Artigo de William C. Chittick, professor de estudos religiosos do Departamento de Estudos Asiáticos e Asiático-Americanos da Universidade Estadual de Nova York, em Stony Brook, publicado no sítio Huffington Post, 19-07-2010. Chittick é autor de "Sufi Path of Love: The Spiritual Teachings of Rumi" [O Caminho do Amor Sufi: Ensinamentos Espirituais de Rumi].
Fonte: UNISINOS
Rumi é celebrado com justiça como um dos grandes poetas da história humana. Quando eu comecei a lê-lo como estudante, há 45 anos, eu não sabia persa e contei com o trabalho de R. A. Nicholson, que produziu a primeira edição crítica dos 25.000 versos de Rumi em "Mathnawi", junto com uma tradução completa em inglês e dois volumes de comentários (oito volumes ao todo).
Naquela época, Rumi era praticamente desconhecido fora do campo de estudos sobre Oriente Médio, por isso a sua popularidade no Ocidente é um fenômeno recente. No mundo influenciado pela cultura persa (que se estende desde os Bálcãs, passando pela Turquia, Irã, Ásia Central e o subcontinente indiano), ele foi um ícone cultural durante séculos.
Apesar de agora ser muito mais conhecido no Ocidente do que era há 40 anos, o entendimento daquilo que ele realmente está falando parece ter diminuído. Não foi fácil ler Nicholson, mas se aprende muito sobre o conteúdo religioso e filosófico dos ensinamentos de Rumi.
Todos reconhecem que Rumi foi um poeta do amor. Isso significa que a maioria das pessoas veem-no como uma aberração na história islâmica. Quando situamo-lo em seu próprio contexto histórico, no entanto, vemos que ele falou para a corrente dominante. O que fez com que ele se destacasse foi o fato de ter chegado ao coração da questão mais rapidamente e muito mais atrativamente do que a maioria dos autores. Ele faz a sua agenda explícita na introdução ao "Mathnawi": ele explica "as raízes das raízes das raízes da religião", ou seja, a religião islâmica fundada pelo Alcorão e por Maomé.
Tal como qualquer grande escritura, o Alcorão apresenta seus ensinamentos em linguagem mítica e simbólica, suscetível a uma grande gama de interpretações. Embora o Alcorão não mencione o amor tão frequentemente (cerca de 100 vezes), é fácil ver que essas poucas menções fornecem os germes de uma extensa literatura sobre os laços íntimos entre Deus e a alma humana. Nessas discussões, os autores citam aquilo que, por vezes, dizem-se ser palavras de Deus dirigidas a Davi, o salmista. Em um trecho típico, Deus diz: "Ó Davi, qualquer um que afirme me amar é um mentiroso se a noite chega e ele vai dormir em meu regaço. Todo amante não ama se isolar com seu amado?". Uma dessas supostas conversas finalmente se tornou proeminente nos ensinamentos sufistas. Davi perguntou a Deus por que ele criou o universo. Deus respondeu: "Eu era um tesouro escondido e amaria ser reconhecido, então eu criei as criaturas para que eu pudesse ser reconhecido".
Essa frase coloca séculos de reflexão sobre o amor em poucas palavras. Isso significa que Deus, em sua unidade absoluta, é infinitamente rico, ilimitadamente transbordante, misericordioso, compassivo, amoroso. Além disso, "Deus é belo", como disse o Profeta, "e ele ama a beleza". Quando ele ama, é sempre a beleza que ele ama. Em sua individualidade eterna, essa beleza é justamente o Tesouro Escondido, pois não há outra beleza. Seu infinito amor pela beleza, então, deu origem ao universo, que é definido mais sucintamente como "tudo o que não é Deus". Ele encheu esse universo com beleza, para que os outros possam compartilhar a alegria do amor.
Mas montanhas e oceanos, leões e águias, independentemente de quão belos sejam, têm pouca ou nenhuma capacidade de reconhecer a beleza nos outros. O que é necessário é uma receptividade sem limites à infinita beleza do Tesouro Escondido, e é isso que Deus deu aos seres humanos quando os criou "à sua forma", como disse Maomé, ecoando o Gênesis. O Alcorão diz: "Ele formou-te e fez tuas formas bonitas" (40:64). Deus ama os seres humanos, devido à plenitude da beleza divina que eles exibem e à sua conseguinte habilidade de reconhecer a beleza de Deus. Deus, então, pede, como qualquer amante faria, que o amem de volta.
O papel humano no universo é reconhecer a Deus, amá-lo assim como ele deve ser amado e trazer o seu amor e a sua beleza ao mundo. Essa antropologia subjaz a grande parte do pensamento islâmico e é explicitada pela poesia de Rumi. A sua relevância em curso torna-se um pouco mais óbvia quando lembramos que, na teologia islâmica, Deus não criou o universo há tanto tempo só para brincar com ele de vez em quando (a noção do Deísmo). Pelo contrário, ele sempre está criando o universo, que nada mais é do que a fagulha permanente e sempre em mudança do Tesouro Escondido. O amor de Deus por ser reconhecido nunca está ausente do mundo e das nossas vidas e constantemente infunde energia em todas as coisas.
Rumi deu uma grande variedade de nomes para a participação humana no amor de Deus – fome, sede, necessidade, vontade, desejo, paixão, fogo, queimação. Como muitos outros, ele identificou o amor com a "pobreza" mencionada no verso do Alcorão, "Ó povo, vós sois os pobres rumo a Deus, e Deus é o rico, o que merece louvor" (35:15). O amor é aquele ponto vazio em nossos corações que nunca podemos preencher, porque almeja as riquezas infinitas do Tesouro Escondido.
Uma vez, diz Rumi, éramos peixes nadando no oceano, inconscientes da água e de nós mesmos. O oceano queria ser reconhecido, por isso jogou-nos em terra seca. Reviramo-nos atrás disso, reviramo-nos atrás daquilo, buscando uma felicidade cada vez mais esquiva. É o oceano que nos atormenta? Bem, sim. Ele nos colocou aqui. Mas, quanto mais ardemos, mais intensamente amaremos a beleza do oceano, quando ele nos chamar de volta.