15/02/2011

Jerome Anciberro

Peter Seewald e o ''stalinismo teológico'' 
Jornalista tornado célebre por suas entrevistas com Joseph Ratzinger/Bento XVI, Peter Seewald (foto) também era conhecido pelo seu robusto catolicismo e certa verve crítica perante a ideologia liberal de nossas sociedades ocidentais. O comentário é de Jerome Anciberro e publicado pelo sítio da revista francesa Temoignage Chrétien, 08-02-2011. A tradução é de Benno Dischinger.
Fonte: UNISINOS


Em Luz do mundo, seu último livro-entrevista com Bento XVI, suas perguntas e algumas digressões suas haviam atraído a atenção dos comentaristas. Emergia, de fato, uma visão do mundo um tanto pessimista e muito severa sobre o estado cultural e ideológico do Ocidente. Em algumas passagens do livro até se podia ter a impressão que o papa procuraria tranqüilizar seu interlocutor e acalmar um pouco os seus ardores de polemista.

O manifesto Igreja 2011, firmado por aproximadamente 200 teólogos de língua alemã e que convida a uma “indispensável renovação” da Igreja católica não continha evidentemente nada que pudesse agradar ao nosso ardente defensor do papado.

O sítio católico austríaco kath.net teve, por isso, a boa idéia de ir entrevistar nosso homem, a quem já se atribui certa proximidade simbólica ao papa – proximidade que não reveste, em todo o caso, nenhum caráter oficial – para obter suas reações àquele documento. O resultado é impressionante. Peter Seewald se entrega, de fato, a um ataque de pleno rigor e não se controla no uso das invectivas.

Segundo ele, o Memorandum dos teólogos resultaria de uma “ação concertada por forças neoliberais que fazem pressão por transformações que teriam como resultado espoliar a Igreja católica de seu próprio ser e, portanto, de seu espírito e de sua força.”

Uma passagem do texto dos teólogos evocava a paralisia que deriva da auto-referencialidade, da obsessão de si demonstrada pela Igreja católica. Peter Seewald inverte a crítica explicando que são precisamente os contestadores que estão obsessionados pelo funcionamento interno da Igreja e que impediriam a esta última de tratar dos “verdadeiros problemas”.

Quem semeia vento recolhe tempestade”, adverte ele, voltado aos teólogos do manifesto, evocando um possível efeito de mobilização daqueles que permanecem “fiéis à Igreja”.

Segundo um motivo recorrente de certa crítica dos anos 90, Peter Seewald considera que o manifesto dos teólogos seja datado e que evoque uma “rebelião de casa de repouso”.

O “establishment teológico” se une, a seu ver, aos “agitadores que perderam há muito tempo a autorização para ensinar porque fizeram do filho de Deus um caudilho” (alusão a certos pesquisadores especialistas do método histórico-crítico).

“Ramos podres”

Considera, portanto, que estes críticos já seriam superados e, se os teólogos subscritores do manifesto podem ter entre suas fileiras algum militante, não poderão “jamais entusiasmar as multidões, sobretudo os jovens”. Muito vivamente, Peter Seewald compara abertamente os subscritores a “ramos podres que ainda podem causar dano, mas que já estão caindo da árvore à qual estão pendurados”. Chama-os, entre outras coisas de “sacerdotes teólogos, pequeno-burgueses, fanfarrões que vão perorar em todos os microfones que lhes são oferecidos”.

Com igual firmeza, o jornalista alemão recorda que os ataques mais graves contra a Igreja “vem do interior”. Cita como exemplo a tempestuosa reintegração dos bispos integristas de janeiro de 2009 e a revelação dos escândalos de pedofilia de janeiro de 2010.

Peter Seewald acusa também (erradamente) os subscritores de considerarem que o celibato dos padres e a moral sexual católica sejam a causa dos fatos de pedofilia na Igreja. Aproveita isso também para dar um puxão de orelhas em certos “jesuítas de alto nível” que se permitiriam criticar a moral sexual católica enquanto escândalos de pedofilia tem tido lugar “em suas casas”, fazendo alusão aos abusos sexuais no interior de institutos secundários jesuítas alemães, como o colégio Canisius de Berlim.

Mas, Peter Seewald, encorajado por seus entrevistadores, não se detém aqui. Respondendo a uma preocupação clássica dos ambientes católicos, explica seriamente que não há falta de padres. De fato, assegura, quando se relaciona o número dos padres com o dos fiéis que vão regularmente à missa, a proporção é até melhor do que antes! E, do ponto de vista financeiro, um surplus [uma sobra] de padres seria até prejudicial para a Igreja.

Suspeitando que a minoria (reformadora) quer impor suas visões (modernistas) à maioria dos católicos, Peter Seewald fala, com uma fórmula surpreendente, de “uma espécie de stalinismo teológico”. Invectiva, além disso, tanto os movimentos contestadores como Wir sind Kirche (Nós somos Igreja) quanto o Comitê central dos católicos alemães que compara ao comitê central da SED (o partido comunista da Alemanha oriental) antes da queda do Muro.

Agressivo, o fogoso jornalista também pede a demissão do porta-voz da Conferência Episcopal Alemã, o padre Hans Langendörfer, jesuíta, que acolheu o manifesto dos teólogos anunciando prudentemente propostas futuras da parte dos bispos.