. Tão superficiais que, ainda de acordo com Libanio, "devem continuamente ser alternadas", pois "queimam como velas" (Cfr. LIBANIO, J. B. As Lógicas da Cidade, Edições Loyola, São Paulo, 2001, pág. 122).
Semelhantes celebridades constituem, não raro, a prova mais cabal da cultura do consumo e do descartável. Aqui a tecnologia de ponta impõe um círculo vicioso desvairado e devastador: produzir, vender, comprar e descartar. Descartam-se coisas, relações e pessoas com a velocidade de um toque na tecla do computador. O termo deletar transfere-se a outros campos do dia-a-dia: amizades, casamentos, namoros, compromissos, promessas, escritos... Tudo entra no frenesi do consumismo individualista, exacerbado e fortemente hedonista, o qual exige frequente troca de roupa e de moda, de eletrodomésticos, de carro até de comportamento. Ter, prazer e lazer formam uma trilogia de verbos indispensáveis. O culto do "eu" ou da personalidade ergue estátuas com a mesma prontidão com que as reduz a escombros e cinzas. Não é raro a mídia enaltecer para em seguida linchar figuras públicas: artistas, políticos, religiosos, atores, e demais personalidades.
A essa altura, porém, é necessário alertar para uma ambigüidade muito própria dos tempos modernos ou pós-modernos. A cultura ou civilização do consumismo, do hedonismo e do descartável tem seu lado negativo, mas carrega também um potencial positivo. Se, por uma parte, é verdade que essa mentalidade banaliza coisas, pessoas e relações, convivendo com uma superficialidade doentia, por outra parte, de tanto adquirir e descartar, o indivíduo acaba por saturar a própria existência de modismos que se revelam vazios e falsos. Quanto mais se enche de objetos, mais cresce o desejo. Entediado, o mesmo indivíduo pode abrir-se à busca de algo mais profundo e durável, para além das paixões, impulsos e necessidades imediatas. O convívio com o supérfluo pode gerar seu oposto, isto é, um processo laborioso de crítica construtiva e de interioridade reflexiva.
O lixo que o marketing e a publicidade depositam sobre nossas cabeças em avalanches diárias tem a capacidade de fermentar, o que significa destilar energias para a redescoberta de valores esquecidos. Reciclar determinados matérias do lixo é uma forma de questionar um padrão de vida banal e de constante desperdício. A mentalidade dos modismos diários e do desperdício carrega um potencial oculto: pode engendrar a contracultura de uma existência mais sólida e sustentável, mais frugal, sóbria e feliz.
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