Falemos de Deus
Comentário do teólogo José María Castillo em seu blog, 24-11-2010, comentando a entrevista do papa ao jornalista alemão Peter Seewald. A tradução é do Cepat. Fonte: UNISINOS
O recente livro ‘Luz do mundo’ no qual o jornalista Peter Seewald publica uma longa entrevista com Bento XVI está dando o que falar: pílula, celibato dos padres, ordenação das mulheres, pederastas, Marcial Maciel…, tudo isso interessa a muita gente e preocupa o Papa. São temas muito sérios, mas me parece que há algo muito mais sério e mais urgente sobre o que falar. Refiro-me ao tema de Deus.
Se o que diz o papa sobre a pílula, o celibato ou a homossexualidade são temas que interessam, é porque o papa fala com a autoridade de Deus. Ou seja, o que diz o papa é importante porque nós os crentes estamos persuadidos que o que afirma o papa é o que quer Deus. Que importa para um ateu o que pensa o papa sobre a sexualidade ou sobre o padre Maciel? Por isso, nesse momento, o problema mais sério que se coloca não o problema do papa, mas sim o problema de Deus.
O mais grave, que está acontecendo na Igreja, é a sensação de que um Deus que parecia fazer parte das evidencias naturais com as que se contava, passou a tal grau de não-evidência que, não apenas o mundo se pode explicar sem fazer uso de Deus, mas, ainda mais, que esse Deus se considera impossível. O que aconteceu?
Como nos ensinaram a pensar e falar de Deus? De uma forma ou outra, sempre se disse que Deus é “outro ser”, é “outra pessoa”, “um tú”. Sobre esse “outro ser”, sobre “esse tú”, temos projetado tudo o que nós desejamos: poder, sabedoria, majestade, glória, grandeza, dignidade, bondade, longevidade… E assim, nos defrontamos com um Deus infinito, todo poderoso, eterno, glorioso, bondoso sem limites… O que acabou se transformando em um “Deus impossível”, no qual não é possível crer. Porque acaba sendo contraditório: se pode tudo e é tão bom, como explicar que tenha criado esse mundo em que se sofre tanto e acontece tanta desgraça?
Se pensamos Deus como acabo de explicar, o que na realidade fazemos é “representarmos uma realidade imaginária” que brota de nós mesmos, que construimos a partir de nossas carências e de nossos anseios. Ou seja, esse Deus é uma “realidade imanente”. O que quer dizer que assim nós temos um Deus sob medida. Ao fazermos isso liquidamos a “transcedência” de Deus. Ou seja, os teólogos liquidaram o que diferencia e especifica Deus, que é o Transcendente.
Apenas podemos encontrar Deus em “nossa própria imanência”. Ou seja, Deus somente pode ser encontrado em nós mesmos. No mais nobre do que há em nós. E o mais nobre que há em nós é nossa própria humanidade. Precisando mais: apenas podemos encontrar Deus “na humanidade que supera nossa inuhumanidade”.
Encontramos Deus humanizando-nos, ou seja, tornando-nos cada dia mais humanos: potencializando nossa bondade e as dos demais, nossa dignidade e as dos demais, nossa felicidade e as dos demais. Assim, no silêncio de Deus e no vazio de Deus, é onde encontramos Deus. Como escreveu Simone Weil, “Deus brilha no sentido mais positivo do conceito por sua ausência”. Ou como disse o profesor Juan Martín Velasco, “a revelação definitiva de Deus em Jesus Cristo culmina com a morte de seu Filho na cruz; ou seja, na mais total de sua ausência”.