16/06/2009

Religiões vigilantes frente aos desvios eugenistas

Convictas da sua capacidade de "interrogar as consciências" sobre os efeitos da pesquisa médica, as correntes religiosas tentam, cada uma a seu modo, fazer sentir a sua voz nas discussões ligadas às revisões das leis de bioética. Baseado em uma doutrina clara e em uma vontade decisiva de ter um peso nos debates, o trabalho realizado pela Igreja católica é, de longe, o mais completo. A reportagem é de Stéphanie Le Bars, publicada no jornal Le Monde, 10-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


De maneira inédita, os bispos franceses aproveitaram os Estados Gerais de bioética para afinar a sua estratégia de comunicação e de "diálogo" sobre temas em que as posições da Igreja e do Vaticano parecem tradicionalmente cristalizadas. Um blog aberto em fevereiro no sítio da Conferência Episcopal Francesa (CEF), segundo os seus iniciadores, foi visitado por 20 mil internautas por mês. Foram propostos cursos de formação para o clero e para os leigos. Foi amplamente difundido um livro sob o título "Bioéthique, propos pour un dialogue" (Editora (Lethielleux).

Mas, mesmo havendo adotado um novo tom e, sem dúvida, melhor argumentado para defender as suas convicções, a Igreja francesa continua sobre posições doutrinais lembradas pelo Vaticano em dezembro de 2008 com a instrução "Dignitas personae". "A dignidade da pessoa humana deve ser reconhecida a todo ser humano desde a sua concepção até a sua morte natural", especifica o texto assinado pelo Papa Bento XVI.

A propósito da procriação, o texto também é claro: "A origem da vida humana, por outro lado, tem o seu contexto autêntico no matrimônio e na família". As técnicas de procriação assistida são condenadas no seu conjunto.

Para promover essas posições, a Igreja pretende "sacudir os pesquisadores", alguns dos quais, asseguram os responsáveis católicos, compartilham de suas interrogações. "Por que existe o diagnóstico pré-implantatório?", pergunta Dom Pierre d'Ornellas, arcebispo de Rennes, que se tornou especialista desses temas na CEF. "Por que as pessoas são colocadas diante de perguntas desse tipo: querem conservar este ou aquele embrião? O que devemos fazer com os embriões congelados de vocês?", questiona o bispo, que, no livro da CEF, considera que é preciso ser encorajada "a pesquisa sobre doenças sobre as quais se fala, em vez da extirpação das doenças por meio da seleção pré-natal de massa".

A Igreja vê nos métodos de diagnóstico pré-implantatório ou pré-natal (DPI e DPN) um desvio "eugenista" da sociedade. "Não se suporta nem mesmo a ideia de anomalia", deplora Dom d'Ornellas, que deseja que a voz dos familiares das crianças com necessidades especiais seja ouvida.

Do mesmo modo, a Igreja reafirma a sua oposição à pesquisa com células-tronco embrionárias, preferindo a pesquisa com células-tronco adultas ou umbilicais. "O desenvolvimento de tratamentos a curto prazo a partir de células-tronco embrionárias não é medicamente pensável no estado atual do conhecimento. Coloca graves problemas éticos, já que a sua utilização supõe a destruição de embriões".

De sua parte, os responsáveis judeus organizaram conferências sobre temas discutidos durante os Estados Gerais. Mas se a lei judaica coloca princípios, a prática rabínica prevê uma grande adaptação das respostas caso por caso. Na França, os responsáveis muçulmanos, ainda pouco formados sobre esses problemas, fazem referência a regras gerais, que adaptam também elas aos casos particulares.

Nem o protestantismo, atravessado por correntes muito diversas, propõe uma doutrina única. A Federação Protestante Francesa (FPF) a recém publicou algns "elementos de reflexão". Por exemplo sobre o embrião, alguns protestantes consideram que, "sem um projeto parental, ele não poderá se tornar um ser humano sob todos os efeitos" e justificam, assim, a sua utilização para "fins de pesquisa". Outros, para os quais "o embrião nunca existe sem relação humana ou divina", veem nessa utilização "uma reificação inadmissível". Com a Igreja católica, a FPF deseja que se dê privilégio à pesquisa com células-tronco umbilicais e adultas.

No judaísmo, o embrião é só um "projeto de vida, uma vida em potencial", e admitem-se pesquisas regulamentadas. No islã, não há consenso com relação ao momento em que a vida inicia – desde a concepção, no 40º dia ou no 120º dia –, e uma interrupção de gravidez pode ser admitida antes do quarto mês em caso de diagnose de uma deficiência.

Com relação à reprodução medicamente assistida, o protestantismo, o islã e o judaísmo são mais flexíveis do que a Igreja católica e autorizam a fecundação in vitro com os gametas dos dois genitores. A mesma divisão aparece com relação à DPN e à DPI, que são aceitas para fins terapêuticos, caso não levem a um desvio eugenista. Pelo contrário, todos estão de acordo ao recusar a gestação de aluguel.

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