Fonte: UNISINOS
Quinze anos depois da primeira "assembléia especial" dos bispos, em 1994, a Igreja olha ao continente mais pobre e esquecido como um tema decisivo para o futuro do planeta e do próprio cristianismo. Os católicos que eram alguns milhões no início do século XIX, passaram de 55 a 164 milhões dos últimos 30 anos e, daqui a 25 anos, calcula (com prudência) a revista mensal dos jesuítas Popoli, superarão em número os católicos presentes na Europa.
Durante três semanas, na Sala do Sínodo no Vaticano, irão se reunir 244 padres sinodais, com 228 bispos (dos quais 33 são cardeais, incluindo os 14 africanos), que chegarão obviamente da África (197), mas também da Europa (34), das Américas (10), da Ásia (2) e da Oceania (1), para mostrar que "a assembleia se refere a toda a Igreja africana", explica o arcebispo Nikola Eterovic, secretário-geral do Sínodo. Vinte congregações, nove sessões, um calendário cheio até o dia 25 de outubro, "a serviço da reconciliação, da justiça e da paz".
Porém, bastará apenas para enfrentar todas as questões que os bispos africanos elencaram no "Instrumentum laboris" já apresentado ao Papa: "A Assembleia sinodal deveria fazer ouvir o grito dos pobres, das minorias, das mulheres ofendidas em sua dignidade, dos marginalizados, dos trabalhadores mal pagos, dos refugiados e dos migrantes, dos prisioneiros...".
Dentre outras coisas, aparece no documento preparatório dos bispos africanos a questão feminina, que será abordada também por cerca de 30 mulheres, entre religiosas e leigas convidadas para os trabalhos como "especialistas" (10 de 29) ou "auditoras" (20 de 49). O próprio Bento XVI havia enfrentado o tema, no dia 22 março, em Angola: "Quem não adverte, hoje, a necessidade de dar mais espaço às 'razões do coração'? Pense-se nas terras onde abunda a pobreza, nas zonas devastadas pela guerra, em tantas situações trágicas resultantes de emigrações forçadas ou não… São quase sempre as mulheres que lá mantêm intacta a dignidade humana, defendem a família e tutelam os valores culturais e religiosos".
Porém, "a mulher continua a ser subjugada em todas as regiões sob diversas formas", escrevem os bispos: "violências domésticas", "poligamia", "prostituição"; " mutilação dos órgãos genitais das mulheres", as várias expressões do "domínio dos homens sobre as mulheres". Sem contar, admitem os bispos, que "um grande número de Igrejas particulares considera que a dignidade da mulher está ainda por promover, tanto na Igreja como na sociedade". As mulheres, assim como os leigos, "não estão ainda plenamente integrados nas estruturas de responsabilidade da Igreja" e na "gênese do seu programa pastoral", ou seja, contam pouco ou nada a despeito das 61 mil religiosas espalhadas no continente.
Um continente complexo, composto pelos 53 países da União Africana (mais o Marrocos, excluído por causa do conflito com o Saara Ocidental), um milhão de habitantes e 800 grupos étnicos principais, mas com problemas difusos que os bispos denunciam sem meios termos. Guerras e armas, para começar: "Coniventes com homens e mulheres do continente africano, forças internacionais fomentam guerras para vender armas, apoiam os poderes políticos que não respeitam os direitos humanos e os princípios democráticos para garantirem, em contrapartida, vantagens econômicas, ameaçam desestabilizar as nações".
E depois, "as multinacionais", que "não cessam de invadir gradualmente o continente em busca de recursos naturais. Esmagam as companhias locais, adquirem milhares de hectares, expropriando as populações de suas terras, com a cumplicidade dos dirigentes africanos. Causam dano ao meio ambiente e desfiguram a criação". Depois, estão as tragédias sanitárias, começando pela Aids.
No voo rumo à África, uma frase de Bento XVI ("Não se pode superar esse drama com a distribuição dos preservativos que, pelo contrário, aumentam o problema") desencadeou polêmicas planetárias, mesmo se, na realidade, o Papa se referia à necessidade de pesquisa e assistência médica (a Igreja na África está na vanguarda com 16.178 centros sanitários, incluindo 5.373 ambulatórios), além da educação: não por acaso, o L'Osservatore Romano citou como modelo, mesmo que "não totalmente aderente às indicações da Igreja", o método ABC, experimentado na Uganda: "abstinence", "be faithful" e "condom", ou seja, abstinência, fidelidade e só por último o preservativo, muitas vezes usado de modo impróprio e, portanto, arriscado.
E ainda, óbvio, a economia será central no sínodo: "Os programas de reestruturação das economias africanas, propostos pelas instituições financeiras internacionais, revelaram-se muitas vezes funestos. As reestruturações 'impostas' tiveram como consequência, por um lado, a fragilização das economias africanas e, por outro, a degradação do tecido social, causando o aumento das taxas de criminalidade, o alargamento do fosso entre ricos e pobres, o êxodo das zonas rurais e a superpopulação das cidades".
A própria campanha de sementes dos organismos geneticamente modificados (OMG) "pretende assegurar a segurança alimentar", mas, na realidade, "pode arruinar os pequenos proprietários, de suprimir a sua sementeira tradicional tornando-os dependentes das sociedades produtoras dos OGM", acusam os bispos.
No fundo, fica evidente a afinidade com o que Bento XVI escreveu na encíclica "Caritas in veritate" e repetiu ainda na África: na crise "nascida de um déficit de ética nas estruturas econômicas", os países pobres devem ser defendidos e principalmente envolvidos nos processos de decisão.
Tudo somada, "o primeiro problema do Sínodo será encontrar um denominador comum, um plano de intervenção e de evangelização, evitando os extremos do pragmatismo e do espiritualismo", reflete o padre Giulio Albanese, missionário comboniano e professor da Universidade Gregoriana: "Há um problema com as classes dirigentes locais e a necessidade de um salto de qualidade na cooperação: são boas as obras de caridade, mas são necessários recursos financeiros e humanos. O escândalo é que a África, pelo roubo de recursos, dá ao Ocidente mais do que recebe. A crise tem efeitos devastadores. E enquanto isso retrocedemos em 50 anos: aos tempos em que se dava o peixe, em vez da vara de pescar".
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