O governo da transição
Dom Demétrio Valentini é Bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira
Fonte: CEBI
Como estamos em fim de mandato, e na expectativa da posse dos eleitos, daria para dizer que estamos em tempos de transição. Isto pode ser verdade. Mas dependendo do caso, existe uma diferença muito grande, que se expressa por uma simples preposição. Um governo pode ser de transição. Como pode igualmente ser da transição.
O governo Lula, que está se concluindo agora, não foi um governo de transição. Mas foi o governo da transição.
Uma pequena história ajuda a perceber a diferença. Quando em 1958 foi eleito Papa o Cardeal Ângelo Roncalli, de 77 anos de idade, para substituir o grande Pio XII, surpresos com a eleição daquele velhinho desconhecido, todos pensavam que se tratava de um "papa de transição". Seu pontificado duraria poucos anos, enquanto iria aparecer alguém à altura, para levar adiante o grande pontificado de Pio XII. Mas o velhinho simpático, que tinha assumido o nome de João 23, não demorou em mostrar a que tinha vindo. Granjeou rapidamente a simpatia do povo, e foi logo dizendo que propunha um concílio ecumênico para promover uma grande "atualização" da Igreja, para reconciliá-la com os novos tempos que o mundo estava vivendo.
O entusiasmo foi tanto, que ninguém mais pode deter o processo que levaria ao Concílio Vaticano II, com suas generosas propostas de renovação eclesial.
Foi então que a eleição do velho cardeal revelou o seu significado verdadeiro. O seu não seria um pontificado "de transição", mas "da transição".
Agora estamos diante de um fato semelhante. Quando Lula foi eleito presidente em 2002, alguns achavam que, quando muito, seu governo seria "de transição". Um operário na presidência seria um acidente de percurso. Em breve a trajetória política do Brasil iria retomar seu rumo, e as elites teriam de volta o comando das ações.
Mas, aconteceu o inesperado. O que se supunha ser um governo de transição, passou a ser o governo da transição.
O presidente operário foi mostrando como é possível governar para todos, e não só para uma minoria de privilegiados.
Os dois mandatos do Presidente Lula armaram no Brasil o grande cenário de uma verdadeira transição, que agora precisa ser consolidada pelo governo da Presidente Dilma.
A transição das vantagens das elites para o interesse das maiorias. Do privilégio de poucos, para o benefício de todos. Do processo de exclusão, para a dinâmica social e econômica da inclusão dos mais injustiçados e oprimidos. Do preconceito racial e cultural que divide, para o respeito mútuo que enobrece. Das marcas deixadas pelos tempos da escravidão, para a libertação do trabalho escravo e de todas as discriminações. Da pretensão de poucos, para a plena dignidade de todos os cidadãos.
O grande mérito do governo Lula foi ter rompido as barreiras da resistência ao um novo projeto de país, que tenha como postura básica a convicção da igualdade de direitos e a universalidade da cidadania.
Esta grande e decisiva "transição", realizada pelo presidente Lula, precisa agora ser confirmada pelo governo da Presidente Dilma. Pois as conquistas ainda não estão consolidadas. É preciso, agora, passar para a normalidade democrática as grandes intuições de um governo que permanecerá como referência inspiradora para levar à prática suas generosas utopias de um país para todos.
O legado de Lula foi desencadear a grande transição. O compromisso da Dilma é garantir sua consolidação.