Credibilidade política
A lei 9840, apresentada no Congresso Nacional por iniciativa popular e aprovada em 1999, tornou possível a punição, pela Justiça Eleitoral, de políticos já eleitos, com a perda do mandato. Os processos por “corrupção eleitoral” geralmente envolveram a compra de votos ou o uso da máquina administrativa pública para se beneficiar nas eleições. Para conseguir sua aprovação, foram recolhidas mais de um milhão de assinaturas por várias entidades da sociedade, lideradas pela OAB e a CNBB. O mote da campanha era: “voto não tem preço, tem conseqüências”.
O Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, articulado em todo o Brasil (cf. www.lei9840.org.br), monitora a aplicação da lei 9840; desde o ano 2000, quando a lei entrou em vigor, até outubro de 2007, já foram cassados bem 623 mandatários, que incluem desde vereadores (84) até governadores e vices (4); o número mais expressivo de afastados do mandato foi o de prefeitos: ao todo, 508! Para a sua eficácia, essa lei conta com a vigilância da população, que segue atentamente o desempenho dos candidatos durante a campanha eleitoral. Não há dúvida: a lei 9840 estimulou o povo brasileiro a assumir o seu papel de sujeito político e fiscalizador das ações daqueles que se apresentam para exercer mandatos públicos.
A lei já tem grande efeito moralizador na política brasileira. Mas será possível proteger a moralidade no exercício do mandato e assegurar a probidade administrativa? Certamente sim, na medida em que houver uma mobilização da população para isso. E já está em andamento uma nova iniciativa popular para conseguir isso. Durante a assembléia geral anual da CNBB, em Itaici, no início de abril passado, foi lançada a campanha de apoio a um Projeto de Lei complementar à lei 9840, para impedir a candidatura de cidadãos que estejam respondendo a processos criminais, ou até já tenham sido condenados em primeira instância por crimes graves. A nova proposta de lei de iniciativa popular já conta com a adesão firme da OAB, da CNBB, da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais, além de um grande número de outras organizações da sociedade.
É constatável, e não raro, que em campanhas eleitorais passadas se apresentaram candidatos com ficha criminal a seu desfavor; por vezes, mesmo com processos por homicídio, tráfico de drogas, violência sexual e desvio de recursos públicos. A legislação atual não impede tais candidaturas e só ficam impedidos de disputar eleições aqueles que já tiveram condenação definitiva. Uma vez eleitos, os mandatários adquirem foro privilegiado e se colocam praticamente a salvo de qualquer condenação.
Evidentemente, a nova proposta de lei de iniciativa popular não pretende antecipar a declaração de culpa de quem está respondendo a processos criminais, mas quer impedir tais candidaturas até que os interessados fiquem livres de pesadas e fundadas acusações contra eles. O projeto de lei também prevê o veto à candidatura, por oito anos, de políticos que renunciam ao mandato para escaparem à cassação; na atual legislação, eles podem se apresentar livremente já nas eleições sucessivas à renúncia. Finalmente, pelo texto desse novo projeto, seriam ampliados os atuais prazos de inelegibilidade previstos na lei e também estão propostas medidas para agilizar o andamento dos processos na Justiça Eleitoral. De fato, hoje ainda há processos por crimes eleitorais referentes às eleições de 2004, sendo que os eleitos naquele ano já encerram seu mandato em 2008. É preciso tornar simples e mais rápida a tramitação de tais processos, para não esvaziar o efeito da lei 9840.
A motivação do novo projeto de lei de iniciativa popular é melhorar ulteriormente a vida política brasileira. De fato, que moral tem para legislar para a comunidade local ou para o País inteiro quem tem ficha criminal pendente na justiça? Como confiar a administração dos bens do município, do Estado ou da Nação a quem já tivesse prevaricado na gestão do patrimônio público? Quem se propõe para o exercício de cargos políticos precisa ter ficha limpa para merecer a confiança dos cidadãos. E não basta argumentar que os eleitores têm a liberdade de escolher a quem eles querem: também é preciso resguardar a dignidade e a credibilidade no exercício dos cargos políticos.
Através do apoio da CNBB à nova proposta de lei, a Igreja Católica, somando esforços com um grande número de organizações da sociedade civil, deseja fazer sua parte para a reabilitação da ética na política. Existem soluções para os lamentáveis fatos de corrupção no desempenho de cargos políticos, desvio de recursos e apropriação indevida do patrimônio público: a triagem conscienciosa dos candidatos nas urnas, depois de um processo eleitoral livre e participativo, e a constante vigilância da cidadania sobre aqueles que exercem cargos públicos. Melhor ainda, se pessoas não-idôneas forem barradas de se candidatarem para o desempenho de missões que requerem, além de competência, alta confiabilidade moral.
A nova campanha já está nas ruas e precisa recolher pelo menos um milhão e duzentas mil assinaturas em todo o Brasil; se for bem sucedida e conseguir a aprovação em tempo curto, a proposta de lei complementar para combater a corrupção na política poderá valer até mesmo para as eleições municipais deste ano. As adesões poderão ser dadas, com o título de eleitor na mão, numa infinidade de lugares relacionados com as instituições e organizações promotoras da campanha.
Fonte: CNBB