30/01/2009

Dom Sérgio da Rocha

A questão do sentido da vida

Vivemos numa época marcada por transformações rápidas e profundas na sociedade, especialmente, no âmbito da cultura. Basta ter presente, dentre outros aspectos, a situação do matrimônio e da família, a vivência da sexualidade, o campo científico e tecnológico, as práticas religiosas e as transformações políticas. As rápidas mudanças e o acentuado pluralismo que caracterizam a vida sócio-cultural podem levar as pessoas à perda de referências fundamentais para dar sentido, motivação e orientação para a própria vida. Em última análise, pode-se dizer que há uma crise de sentido na sociedade, ocasionando tristes conseqüências no âmbito pessoal, familiar e social. A angústia e a desesperança, o vazio e a desorientação, a desumanização dos relacionamentos e a banalização da vida refletem a falta ou a perda do sentido da vida.

Sentido é razão de ser; é fundamento sobre o qual se constrói lenta e pacientemente o edifício da vida. Sentido é mística, motivação maior, que anima os passos no caminho, por vezes, árduo e longo. Sentido é orientação, é bússola a nortear; possui uma dimensão ética enquanto fonte de critérios de discernimento para o agir. Não se pode viver sem sentido; é próprio do ser humano atribuir sentido. A necessidade e a busca incessante de sentido para a vida pessoal, para a história e o mundo, estão enraizadas na natureza da pessoa humana. Assim sendo, a realização humana e a felicidade dependem, em grande parte, do modo como se cumpre esta tarefa.

A questão não se reduz a um círculo de pensadores ou a uma espécie de elite filosófica, embora os filósofos muito possam contribuir. Não se trata também de algo confinado àqueles que já têm suas necessidades materiais satisfeitas ou não teriam coisa mais importante a fazer. Os mais pobres também têm necessidade de sentido, enquanto pessoas humanas; pelas duras condições em que vivem, talvez precisem ainda mais encontrar e compreender o sentido da vida. Além disso, seria errado desvincular a busca de sentido da busca de condições indispensáveis à sustentação da vida ou da luta pelos direitos sociais; aliás, estas pressupõem sentido, mística. Todos precisam crescer na compreensão e vivência do sentido.

A busca de sentido torna-se ainda mais difícil, numa época marcada pela emergência da subjetividade, fenômeno nem sempre considerado e bem compreendido, pela sua complexidade e ambivalência. De uma parte, pode significar a afirmação justa do valor da pessoa, de seus anseios e necessidades. De outra, pode desembocar no individualismo, no fechamento sobre si, alimentando o interesse próprio e o relativismo. Por isso, o sentido para a vida não pode ser considerado como algo que diz respeito apenas à própria pessoa, ignorando-se ou excluindo-se o outro. A perspectiva da mesmidade, onde a pessoa enxerga apenas a si própria, não pode ser o horizonte onde se descortina o sentido. Ao contrário, tal tarefa só pode ser concebida em perspectiva de alteridade, na qual a pessoa se coloca diante do outro; o outro representado pelos que a rodeiam ou compartilham do seu mundo; o Outro que é o próprio Deus.

Uma adequada concepção de pessoa pressupõe relacionamentos, abertura ao outro, valorizando-o e respeitando-o. É nesta perspectiva de alteridade, que se coloca a tarefa da busca de sentido. Contudo, a busca de se sentido não se confunde ou se reduz a necessidade de atribuir sentidos parciais e passageiros às atividades, tarefas ou projetos que vão se desenvolvendo ao longo da vida. É certo que as pessoas precisam dar sentidos parciais ou provisórios, atribuindo significado a cada tarefa que realizam. Isso não basta; por serem imediatos ou provisórios, pode-se cair no vazio na medida em que passam ou que não acontecem.

O sentido dos sentidos, o fundamento último, é transcendente, ultrapassando os sentidos parciais e provisórios, sustentando a pessoa depois de alcançá-los e, especialmente, quando não os consegue. Aqui se coloca a questão de Deus, o absoluto que permanece, enquanto sentido pleno, que ultrapassa os limites da racionalidade filosófica ou científica, radicando-se no âmbito da fé. Aí ocorrem de modo especial a busca, a compreensão e a experiência do sentido da vida, que para nós cristãos está em Deus revelado em Jesus Cristo.

Fonte: Arquidiocese de Teresina