Em entrevista ao L'Osservatore Romano, o arcebispo de Milão, cardeal Dionigi Tettamanzi, fala de seu último livro – "Non c'è futuro senza solidarietà. La crisi economica e l'aiuto della Chiesa" [Não há futuro sem solidariedade. A crise econômica e a ajuda da Igreja, em tradução livre] – e da iniciativa que o fez nascer, ou seja, o Fundo Família-Trabalho, anunciado no Duomo no Natal, durante a missa do galo. A reportagem é de Alberto Manzoni, publicado no jornal do Vaticano, L'Osservatore Romano, 25-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOSEminência, no livro, o senhor dedica um capítulo inteiro ao tema da sobriedade. Como é possível propor esse valor ao homem de hoje, imerso em uma mentalidade consumista?
Justiça, solidariedade e sobriedade formam um tema inseparável. Bento XVI, na sua homilia do dia 31 de dezembro de 2008, lançou um apelo: a crise "pede a todos mais sobriedade e solidariedade para ajudar sobretudo as pessoas e as famílias em dificuldades mais graves". A sobriedade é uma virtude que nasce e cresce por meio de um sábio e corajoso discernimento, que a mantém intimamente unida à sua finalidade: ser um caminho privilegiado que conduz à solidariedade, à partilha verdadeira e concreta de tudo o que é necessário para viver segundo a dignidade humana, que é de todos, sem nenhuma discriminação. É um desafio o que o Papa lança, para mudar de modo radical uma cultura dos estilos de vida construídos sobre o consumismo. A sobriedade é uma virtude não apreciada, talvez porque muitas vezes é mal-entendida e aplicada só à esfera econômica. A sobriedade é confundida com uma vivência que tem o sabor de economia minuciosa, de abstenção dos consumos. Mas a sobriedade autêntica é uma coisa bem diferente, é um estilo de vida complexo: sobriedade nas palavras, na exibição de si mesmo, no exercício do poder, na vivência cotidiana. Sobriedade significa curar o nosso comportamento cotidiano dos excessos, reconduzindo-o à "justa medida".
Portanto, há uma relação muito estreita entre sobriedade e solidariedade?
Não é possível ser solidário sem ser sóbrio: senão, se compartilharia só o que excede às necessidades pessoais. É preciso dar bem mais do que o supérfluo, segundo o exemplo da "viúva pobre" do capítulo 21 do Evangelho de Lucas, que soube compartilhar tudo. Só a partir dessas premissas é possível entender corretamente também a solidariedade, que não deve ser confundida com uma atitude voluntarista ou com a filantropia. A solidariedade encontra a sua origem no fato de estar totalmente ligada, "solidamente", pela mesma ligação que nos une no mesmo gênero humano. E temos uma prova disso no fato de que a solidariedade é um dos valores sobre os quais se funda a Constituição da República Italiana, que, no artigo 2, considera-a um "dever imprescindível". Viver a solidariedade é sobretudo e fundamentalmente um dever de justiça – eis a terceira palavra –, antes ainda que sinal de virtude.
Como o senhor julga, hoje, o andamento do fundo diocesano?
A coleta diocesana superou os quatro milhões e meio de euros. Ao um milhão de euros destinado inicialmente e proveniente em parte da cota de oito por mil [1] a ser destinada às obras de caridade, de ofertas que já haviam chegado, acrescentou-se um milhão de euros doado pela Fundação Cariplo. De contribuições individuais e das iniciativas das paróquias, somaram-se – no dia 15 de junho – outros dois milhões e meio de euros. Uma quantia não pequena. Mas a diocese é grande, a crise é forte, as necessidades que se mostram, enormes. Milhares de famílias já recebem um subsídio graças a esse fundo.
Além da conjuntura econômica atual, qual herança de valores e de compromisso poderia ser deixada nos próximos anos?
O dinheiro não é a única e nem mesmo a maior palavra que devemos e podemos levar. As comunidades cristãs, com a sua rede discreta, capilar e eficaz, podem interceptar e ajudar outras necessidades: as solidões, as angústias, os temores que essa crise está gerando. A palavra do Evangelho e o seu testemunho vivo são uma presença de esperança que vale mais do que um subsídio econômico. Poderemos sair dessa crise purificados nos estilos de vida se aprendermos a autêntica virtude da sobriedade, e reforçados, se soubermos renovar o laço da solidariedade.
Notas:
1. "Otto per mille" é uma norma pela qual o Estado italiano reparte 8‰ de tudo o que é recolhido no imposto de renda italiano, com base nas escolhas dos contribuintes, entre o Estado e as diversas confissões religiosas, para propósitos definidos pela lei.
Justiça, solidariedade e sobriedade formam um tema inseparável. Bento XVI, na sua homilia do dia 31 de dezembro de 2008, lançou um apelo: a crise "pede a todos mais sobriedade e solidariedade para ajudar sobretudo as pessoas e as famílias em dificuldades mais graves". A sobriedade é uma virtude que nasce e cresce por meio de um sábio e corajoso discernimento, que a mantém intimamente unida à sua finalidade: ser um caminho privilegiado que conduz à solidariedade, à partilha verdadeira e concreta de tudo o que é necessário para viver segundo a dignidade humana, que é de todos, sem nenhuma discriminação. É um desafio o que o Papa lança, para mudar de modo radical uma cultura dos estilos de vida construídos sobre o consumismo. A sobriedade é uma virtude não apreciada, talvez porque muitas vezes é mal-entendida e aplicada só à esfera econômica. A sobriedade é confundida com uma vivência que tem o sabor de economia minuciosa, de abstenção dos consumos. Mas a sobriedade autêntica é uma coisa bem diferente, é um estilo de vida complexo: sobriedade nas palavras, na exibição de si mesmo, no exercício do poder, na vivência cotidiana. Sobriedade significa curar o nosso comportamento cotidiano dos excessos, reconduzindo-o à "justa medida".
Portanto, há uma relação muito estreita entre sobriedade e solidariedade?
Não é possível ser solidário sem ser sóbrio: senão, se compartilharia só o que excede às necessidades pessoais. É preciso dar bem mais do que o supérfluo, segundo o exemplo da "viúva pobre" do capítulo 21 do Evangelho de Lucas, que soube compartilhar tudo. Só a partir dessas premissas é possível entender corretamente também a solidariedade, que não deve ser confundida com uma atitude voluntarista ou com a filantropia. A solidariedade encontra a sua origem no fato de estar totalmente ligada, "solidamente", pela mesma ligação que nos une no mesmo gênero humano. E temos uma prova disso no fato de que a solidariedade é um dos valores sobre os quais se funda a Constituição da República Italiana, que, no artigo 2, considera-a um "dever imprescindível". Viver a solidariedade é sobretudo e fundamentalmente um dever de justiça – eis a terceira palavra –, antes ainda que sinal de virtude.
Como o senhor julga, hoje, o andamento do fundo diocesano?
A coleta diocesana superou os quatro milhões e meio de euros. Ao um milhão de euros destinado inicialmente e proveniente em parte da cota de oito por mil [1] a ser destinada às obras de caridade, de ofertas que já haviam chegado, acrescentou-se um milhão de euros doado pela Fundação Cariplo. De contribuições individuais e das iniciativas das paróquias, somaram-se – no dia 15 de junho – outros dois milhões e meio de euros. Uma quantia não pequena. Mas a diocese é grande, a crise é forte, as necessidades que se mostram, enormes. Milhares de famílias já recebem um subsídio graças a esse fundo.
Além da conjuntura econômica atual, qual herança de valores e de compromisso poderia ser deixada nos próximos anos?
O dinheiro não é a única e nem mesmo a maior palavra que devemos e podemos levar. As comunidades cristãs, com a sua rede discreta, capilar e eficaz, podem interceptar e ajudar outras necessidades: as solidões, as angústias, os temores que essa crise está gerando. A palavra do Evangelho e o seu testemunho vivo são uma presença de esperança que vale mais do que um subsídio econômico. Poderemos sair dessa crise purificados nos estilos de vida se aprendermos a autêntica virtude da sobriedade, e reforçados, se soubermos renovar o laço da solidariedade.
Notas:
1. "Otto per mille" é uma norma pela qual o Estado italiano reparte 8‰ de tudo o que é recolhido no imposto de renda italiano, com base nas escolhas dos contribuintes, entre o Estado e as diversas confissões religiosas, para propósitos definidos pela lei.
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