18/07/2009

Dom Giovanni Franzoni

Encíclica do papa: 'Aquele bem comum é muito genérico', afirma teólogo italiano


“Será que [as vítimas das guerras e dos conflitos étnico-religiosos] podem esperar alguma coisa, no momento em que o papa pega na mão a caneta para escrever uma carta ao mundo sobre a justiça e a caridade?” Essa é a pergunta de Giovanni Franzoni, teólogo e escritor italiano, ex-abade da abadia de São Paulo Fora dos Muros, na Itália, em artigo para o jornal Liberazione, 12-07-2009. A tradução é de Benno Dischinger.
Fonte: UNISINOS



Quando os poderosos da Terra se reúnem para se porem de acordo sobre como produzir riqueza e como distribuí-la igualitariamente sobre o planeta, os “condenados da terra”, os espoliados, os marginalizados, os prisioneiros, os repelidos para as plagas da miséria e da violência, para dar segurança à vida boa ao bem-estar do ocidente desenvolvido, deveriam aguçar os seus sentidos e aguardar algum vestígio de esperança de libertação. Temo precisamente que nos campos de prófugos do Darfur, na prisão a céu aberto de Gaza ou entre os iraquenses acampados nos confins da Síria, ou em qualquer outro campo de concentração no qual estão refugiadas as vítimas das guerras e dos conflitos étnico-religiosos não esperem que algo misterioso de qualquer G se reúna.

Será que podem esperar alguma coisa, no momento em que o papa pega na mão a caneta para escrever uma carta ao mundo sobre a justiça e a caridade?

A interrogação é premente no momento em que sai a encíclica do papa Bento "Caritas in veritate" (A caridade na verdade). Provavelmente a carta não chegará diretamente aos “pobres da terra” que dificilmente a lerão, mas certamente chega a todos aqueles que por fé religiosa ou por consciência humanitária estão envolvidos no problema da pobreza no mundo e esperam palavras novas daqueles que são devedores de uma esperança fundada sobre as promessas bíblicas e sobre o anúncio evangélico.

Infelizmente a encíclica papal se alonga e se repete, intercalando os conceitos de justiça, caridade e verdade, sem dar perspectivas concretas e inovadoras. O que se pretende na encíclica na verdade aparece com bastante evidência no contínuo referir-se à autoridade do romano pontífice e na total ausência de uma harmonização das intervenções no âmbito ecumênico e inter-religioso. Parece realmente que a verdade da qual se fala seja a doutrina católica, rigorosamente controlada pela Congregação para a Doutrina da Fé. De colaboração no plano ecumênico realmente não se fala. Certamente o papa se dirige ao mundo e por isso pode ignorar que na Itália haja, com prazo restrito, a declaração dos rendimentos incluindo a destinação dos oito por mil.

Mas, quem assegura que algum pregador, desconsiderado no plano teológico e espertinho no pragmático, não aproveite a ocasião para usar a encíclica como instrumento de apoio à publicidade da igreja católica na TV? As estatísticas nos informam que as igrejas evangélicas tem uma base para conferir os oito por mil muito mais ampla do que tudo o que se poderia esperar dos seus membros de igreja; isto poderia derivar do fato de que as igrejas protestantes publicam os seus balanços sobre oito por mil e só usam os proventos para intervenções sociais, estruturais e assistenciais, excluindo o seu uso para a manutenção do culto e dos pastores. O fato de que a igreja católica use estes fundos também para a manutenção do clero, pode ter convencido muitos católicos a dar sua contribuição aos protestantes. E eis a iluminação que poderia descer de qualquer púlpito: mas a caridade dos protestantes não acontece “na verdade” – é o papa que o diz! – e portanto, não é verdadeira caridade.

Grande alegria espiritual e generoso passo em frente se verificaria no ecumenismo no dia em que as igrejas de qualquer denominação e as religiões de todo o planeta convergissem com os “homens” (... e as mulheres) de “boa vontade” no enfrentamento do problema da pobreza no mundo. Então se poderia exclamar com as palavras das Bíblia: “E a luz se fez”. Um aspecto positivo da encíclica do papa Bento está no espaço dado ao Concílio e aos documentos sociais de Paulo VI. Entre as muitas afirmações dos documentos conciliares sobre os valores da pobreza e sobre a dignidade e as esperanças dos pobres deve-se recordar quanto é afirmado na Apostolicam actuositatem (A atividade apostólica) a propósito da relação entre justiça e caridade.

No parágrafo 8 deste documento, referente ao papel dos leigos na igreja, se lê: “... a pureza de intenção não seja manchada por nenhuma investigação da própria utilidade ou do desejo de domínio; sejam acima de tudo cumpridas as obrigações de justiça, para que não os ofereça como dom de caridade aquilo que já é devido a título de justiça; sejam eliminados não só os efeitos, mas também as causas dos males...” e a ação seja ordenada a libertar da dependência e criar auto-suficiência. Este pensamento foi retomado pelo papa João Paulo II na Mensagem pela Paz de 2000, em vista do Jubileu, mas depois foi esquecido e submerso pela prática das indulgências e das peregrinações. Seria o tempo de retomá-lo e enfrentar agora o tema dos “bens comuns”, ao invés de continuar sempre a falar de convergência para o “bem comum”, que depois cada um interpreta como quer, talvez considerando as recusas dos que requerem asilo como ações voltadas ao bem comum e as ceias de beneficência como a alternativa à solidariedade vivida.

A práxis da solidariedade é bem conhecida entre aqueles que se empenham nas faixas sociais débeis e une crentes e não crentes em projetos concretos e libertadores. Há aqui uma verdade e uma honestidade de ação que poderia ser mais conhecida e apreciada.

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