15/02/2011

Entrevista - Gianni Vattimo

Igreja se salvará de seu próprio suicídio somente com um pensamento fraco'' 
 
Gianni Vattimo (foto) é o filósofo italiano vivo mais traduzido. Criador da expressão “pensamento fraco”, foi professor, eurodeputado e ativista político e cultural. Há um tempo surpreendeu o mundo ao anunciar sua reconversão ao catolicismo. Nas livrarias espanholas há agora duas novidades: Adiós a la verdad (Gedisa) e ¿Verdad o fe débil? Diálogo sobre cristianismo y relativismo (Paidós), onde polemiza com o antropólogo René Girard sobre a religião. A entrevista é de Francesc Arroyo e pubicada por El País, 12-02-2011. A tradução é do Cepat.
Fonte: UNISINOS



Você se declara católico, mas sua fé parece mais a de um ateu que a de um crente monoteísta.

É que nem sequer sei se Deus existe. O teólogo Dietrich Bonhoeffer disse que “um Deus que existe, não existe”. Não sei se Deus é uma entidade nem onde está. Sempre pensávamos que estava no céu. A verdade é que não posso chamar-me monoteísta. O monoteísmo tem implicações de dominação, de colonização, de violência, e desconfio dele. Também não sou politeísta. Não posso falar de Deus como se fosse uno ou três ou quatro ou muitos. Sou cristão ou não? É um problema que tenho, sobretudo quando morrer e tiver de enfrentar o juízo final. Chamo-me cristão porque me sinto uma criatura, alguém que não se fez a si mesmo. Me sinto dependente de um infinito. E isso procede da minha leitura do Evangelho. Não sei se o Evangelho é a única verdade religiosa no mundo. Eu não procuraria converter os não crentes.

Chamar a sua fé de cristianismo não induz a confusão?

É um nome histórico. Cresci na comunidade da Igreja. E em nome de seus princípios posso criticá-la. Como Lutero criticou o Papa em nome do Evangelho. Não creio que haja uma religiosidade natural. Sem ter conhecido o Evangelho, me teria perguntado pela existência de Deus? Não há “a” religião, há religiões. Eu cresci em uma e a interpreto filosoficamente, racionalmente, como um chamado do infinito do qual dependo. E chamo a esse infinito de Deus e Jesus é seu filho, sem saber em que termos.

O que não parece assumir é que a vida seja um vale de lágrimas.

Não. Muitas vezes o é, mas não posso aceitar que isso seja a essência do mundo. Não creio que tenha que atribuir a Deus o sofrimento. De fato, não sei se se deve atribuir a Deus tudo o que acontece no mundo. Não sei se criou o universo e suas leis. Deus é minha esperança espiritual, espero sobreviver como espírito.

Na Bíblia você vê um Deus que não é astrônomo nem moral. O que resta?

A mensagem de salvação. Uma mensagem de caridade a aplicar na minha relação com os outros. A humanidade: sentir-se melhor em um mundo de amigos que de inimigos.

Você diz que Deus é relativista. O relativismo filtrou a defesa do criacionismo.

Eu me sinto mais evolucionista que criacionista. Sou criacionista na medida em que o anúncio da salvação não é um produto da evolução. Pode ser inclusive que a fé seja resultado da evolução. Eu não creio na objetividade do real. Deus existe? Não sei. Se digo que existe ou que não existe, entro em um objetivismo que não casa com a minha espiritualidade.

Também diverge da tendência da Igreja de proibir.

Porque não creio que haja uma essência do bem e do mal. Há condições de vida compartilhadas. A moral é o código de circulação mais a caridade. Tudo é convencional, salvo o respeito ao outro. E isso é bastante cristão e bastante comunista.

Ao final, seu Deus é caridade e amor. Que diferença há entre os dois termos?

Tradicionalmente, se baseou na repressão. Fazemos um pouco de caridade ou um pouco de amor? Trata-se de organizar o erotismo de forma tolerante, porque não há uma ordem natural do amor. Estamos condicionados por uma tradição repressora, familiarista. O Papa precisa pregar sobre o uso do preservativo? Não. Se gosto de dormir com uma mulher ou com um senhorzinho, como regulá-lo? Desde a perspectiva da caridade, o divórcio está bem. Não se pode obrigar duas pessoas a viverem juntas.

A Igreja celebra as conversões, mas sobre a sua não fala.

Creio que eu deveria ser Papa, por mais que seja quase o único que pensa assim. Mas estou convencido de que a Igreja se salvará de seu próprio suicídio somente com um pouco de pensamento fraco. Creio nisso como pensador fraco e também como cristão ocidental. A Igreja está pensando que a secularização atual é apenas coisa do Ocidente e que os povos convertidos da África serão cristãos mais sérios. Também serão mais primitivos, porque creem mais nos milagres e inclusive praticam a magia, como, por exemplo, o bispo Milingo. Eu, na verdade, não me sentiria à vontade em uma Igreja dominada por esses cristãos. Espero que a providência intervenha.