18/06/2009

Pe. Luiz Augusto Ramos Vieira

Bangladesh: terra de um mar de gente

É a nação com mais densidade populacional do mundo. É como colocar toda a população do Brasil dentro do Estado de São Paulo
Fonte: Missionários Xaverianos do Brasil


Com uma população de cerca 150 milhões de habitantes, o Bangladesh é hoje a nação com mais densidade populacional do mundo. O país tem uma extensão geográfica mais ou menos como o Estado do Paraná. É como se colocássemos toda a população do Brasil dentro do Estado de São Paulo. Façam uma idéia de como seja grande, entre essa multidão de gente, a procura pela terra. Somente para dar um exemplo cerca de 85% das causas judiciais aqui são por problemas que envolvem a terra. A grande maioria do povo, por volta de 98%, é bengalês e os outros 2% são aborígines e tribais. Com relação à religião, quase 90% são muçulmanos, 8% hinduístas e cerca de 2% entre budistas, cristãos e religiões tradicionais.

A vida aqui é predominantemente rural, por isso 75% da mão de obra é empregada no cultivo do arroz e de outros produtos como a juta e vegetais vários. Infelizmente, os bengaleses vivem ainda num sistema de castas, isto é de divisão social, mesmo se as vezes isso é mascarado. Originalmente, as castas eram apenas quatro: os brâmanes (religiosos e nobres), os xatrias (guerreiros), os vaixas (camponeses e comerciantes) e os sudras (escravos). À margem dessa estrutura social havia os párias, sem-casta ou intocáveis. Com o passar do tempo, vêm acontecendo centenas de subdivisões que não param de se multiplicar. Nós missionários xaverianos estamos trabalhando com as pessoas consideradas sem casta.

Geralmente, os bengaleses se sentem orgulhosos da pátria deles, de sua língua e sua cultura, mas certamente não são tão felizes de viver neste sistema excludente e opressor. Sentem vergonha, na própria pele, do duro peso que o “destino” reservou para eles, sobretudo os sudras e os intocáveis que fazem trabalhos considerados indignos, como coveiro ou curtumeiro, e outros empregos que os mantêm em constante contato com aquilo que o resto da sociedade considera desagradável. Eles são considerados individualmente sujos, e assim não podem ter contato físico com os “puros”, da sociedade. Vivem separados do resto das pessoas. Ninguém pode interferir em sua vida social, pois os intocáveis são os últimos, são considerados menos que humanos e não são considerados parte do sistema de castas.

Em contrapartida, as pessoas aqui pensam e agem sempre em grupo. Pelo menos tinha sido assim até pouco tempo. Todavia hoje com a globalização a idéia de individualismo começa a surgir também no meio deles. De qualquer modo, para exemplificar, não dizem quase nunca “o meu país”, “o meu vilarejo”, “a minha casa”, etc., mas preferem dizer “o nosso país”, “o nosso vilarejo”, “a nossa casa”. A ação de um indivíduo pode refletir diretamente sobre a vida do grupo. Um ato de maldade difama todo o grupo e, ao contrário, uma ação boa concede a todos que fazem parte do grupo uma boa reputação. Talvez aqui encontramos a raiz do fato que o conceito de privacidade para eles seja um tanto diferente do nosso. Por isso, logo no inicio nos assustam com suas perguntas que parecem violar nossa intimidade. Por exemplo, uma das frequentes perguntas que fazem quando lhe vêm pela primeira vez é o que veio fazer no Bangladesh, se você é casado, se tem filhos, qual o seu salário, etc.

A Igreja ensina que os missionários “para poderem dar frutuosamente este testemunho de Cristo, unam-se a esses homens com estima e caridade, considerem-se a si mesmos como membros dos agrupamentos humanos em que vivem, e participem na vida cultural e social através dos vários intercâmbios e problemas da vida humana; familiarizem-se com as suas tradições nacionais e religiosas; façam assomar à luz, com alegria e respeito, as sementes do Verbo nelas adormecidas;” (Concílio Vaticano II, Decreto Ad Gentes, 11). Somente se estivermos livres de julgamentos precipitados, conseguiremos perceber as sementes do Evangelho já presentes no Bangladesh antes mesmo da chegada dos primeiros missionários portugueses há 400 anos. Quando entramos numa nova realidade compreendemos melhor o que significa tirar as sandálias dos pés, porque o lugar no qual estamos pisando é sagrado (cf. Ex 3,4b). Resta-nos, então, confiar em Deus que nos chamou para a missão, ter humildade suficiente para saber que somos apenas instrumentos d’Ele e é Ele quem faz e age em nós.