20/11/2009

Pe. John W. O'Malley


Um novo horizonte católico

Publicamos a seguir a resenha crítica do novo livro do vaticanista norte-americano John L. Allen Jr., "The Future Church: How Ten Trends Are Revolutionizing the Catholic Church" [A Igreja do futuro: Como dez tendências estão revolucionando a Igreja católica] (Ed. Doubleday). O artigo foi escrito por John W. O'Malley, padre jesuíta, historiador da Igreja e professor de teologia da Georgetown University, de Washington, nos EUA. O'Malley é autor de"What Happened at Vatican II" [O que aconteceu no Vaticano II] (Ed. Harvard) e "A History of the Popes" [Uma história dos Papas] (Ed. Sheed and Ward). O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 10-11-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


Perceptivo, imparcial, provoca o pensamento, expande horizontes, incrivelmente bem informado – palavras como essas pulam em minha cabeça enquanto leio o novo livro de John L. Allen Jr., "The Future Church: How Ten Trends Are Revolutionizing the Catholic Church". Eu pensei em ter detectado em sua introdução uma nota de desculpas por escrever como "um jornalista, não um padre, um teólogo ou um acadêmico". Suas credenciais, como os leitores do NCR sabem, são muito boas. Se você tem dúvidas, o livro irá dissipá-las.

O título é provocativo por prometer mais do que qualquer um pode oferecer. Allen tem muito senso para tentar oferecer isso. Ele não fornece nenhum plano para o futuro, nenhum projeto de Igreja. Ele faz exatamente o oposto.

Suas análises das tendências deixam duas coisas claras. Primeiro, estamos à beira de mudanças que, tomadas em conjunto, irão remodelar radicalmente a Igreja. "Revolucionar" é a palavra de Allen. Segundo, as tendências irão seguir seu próprio curso, interagindo entre si e com a cultura em geral, de forma que é impossível dizer quais poderão ser os resultados finais da revolução. Um revolução radical até que ponto? Essa é a dúvida de qualquer um, suponho. As tendências apresentam desafios cuja novidade e magnitude fazem o coração falhar uma batida. Elas, em sua importância cumulativa – falo como historiador – pressagiam mudanças nos padrões católicos sem paralelo no passado. Allen traça essas tendências imparcialmente e, como ele diz, descritivamente, não prescritivamente. Com isso, ele se refere ao fato de não apresentar as tendências nem como boas, nem como más para a Igreja. Ele as apresenta simplesmente como a forma pela qual as coisas estão se movendo.

As tendências, claro, não estão desrelacionadas entre si. "Igreja mundial", não surpreendentemente a primeira tendência com a qual Allen lida, está intimamente relacionada com "A nova demografia", com "Multipolaridade" e com "Globalização".

Até a metade do século, Nigéria, Uganda e a República Democrática do Congo estarão entre os 10 países mais católicos do mundo, tirando a Polônia e a Espanha da lista. Mas essa recente Igreja mundial, um resultado, em parte das mudanças demográficas, é afetada pela globalização. Ela eleva à proeminência valores e prioridades culturais diferentes daqueles do mundo do Atlântico Norte que ainda demarcam as nossas sensibilidades católicas, o que causa a questão multipolar. Uma tendência ameniza ou intensifica a outra, assim como a globalização faz com a afirmação dos valores e prioridades indígenas.

"Catolicismo evangélico" e "Pentecostalismo" também estão intimamente relacionados e, de certa forma, se relacionam com "Islã". Essas três tendências juntas fazem com que o futuro pareça mais conservador em questões sexuais e de gênero. Mas então existe a "Revolução biotécnica", que, junto a outros desenvolvimentos no mundo científico como o "Universo em expansão", desafia os princípios fundamentais da doutrina católica da forma como a conhecemos. Além da clonagem humana, da pesquisa com células-tronco embrionárias e outros assuntos relacionados que geralmente ouvimos falar, a revolução biotécnica cava fundo nos fundamentos da própria religião quando aquela pensa que descobriu um gene de Deus. Em comparação, a tendência "Ecologia" pode parecer inofensiva, mas, como Allen demonstra, ela também derruba padrões estabelecidos de pensamento, de comportamento e teológicos.

Os leitores podem se surpreender ao encontrar "Papéis dos leigos em expansão" entre as tendências, o que levanta a questão de como uma tendência chega às 10 principais. Allen desenvolveu seis critérios: uma tendência deve ser global, deve ter impacto nas bases, deve envolver lideranças oficiais, deve ter potencial para explicar uma ampla variedade de fatores, deve conter poder preditivo e não deve ser movida ideologicamente. Esses critérios permitiram que Allen eliminasse alguns suspeitos habituais, como a crise dos abusos sexuais, João Paulo II e as mulheres. O capítulo sobre "Tendências que não estão", embora curto, irá envolvê-lo tanto quanto os outros.

Para as tendências que estão, Allen divide cada um dos 10 capítulos em duas seções. A primeira, "O que está acontecendo", faz o que promete. Apresenta e analisa informação. Essas seções são, para mim, o que há de mais satisfatório e impressionante no livro. Allen fez a sua lição de casa. Ele estimula o leitor em um curso intensivo sobre o que está acontecendo não apenas na Igreja, mas também na economia, na diplomacia, na política mundial e em temas semelhantes. Eu não sei como os especialistas irão julgar as análises de Allen nesses campos. Tudo o que eu posso dizer é que aprendi muito e acho que você também irá aprender.

A segunda seção, "O que isso significa", especula sobre as consequências das tendências em ordem decrescente de certeza – de quase certo, provável, possível, a poucas chances. O modo subjuntivo domina essa seção. "Poderia" e "deveria" aparecem frequentemente, junto com seus companheiros de viagem "talvez" e "possivelmente". As tendências demográficas podem parecer sólidas, mas elas se reverteram no passado. Uma pandemia ou duas poderiam fazer o mesmo no futuro.

A dieta subjuntiva pode se tornar cansativa. Mas ela deixa claro que forças estão em jogo lá fora, de uma forma totalmente imprevisível. Elas são forças verdadeiramente grandes, com uma mudança errática em seu núcleo. Curingas e cartas surpresa abundam nesse jogo. Talvez essas tendências não irão, no fim, gerar o equivalente eclesial ao Big Bang, mas certamente devem chegar perto.

O livro validou o que eu acredito ser o significado mais duradouro do Concílio Vaticano II (1962-65). Em seu maior objetivo, o Concílio tentou fazer com que a Igreja enfrentasse o mundo da forma como ele é e então lidar com ele da forma como é. Ele tentou desfazer a nostalgia das "idades da fé" medievais, da ordem do mundo perfeito que prevaleceu antes da Revolução Francesa e de outras ilusões históricas.

A Igreja decidiu encarar os fatos do "mundo moderno", incluindo o pluralismo cultural e religioso e todos os enigmas que a ciência moderna nos impôs com relação a nossas origens, nossa sobrevivência e nosso bem-estar.

Enfrentar os fatos é exatamente o que Allen está pedindo que a Igreja faça – que nós façamos.

O livro também confirma uma verdade básica sobre a trajetória histórica da Igreja: o que acontece fora da Igreja é mais importante para ela do que aquilo que acontece dentro. As reformas da Igreja como a Controvérsia da Investidura do século XI, o Concílio de Trento no século XVI e o Vaticano II no século XX foram mudanças introduzidas na vida e na prática da Igreja pelos líderes da Igreja e operacionalizadas por eles. Essas mudanças, embora importantes, podem parecer quase insignificantes em comparação com o impacto de coisas como o reconhecimento da Igreja por Constantino no século IV ou algo tão mundano no século XIX como a invenção do telefone.

"The Future Church" não é uma leitura casual para a hora de dormir. Sua mensagem requer uma mente alerta, disposta a digerir informações e a compreender complexidades. Allen acredita, e eu também, que o impacto dessas tendências, independentemente de como elas irão ocorrer concretamente, requer um novo tipo de coragem de nossa parte. Ele requer coragem "para pensar além dos interesses de nossa própria tribo católica", a coragem de se levantar para um novo horizonte, que também é católico. Ler o livro é, em si mesmo, um primeiro passo.