25/12/2008

Dom Sergio da Rocha















Fé e razão em diálogo


O relacionamento entre fé e razão tem recebido diversas interpretações e acentuações ao longo da história. O tema reveste-se de especial importância em nosso tempo, marcado por transformações rápidas e profundas atingindo nosso modo de ver o conhecimento humano e de vivenciar a experiência religiosa. Há diversos equívocos a serem superados para uma justa compreensão da questão.

É preciso, antes de tudo, superar os reducionismos: Em primeiro lugar, o racionalismo, com a afirmação absoluta da razão, especialmente, a sua versão mais atual, o cientificismo, com sua tendência em absolutizar o conhecimento científico, excluindo a fé e relegando o discurso teológico e as práticas religiosas ao âmbito da irracionalidade. Esta tendência tem sido fortemente impulsionada pelo avanço das ciências e das tecnologias e por uma concepção laicista da vida social. Ao mesmo tempo, tende-se a excluir a ética do campo científico, alegando-se muitas vezes a laicidade da ciência, esquecendo-se de que a ética tem fundamentação antropológica e não apenas teológica.

Entretanto, a postura cientificista de endeusamento e absolutização da ciência tem sido recusada inclusive no campo da epistemologia científica, cedendo lugar a uma concepção mais crítica, dinâmica, que destaca a provisoriedade do conhecimento científico, o papel do sujeito e as condições sociais de produção do discurso científico, com sua conseqüente não neutralidade ética. Cresce o reconhecimento da necessidade de se impor limites éticos à pesquisa científica, pois nem tudo o que é tecnicamente possível é éticamente aceitável, especialmente, quando está em jogo a vida humana e os direitos fundamentais da pessoa. Portanto, uma justa valorização da ciência ultrapassa a tendência cientificista, admitindo-se a validade de outras ex- pressões do conhecimento humano, os limites do conhecimento científico e as implicações éticas das pesquisas científicas e das modernas tecnologias.

Outra forma reducionista de se conceber a relação entre fé e razão é o fideísmo onde o que conta na explicação da realidade é únicamente a fé ou o discurso religioso. Esta tendência que muitos julgavam relegada ao passado, ressurge tristemente em meio a fundamentalismos religiosos, que acabam gerando fanatismo e intolerância. Ao contrário, no campo religioso, é preciso dar as razões de nossa fé, com mansidão e respeito (cf. 1Pd 3,15), admitindo-se as “sementes do Verbo”, isto é, a Verdade, espalhada pelo mundo, inclusive no mundo das ciências.

Reducionismos desfiguram a própria realidade e empobrecem o conhecimento que dela temos. Admitir, com humildade, a provisoriedade do atual estágio de conhecimentos não significa relativismo ou descrédito na verdade; ao contrário, permite-nos avançar sempre mais rumo à sua plenitude. É indispensável o diálogo entre fé e razão, entre fé e ciência, cada qual com sua especificidade e autonomia, mas numa perspectiva de colaboração e complementareidade.

Tal diálogo exige a superação da polêmica ofensiva, de preconceitos e fundamentalismos, sejam de cunho religioso ou científico. Aproximar-se primeiramente para “escutar”, “compreender” e “respeitar”, numa atitude de fraterna estima, segundo a proposta de Paulo VI durante o Concílio Vaticano II. Aproximar-se para aprender com o outro. Dialogar é preciso!

Fonte: Jornal Meio-Norte, 8/11/2008