30/06/2009

Nicole Sotelo

Não conte ao Papa

Artigo de Nicole Sotelo, autora de "Women Healing from Abuse: Meditations for Finding Peace" (Paulist Press), e coordenadora do sítio www.womenhealing.com. publicado no sítio National Catholic Reporter, 11-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS



O Papa Bento XVI declarou o dia 19 de junho como o começo do Ano Sacerdotal. Ele proclamou que, "sem o ministério presbiteral, não haveria Eucaristia, não haveria missão e nem mesmo Igreja". Eu odeio ser a primeira pessoa a informá-lo, mas a Eucaristia, a missão e a Igreja já existiam bem antes do surgimento do sacerdócio.

De acordo com os Evangelhos, Jesus não era um padre, nem os seus discípulos. Vemos referências a Jesus como um padre na Carta aos Hebreus. O autor usa a palavra para se referir a Jesus como o novo e último "Sumo Sacerdote", encerrando uma grande sucessão de líderes judeus. O autor afirma que os padres não são mais necessários, porque não se precisa mais de sacrifícios. Jesus foi o sacrifício último e é o nosso sumo sacerdote último.

Talvez o Papa tenha esquecido que Jesus não estava focado no sacerdócio. Ele estava focado no ministério. Ele chamou as pessoas a ministrar junto com ele, independentemente de seu status na sociedade. Ele chamou pescadores e coletores de impostos e a mulher com sete demônios. Todos eram responsáveis pela edificação do reino de Deus.

Todos eram convidados a ministrar, e fizeram isso com vários títulos dados a eles pela comunidade, baseados em seus dons. Alguns eram chamados de profetas, outros, de mestres, e outros ainda de apóstolos. Foi apenas depois que se começou a ver a emergência de uma estrutura ministerial formal com uma terminologia correspondente, quando os seguidores de Jesus foram influenciados e integrados ao Império Romano. Até 215 d.C., não temos evidências de uma ordenação ritual de bispos, padres e diáconos.

O surgimento de uma estrutura clerical levou, eventualmente, à divisão da fé cristã em "clero" e "leigos". Nos primeiros anos do surgimento do cristianismo, porém, Paulo lembrou os seguidores de Jesus: "Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gálatas 3, 28).

Depois do surgimento da ordenação e do sacerdócio, desenvolveu-se uma ordem hierárquica entre os fiéis. A palavra "ordenação" deriva do latim "ordinare", que significa "criar ordem". Desenvolveu-se do uso romano da palavra "ordines", que se referia às classes de pessoas de Roma de acordo com a sua elegibilidade para as posições de governo.

Os leigos se tornaram "des-ordenados" do clero. A palavra "leigo" se origina da palavra "laikoi", que se refere àqueles que, na sociedade greco-romana, não eram "ordenados" no âmbito da estrutura política estabelecida. O termo "clero" vem da palavra "kleros", que significa "grupo separado".

Enquanto muitos cristãos continuaram a ministrar dentro da Igreja, e até algumas mulheres sustentavam os títulos de diaconisas, sacerdotisas e bispas, muitos dos que possuíam esses títulos faziam parte de um grupo limitado de homens pertencentes ao contexto de uma ordem sócio-política e religiosa particular.

Isso perdurou até 1964, quando o Concílio Vaticano II lembrou para a Igreja que o papel de ministro, ou padres, não estava limitado aos ordenados, mas era um chamado a todos os batizados. O documento "Lumen Gentium" proclamava que os leigos se tornavam " participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, e exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na Igreja se no mundo" (31).

O presbiterato, que deriva do fundamento dos ministérios primitivos dos seguidores de Jesus, voltou então para todos os cristãos. Todas as pessoas são novamente chamadas ao ministério. Todos os cristãos são chamados a participar dos papéis proféticos, soberanos e, sim, até mesmo sacerdotais dentro da missão da Igreja.

Portanto, enquanto o Papa exorta os padres ordenados a refletir neste Ano Sacerdotal, o chamado se dirige a todos nós para que reflitamos sobre como estamos vivendo o nosso ministério na Igreja e no mundo.

Eu não me preocuparia em contar ao Papa que a Eucaristia, a missão e a Igreja existiam bem antes do sacerdócio, nem que o Ano Sacerdotal deveria realmente ser um ano dedicado a todos os leigos. Pelo contrário, precisamos compreender isso por nós mesmos.

O Ano Sacerdotal é uma oportunidade para todos os fiéis cristãos refletirem sobre o ministério presbiteral e, fazendo isso, reivindicar o nosso próprio ministério.