12/12/2010

Entrevista - Pe. Mark Massa

A ''revolução católica'' dos anos 1960. Por Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS

A década de 1960 marcou a história como um período de grandes mudanças culturais e sociais. No âmbito eclesial, foi marcante toda a preparação, a realização e a aceitação do Concílio Vaticano II. Mas, segundo o jesuíta norte-americano Mark S. Massa, o Vaticano II foi apenas um dos "ingredientes" dessa massa cultural que gerou uma grande mudança, ou, em suas palavras, provocou a erupção de uma "revolução católica". Há poucos meses, Massa publicou o livro The American Catholic Revolution: How the Sixties Changed the Church Forever (Oxford University Press, 2010). Na obra, ele analisa, a partir do viés católico, a história das mudanças culturais ocorridas nos Estados Unidos na década de 1960, além de oferecer uma nova luz sobre grandes personalidades da Igreja Católica desse período.

Mark S. Massa é padre jesuíta, fundador e codiretor do Curran Center for American Catholic Studies, da Fordham University, a universidade jesuíta de Nova York, nos Estados Unidos. Mestre e doutor em história e teologia, é autor, dentre outros, de Anti-Catholicism: The Last Acceptable Prejudice? (Crossroad Press, 2003) e Catholics and American Culture: Fulton Sheen, Dorothy Day, and the Notre Dame Football Team (Crossroad, 1999).


IHU On-Line – Qual o impacto do Concílio Vaticano II na vida da Igreja, a ponto de levar o senhor a falar de uma "revolução católica americana" na década de 1960? Essa revolução também ocorreu em nível global?

Mark Massa – O Vaticano II impactou diferentes culturas católicas de formas diferentes, em parte devido aos vários contextos culturais nos quais a Igreja se encontrava. Assim, o livro trata especificamente dos Estados Unidos, e as minhas conclusões não visam oferecer respostas "universais" a todo o significado do Concílio Vaticano II. Minha sensação é de que cada cultura tem que escrever um livro sobre como a Igreja nessa cultura foi impactada. Meu livro não é sobre o Vaticano II, mas sim sobre os "longos anos 1960": nos EUA, que eu afirmo que começaram em 1964 e continuaram até a década de 1970. O Vaticano II teve, sim, um papel, mas não o único papel durante esse período, nem mesmo o papel predominante. Tão importante quanto o Vaticano II, foi a ascensão do movimento feminista, o movimento anti-Guerra do Vietnã, o movimento de liberdade de expressão etc. Assim, o título – A Revolução Católica Americana – não se refere ao Concílio Vaticano II, mas à ascensão da consciência histórica. Portanto, não estou tomando posição, de forma alguma, sobre a questão de se o Vaticano II foi contínuo ou descontínuo com relação aos concílios anteriores. Na verdade, eu não estou interessado nessa questão. Além disso, como os EUA são essencialmente um país protestante (apenas 27% dos cidadãos norte-americanos são católicos), eu acho que muito tem sido dito sobre o papel do Vaticano II nos EUA. Ele foi apenas um dos muitos fatores nesse fermento, e nem mesmo o mais importante.

  
IHU On-Line – Qual o impacto do Concílio Vaticano II na vida da Igreja, a ponto de levar o senhor a falar de uma "revolução católica americana" na década de 1960? Essa revolução também ocorreu em nível global?
Mark Massa – Nenhuma. Foi o contrário: a reforma da liturgia mandada pelo Vaticano contribuiu para a Revolução Católica, em que muitas outras fontes alimentavam essa mistura.
 
IHU On-Line – Que personagens são centrais nessa “revolução católica”?

Mark Massa – Frederick McManus [1], Charles Curran [2], Avery Dulles [3], as Irmãs Servas do Coração Imaculado de Maria de Los Angeles, Dan Berrigan, SJ [4]. Destes, eu acho que McManus desempenhou o papel mais importante na "mediação" das mudanças litúrgicas, que foram extremamente bem recebidas: McManus foi a figura central para essa recepção positiva.

IHU On-Line – Como as lutas feministas e as lutas pelos direitos civis da década de 1960 marcaram os debates sobre a Igreja, no Concílio e fora dele? Como a Igreja dialogou com o “fermento cultural” dessa época?

Mark Massa – Eu não acho que a Igreja reagiu ao movimento feminista durante todos os anos da década 1960. Eu acho, na verdade, que isso só começou no ano 1980, com a questão da ordenação de mulheres. Eu acho que a questão da ordenação feminina só começou a ser abordada nos EUA no final dos anos 1970 – uma era diferente, que eu pretendo analisar no meu próximo livro. O movimento dos direitos civis foi liderado por figuras negras protestantes, e os católicos chegaram a esse movimento muito mais tarde do que seus colegas protestantes. Eu acho que a Igreja ignorou amplamente o fermento cultural dessa época em termos de protocolos institucionais. Os indivíduos católicos certamente tiveram uma parte ativa nesse fermento (por exemplo, os irmãos Berrigan), mas a Igreja como instituição foi consumida pela implementação do Vaticano II, que desempenhou um papel relativamente pequeno no fermento cultural mais amplo.

IHU On-Line – Referindo-se a alguns dos resultados do Concílio Vaticano II, o senhor se refere a algumas "consequências não planejadas". Quais dessas consequências foram as mais inesperadas por parte dos Padres Conciliares?

Mark Massa – Dentre essas consequências, a principal foi a habilidade das instituições para controlar a velocidade ou a extensão da mudança, uma vez começada. Assim, eu defendo que o retorno às "intenções dos Padres Conciliares" para determinar o "significado do Vaticano II" é uma tarefa interessante, mas infrutífera, já que os eventos (como os conselhos da Igreja) não têm um "significado" em um único sentido: todos os eventos históricos têm muitos "significados", dentre os quais apenas um é a intenção das pessoas envolvidas no evento. Como Virginia Woolf comentou certa vez, "nada é sempre apenas uma coisa". Também dentre essas consequências, estava o chamado aos homens e mulheres religiosos a retornar ad fontes na atualização de seus estilos de vida.

IHU On-Line – Que consequências essa "revolução católica" trouxe para o debate teológico? Que embates surgiram e que novas questões foram postas em discussão?

Mark Massa – Avery Dulles ofereceu o modelo único mais importante das consequências teológicas do Vaticano II: ele mostrou que o pluralismo não era algo norte-americano nem "liberal", mas sim a postura mais católica de todas. Seu livro Models of the Church mostrou que a tradição católica sempre englobou modelos eclesiológicos pluralistas.
Notas:

1. Monsenhor Frederico Richard McManus (1923-2005): figura influente da Igreja norte-americana do século XX. Ele foi um dos peritus em liturgia do Concílio Vaticano II. Ele também presidiu a primeira missa em inglês nos Estados Unidos, em 1964, em St. Louis. (Nota da IHU On-Line)

2. Pe. Charles E. Curran (1934-): teólogo moral norte-americano, atualmente professor da Southern Methodist University, em Dallas, Texas. Em 1968, quando lecionava na Catholic University of America, Curran entrou em desacordo com o Vaticano e o Papa Paulo VI com relação à encíclica Humanae Vitae. Em 1986, após um processo judicial, ele foi expulso da universidade, e o Vaticano o destituiu de suas credenciais como teólogo católico. (Nota da IHU On-Line)

3. Avery Robert Dulles, SJ (1918-2008): cardeal jesuíta, teólogo e professor da cátedra Laurence J. McGinley de Religião e Sociedade da Fordham University, entre 1988 e 2008. Foi presidente da Catholic Theological Society of America e da American Theological Society. Também foi membro da Comissão Teológica Internacional e consultor do Comite de Doutrina da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos. (Nota da IHU On-Line)

4. Daniel Berrigan, SJ (1921-): poeta, ativista e padre católico norte-americano. Daniel e seu irmão Philip realizaram protestos não-violentos e pronunciamentos públicos contra a guerra do Vietnã, junto com o monge trapista Thomas Merton. Os irmãos Berrigan estiveram por algum tempo na lista dos dez fugitivos mais procurados pelo FBI. (Nota da IHU On-Line)