Quando o Vaticano anunciou, em janeiro, que iria realizar uma investigação, chamada de visita apostólica, dos institutos de vida religiosa feminina nos EUA, muitas religiosas foram tomadas de surpresa. As reações foram diversas. Algumas acolheram o estudo, outras ficaram ansiosas a respeito dele. A Irmã Sandra M. Schneiders, das Irmãs Servas do Coração Imaculado de Maria, de Monroe, Michigan, compartilhou alguns pensamentos com algumas colegas e amigas em um e-mail que não foi pensado para ser publicado. Mas a sua carta se tornou pública e o National Catholic Reporter recebeu diversos pedidos para publicar a carta. O sítio contatou a Ir. Schneiders, que também é professora de Novo Testamento e de espiritualidade cristã na Escola Jesuíta de Teologia, em Berkeley, Califórnia. Ela, então, deu a permissão de partilhar a sua carta com os leitores. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Fonte: UNISINOS
Nota: O texto que segue não é e nunca foi um artigo nem foi pensado para ser publicado. Ele teve origem como uma resposta espontânea em uma conversa por e-mail entre algumas colegas. Tornou-se pública e, por isso, estou fazendo algumas pequenas mudanças (entre colchetes) para esclarecer as referências aos leitores que podem não estar informados sobre o assunto em questão.
Queridas amigas,
Obrigado pelos e-mails de vocês.
Não me sinto inclinada a entrar em pânico com essa investigação – seja lá o que ela for. A recém passamos por uma investigação semelhante dos seminários, igualmente agressiva e desonesta. Não ponho nenhum crédito em que esse estudo será amigável, transparente, com o objetivo de ajudar etc. É uma medida hostil, e as conclusões já estão dadas. Ele foi pensado para ser intimidador. Mas eu acho que se acreditamos no que estamos fazendo (e definitivamente acreditamos), só temos que ser pacíficas com relação ao nosso trabalho, que é o de anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, promovendo o Reino de Deus neste mundo.
Não podemos, claro, impedir que investiguem. Mas podemos recebê-los, educada e amavelmente, para o que for, a esses visitantes não-convidados, que devem ser recebidos na sala de visitas, e não convidados a conhecer toda a casa. Quando fizerem perguntas que não deveriam ser feitas, as questões devem ser respondidas de acordo. Eu só espero que não pensemos, como as religiosas norte-americanas geralmente fazem, que, por uma total "abertura" e esforço em "dialogar", chegaremos a uma compreensão e aceitação mútuas. Isso não é algo mútuo e não é um diálogo. Os investigadores não estão vindo para compreender – acreditem-me, descobrimos isso na investigação dos seminários. Então, vamos ser honestas, mas reservadas, não forneçamos munições que possam ser usadas contra nós, vamos ser não-violentas mesmo que enfrentemos violência, mas não sejamos ingênuas. A resistência não-violenta é o que funciona no fim das contas, assim como descobrimos em tantos outros campos.
Em meu trabalho na renovação da vida religiosa ao longo dos últimos oito anos, cheguei à conclusão de que as congregações como as nossas [o tipo representado pela Leadership Conference of Women Religious (LCWR) {Conferência das Superioras Religiosas} neste país] têm, de fato, dado a luz a novas formas de vida religiosa. Realmente, não somos mais "congregações dedicadas a trabalhos de apostolado" – isto é, comunidades monásticas cujos membros "vão para fora" para realizar trabalhos institucionalizados designados basicamente pela hierarquia como uma extensão da sua agenda, isto é, em escolas e hospitais católicos etc.
Nós somos religiosas ministeriais. O ministério é integral em toda a nossa identidade e vocação. Ele surge desde o nosso batismo especificado pela profissão de fé, é discernido pelas superioras de nossa congregação e é realizado de acordo com o carisma da nossa congregação, não por uma delegação da hierarquia. Não somos monásticas em casa. Não somos extensões do clero lá fora. Toda a nossa vida é afetada pela nossa identidade ministerial: buscando lugares (geralmente às margens da Igreja e da sociedade) onde a necessidade do Evangelho é maior (que pode ser em instituições da Igreja, mas geralmente não); vivendo de uma forma que contribua com o nosso ministério; pregando o Evangelho livremente assim como Jesus encarregou os seus companheiros temporários ou de sempre a fazer. Nossa vida de comunidade e nossos ministérios estão associados, mas não como "vida comum", no sentido de todo mundo no mesmo lugar na mesma hora fazendo a mesma coisa.
A fase de "atualização" pós-conciliar para nós foi breve. Damo-nos conta, por nosso retorno ao Evangelho e aos nossos próprios fundamentos, de que somos chamadas a uma renovação muito mais radical [em profundidade] do que a ajustes ou estilos de vida superficiais. Não há retorno. Mas eu acho que temos que pedir isso, calma e firmemente, em face desse esforço agora organizado para nos levar de volta à forma antiga. Somos tão diferentes das "congregações religiosas apostólicas" [como as representadas pelo Council of Major Superiors of Women Religious, CMSWR {Conselho de Superioras Religiosas}] (que o Vaticano aprova muito mais) como os monges mendicantes eram diferentes dos monges beneditinos. A grande diferença é que elas [as congregações religiosas apostólicas] leram o {decreto} "Perfectae Caritatis" e fizeram o que ele pedia: aprofundaram a sua espiritualidade (eu espero) e fizeram algumas atualizações – hábitos mais curtos, um cronograma mais flexível, abandonando costumes que eram estranhos etc. Nós lemos o decreto "Perfectae Caritatis" através das lentes da "Gaudium et Spes" e da "Lumen Gentium", e fomos chamadas a sair do modo monástico-apostólico e entrar no mundo que a "Gaudium et Spes" declarou que a Igreja abraçava depois de séculos de rejeição.
Não há nenhum problema em que as comunidades do tipo CMSWR continuem com a forma antiga. O beneditismo não desapareceu quando os franciscanos foram fundados. Apenas haverá um problema se elas se sentirem chamadas a impedir a jornada em que nós estamos. Aí é onde, em minha opinião, temos que ser tão corajosas como as nossas ancestrais como Angela Merici [fundadora das ursulinas] e Mary Ward [Instituto Beatíssima Virgem Maria] e Nano Nagle [Irmãs da Apresentação] e Marguerite Bourgeoys [Congregação de Notre-Dame] e Louise de Marillac [Filhas da Caridade] e todas as outras pioneiras da vida religiosa apostólica muito antes que fosse oficialmente aprovada em 1900. A Igreja institucional sempre resistiu a novas formas de vida religiosa, especialmente entre mulheres. Mas o novo continuará a acontecer. Neste momento da história, nós o somos. Então, vamos ser o que somos: religiosas que não estão enclausuradas e ministras que não são ordenadas. O direito canônico ainda não tem categorias para essa combinação. Mas nós existimos. A lei segue a vida, e não vice-versa.
Sobre o "simpósio" do Stonehill [ocorrido no Stonehill College, 2008, e muito crítico com relação às congregações do tipo LCWR] – não foi um simpósio em que as pessoas se reuniam para compartilhar opiniões diferentes no esforço de chegar a uma verdade maior. Foi uma disputa vigorosa entre aquelas que estavam convencidas de que estavam certas e que só podem estar certas se as pessoas que não são como elas estão erradas. Elas estavam ouvindo a si mesmas. Está bem – contanto que não persigam as outras pessoas. Nós não estamos atrás delas. Essa é uma guerra falsa que está sendo incitada pelo Vaticano ao instigar os amedrontados. Não entremos nela. Também, qual é a pior coisa que pode acontecer a partir dessa investigação? Eles certamente não vão fechar 95% das congregações religiosas deste país, mesmo se quisessem, assim como não fecharam todos os seminários que não estavam ensinando a teologia moral do século XIX ou que não compraram a linha oficial de que os escândalos de abuso sexual por parte do clero foram causados não por bispos corruptos que protegiam padres pedófilos, mas por homossexuais nos seminários.
Bem, era isso o que eu tinha a dizer. Eu me recuso a entrar em pânico sobre isso. Há coisas melhores para se fazer. Sempre me alegro em ouvir vocês sobre esses temas.
Nota: O texto que segue não é e nunca foi um artigo nem foi pensado para ser publicado. Ele teve origem como uma resposta espontânea em uma conversa por e-mail entre algumas colegas. Tornou-se pública e, por isso, estou fazendo algumas pequenas mudanças (entre colchetes) para esclarecer as referências aos leitores que podem não estar informados sobre o assunto em questão.
Queridas amigas,
Obrigado pelos e-mails de vocês.
Não me sinto inclinada a entrar em pânico com essa investigação – seja lá o que ela for. A recém passamos por uma investigação semelhante dos seminários, igualmente agressiva e desonesta. Não ponho nenhum crédito em que esse estudo será amigável, transparente, com o objetivo de ajudar etc. É uma medida hostil, e as conclusões já estão dadas. Ele foi pensado para ser intimidador. Mas eu acho que se acreditamos no que estamos fazendo (e definitivamente acreditamos), só temos que ser pacíficas com relação ao nosso trabalho, que é o de anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, promovendo o Reino de Deus neste mundo.
Não podemos, claro, impedir que investiguem. Mas podemos recebê-los, educada e amavelmente, para o que for, a esses visitantes não-convidados, que devem ser recebidos na sala de visitas, e não convidados a conhecer toda a casa. Quando fizerem perguntas que não deveriam ser feitas, as questões devem ser respondidas de acordo. Eu só espero que não pensemos, como as religiosas norte-americanas geralmente fazem, que, por uma total "abertura" e esforço em "dialogar", chegaremos a uma compreensão e aceitação mútuas. Isso não é algo mútuo e não é um diálogo. Os investigadores não estão vindo para compreender – acreditem-me, descobrimos isso na investigação dos seminários. Então, vamos ser honestas, mas reservadas, não forneçamos munições que possam ser usadas contra nós, vamos ser não-violentas mesmo que enfrentemos violência, mas não sejamos ingênuas. A resistência não-violenta é o que funciona no fim das contas, assim como descobrimos em tantos outros campos.
Em meu trabalho na renovação da vida religiosa ao longo dos últimos oito anos, cheguei à conclusão de que as congregações como as nossas [o tipo representado pela Leadership Conference of Women Religious (LCWR) {Conferência das Superioras Religiosas} neste país] têm, de fato, dado a luz a novas formas de vida religiosa. Realmente, não somos mais "congregações dedicadas a trabalhos de apostolado" – isto é, comunidades monásticas cujos membros "vão para fora" para realizar trabalhos institucionalizados designados basicamente pela hierarquia como uma extensão da sua agenda, isto é, em escolas e hospitais católicos etc.
Nós somos religiosas ministeriais. O ministério é integral em toda a nossa identidade e vocação. Ele surge desde o nosso batismo especificado pela profissão de fé, é discernido pelas superioras de nossa congregação e é realizado de acordo com o carisma da nossa congregação, não por uma delegação da hierarquia. Não somos monásticas em casa. Não somos extensões do clero lá fora. Toda a nossa vida é afetada pela nossa identidade ministerial: buscando lugares (geralmente às margens da Igreja e da sociedade) onde a necessidade do Evangelho é maior (que pode ser em instituições da Igreja, mas geralmente não); vivendo de uma forma que contribua com o nosso ministério; pregando o Evangelho livremente assim como Jesus encarregou os seus companheiros temporários ou de sempre a fazer. Nossa vida de comunidade e nossos ministérios estão associados, mas não como "vida comum", no sentido de todo mundo no mesmo lugar na mesma hora fazendo a mesma coisa.
A fase de "atualização" pós-conciliar para nós foi breve. Damo-nos conta, por nosso retorno ao Evangelho e aos nossos próprios fundamentos, de que somos chamadas a uma renovação muito mais radical [em profundidade] do que a ajustes ou estilos de vida superficiais. Não há retorno. Mas eu acho que temos que pedir isso, calma e firmemente, em face desse esforço agora organizado para nos levar de volta à forma antiga. Somos tão diferentes das "congregações religiosas apostólicas" [como as representadas pelo Council of Major Superiors of Women Religious, CMSWR {Conselho de Superioras Religiosas}] (que o Vaticano aprova muito mais) como os monges mendicantes eram diferentes dos monges beneditinos. A grande diferença é que elas [as congregações religiosas apostólicas] leram o {decreto} "Perfectae Caritatis" e fizeram o que ele pedia: aprofundaram a sua espiritualidade (eu espero) e fizeram algumas atualizações – hábitos mais curtos, um cronograma mais flexível, abandonando costumes que eram estranhos etc. Nós lemos o decreto "Perfectae Caritatis" através das lentes da "Gaudium et Spes" e da "Lumen Gentium", e fomos chamadas a sair do modo monástico-apostólico e entrar no mundo que a "Gaudium et Spes" declarou que a Igreja abraçava depois de séculos de rejeição.
Não há nenhum problema em que as comunidades do tipo CMSWR continuem com a forma antiga. O beneditismo não desapareceu quando os franciscanos foram fundados. Apenas haverá um problema se elas se sentirem chamadas a impedir a jornada em que nós estamos. Aí é onde, em minha opinião, temos que ser tão corajosas como as nossas ancestrais como Angela Merici [fundadora das ursulinas] e Mary Ward [Instituto Beatíssima Virgem Maria] e Nano Nagle [Irmãs da Apresentação] e Marguerite Bourgeoys [Congregação de Notre-Dame] e Louise de Marillac [Filhas da Caridade] e todas as outras pioneiras da vida religiosa apostólica muito antes que fosse oficialmente aprovada em 1900. A Igreja institucional sempre resistiu a novas formas de vida religiosa, especialmente entre mulheres. Mas o novo continuará a acontecer. Neste momento da história, nós o somos. Então, vamos ser o que somos: religiosas que não estão enclausuradas e ministras que não são ordenadas. O direito canônico ainda não tem categorias para essa combinação. Mas nós existimos. A lei segue a vida, e não vice-versa.
Sobre o "simpósio" do Stonehill [ocorrido no Stonehill College, 2008, e muito crítico com relação às congregações do tipo LCWR] – não foi um simpósio em que as pessoas se reuniam para compartilhar opiniões diferentes no esforço de chegar a uma verdade maior. Foi uma disputa vigorosa entre aquelas que estavam convencidas de que estavam certas e que só podem estar certas se as pessoas que não são como elas estão erradas. Elas estavam ouvindo a si mesmas. Está bem – contanto que não persigam as outras pessoas. Nós não estamos atrás delas. Essa é uma guerra falsa que está sendo incitada pelo Vaticano ao instigar os amedrontados. Não entremos nela. Também, qual é a pior coisa que pode acontecer a partir dessa investigação? Eles certamente não vão fechar 95% das congregações religiosas deste país, mesmo se quisessem, assim como não fecharam todos os seminários que não estavam ensinando a teologia moral do século XIX ou que não compraram a linha oficial de que os escândalos de abuso sexual por parte do clero foram causados não por bispos corruptos que protegiam padres pedófilos, mas por homossexuais nos seminários.
Bem, era isso o que eu tinha a dizer. Eu me recuso a entrar em pânico sobre isso. Há coisas melhores para se fazer. Sempre me alegro em ouvir vocês sobre esses temas.
Paz e coragem,
Sandra