10/08/2009

Superioras religiosas dos EUA na encruzilhada

A análise de Ken Briggs, jornalista do The New York Times e escritor especialista em catolicismo. É autor do recente livro "Double Crossed: Uncovering the Catholic Church’s Betrayal of American Nuns". O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 07-08-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


Da forma como eu vejo, a Leadership Conference of Women Religious [Conferência das Líderes Religiosas Femininas], que se reúne na próxima semana em New Orleans, está diante de uma escolha muito sombria: ou morrer ou sobreviver com um grande custo à sua integridade e dignidade.

O Vaticano já lançou o desafio. A escolha é severa: consentir com uma "avaliação doutrinal" dos pontos de vista da conferência de líderes religiosas – sobre a ordenação feminina, o primado do Catolicismo Romano e a homossexualidade – ou rejeitar a investigação como um teste injustificado e inclinado a acabar com a organização.

O que temos aqui, creio, pode ser a maior luta sobre uma forma de compreender o que significa ser católico. As religiosas retiveram mais do "ethos" e do espírito do Vaticano II do que qualquer outro grupo da Igreja, em face à formidável oposição por parte dos dois últimos papas a amplos segmentos seus.

Se Roma conseguir destruir esta última reminiscência organizacional do Vaticano II, então todo o catolicismo norte-americano sofre uma grande perda. Porém, a vontade de resistir parece ter se dissipado. Sem um protesto ativo, a LCWR, assim como é conhecida, não existirá mais. Vozes de apaziguamento que aconselham ter confiança nas intenções do Vaticano parecem desconectadas com os objetivos da linha dura de Roma.

Enquanto isso, as duas investigações sobre religiosas estão dando passos largos, apresentadas em termos de check-ups de rotina. Uma examina a "qualidade de vida" nas congregações femininas. Ela aborda os principais componentes do governo, do trabalho e da espiritualidade, áreas que se tornaram as bases da renovação. A outra investigação está apontada diretamente sobre a conferência de líderes religiosas, considerada há muito tempo como um espinho na pele do Vaticano.Tendo falhado durante décadas em quebrar a identidade inspirada no Vaticano II da conferência, a última ofensiva parece determinada a terminar o trabalho.

Renovação foi a palavra que resumiu a busca pela nova vida ordenada pelo Concílio. É uma palavra raramente falada, principalmente porque sua prática pertence amplamente ao passado. Mas a conferência de líderes religiosas continuou sustentando muitos de seus valores.

As superioras das congregações mantiveram quase total silêncio em resposta às investigações. Alguns acreditam nas garantias do Vaticano de que elas não têm com o que se preocupar. E, pelo fato de acreditarem que não fizeram nada de errado, elas não parecem estar preocupadas.

Eu acho, porém, que, se não olharem diretamente para o que está acontecendo e não se pronunciarem contra isso, a luta para preservar mesmo que uma aparência do passado vibrante da LCWR estará perdida. Essa dinâmica conferência, nascida em meio a controvérsias, porque o Vaticano objetou firmemente contra o termo "liderança" em sua mudança de nome, pode perder seu legado de defender não só irmãs, mas também um grupo mais amplo de mulheres católicas e o interesse em renovação do catolicismo norte-americano.

As sementes da subversão da Leadership Conference of Women Religious foram semeadas em 1971, quando as oponentes organizaram um grupo separado chamado Consortium Perfectae Caritatis. Em 1992, o grupo ganhou reconhecimento oficial de Roma e rebatizou-se como Council of Major Superiors of Women [Conselho de Superioras Religiosas].

A conferência alternativa se apresentava como estritamente tradicional e duramente oposta à direção liberal da LCWR. Os EUA, assim, se tornaram o único país do mundo a ter duas organizações de religiosas consagradas reconhecidas. Apenas uma delas, claro, encontrou acolhida no Vaticano. O grupo liberal era suspeito por promover o "feminismo radical", vendendo-se à cultura secular e questionando a autoridade. Para muitos prelados, a conferência de líderes religiosas femininas era tão irritante quanto ameaçadora.

O grupo insurgente se tornou a cunha da separação. Ao longo dos anos, ele empregaria vários meios para tomar vantagem de um grupo de religiosas enfraquecido pela crítica constante dos oficiais da Igreja e retirando o interesse dos ideais do Vaticano II daqueles que estavam cansados de lutar. Entre os seus últimos esforços está o fato de mostrar que as jovens estão afluindo para as ordens "tradicionais" que obedecem as velhas regras, em contraste às grandes perdas entre comunidades envolvidas na renovação. A verdade é um pouco diferente.

Há poucos anos, eu escrevi um livro sobre o destino das religiosas norte-americanas desde antes do Vaticano II até o começo do século XXI. Eu não estava procurando causas particulares das flutuações dramáticas nos números de religiosas e de seu bem-estar, mas compreendi, a partir da pesquisa inicial, que havia muitos fatores envolvidos.

O estabelecimento da CMSW foi um dos principais eventos que me levaram à conclusão de que a hierarquia da Igreja foi a razão principal do fato de a renovação não ter sido capaz de acabar a tarefa e, por isso, ter contribuído vigorosamente para o declínio de tantas comunidades religiosas femininas.

Os críticos de minha conclusão disseram que ela era simplista e colocava a culpa no lugar errado. Alguns disseram que as irmãs chegaram à crise por si mesmas, traindo a verdadeira missão da vida religiosa – e da intenção do Concílio – pelo fato de viverem fora de conventos, exercendo uma variedade de profissões em vez de exercer um serviço comum e escolhendo formas alternativas de culto (não surpreendentemente, "abusos" semelhantes são agora citados em defesa da investigação). O dano causado pelas divisões dolorosas em muitas ordens ao longo dessas grandes mudanças foi citado pelos críticos como uma prova a mais de que as religiosas chegaram a isso por si mesmas.

A menos que as religiosas se tornem obedientes e retornem aos papéis prescritos, disseram os críticos, a ordem não poderia ser restaurada, e eu teria interpretado profundamente mal a história.

Certo ou errado, meu pensamento a esse respeito não apenas não mudou, como também a investigação o fortalece. Tendo falhado, pelo contrário, em persuadir a LCWR e muitas de suas líderes a abandonar seu compromisso com a renovação, da forma como interpretavam-na a partir do documento do Vaticano II dirigido a elas (o único grupo da Igreja indicado em um prudente documento), o Vaticano parece ter escolhido outro duro instrumento para fomentar a cooperação.

Dependendo de como a conferência e várias líderes religiosas responderem, o Vaticano já pode ter alcançado seu objetivo ao injetar intimidação suficiente para influenciar que muitas irmãs relutantes sigam as diretivas em silêncio.

Eu não estou em posição de julgar se o silêncio é justificado ou não e respeito profundamente as consciências daqueles que viveram, na verdade, um longo período de juízo. Algumas irmãs dizem que o fato de se pronunciarem poderia colocar em perigo o bem-estar de suas comunidades, especialmente de seus membros mais idosos. Outras sentem que é necessário um bom esforço de fé. Outras ainda esperam que, sendo discretas, reduzirão as chances de os funcionários do Vaticano as chamarem. Sentemo-nos e esperemos até que isso passe. Mas é difícil ver propósitos caritativos como força motivadora.

Sem se decidirem a resistir, parece muito provável que a LCWR será engolida pelo conselho das religiosas conservadoras, que parece estar próximo de chegar à vitória em uma disputa por corações e mentes sobre o caráter do catolicismo que foi causado pela instalação do grupo rival pelo Vaticano.

A LCWR pode perder seu caráter mesmo se uma casca de sua estrutura continuar. Mas não nos equivoquemos: Roma está comprometida a resolver essa disputa em seu favor.

Aqueles que confiam que a melhor resposta é a não-resistência ou a resignação pacíficas podem estar certos.Quem não gostaria de ter respostas para alguns dos sérios problemas que causam dificuldades em tantas comunidades, mesmo se elas requeressem compromisso? Ao mesmo tempo, pensamentos confiantes e ilusórios podem piorar esses problemas. De qualquer forma, Roma deu a essas mulheres tão pouco apoio que há pouco a ser tirado. Sobre a questão da obediência, Roma já alcançou o seu objetivo.

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