04/10/2009

Marcial Maciel: uma questão milionária de relativismo moral imposta ao Vaticano



Artigo de Jason Berry, co-autor, com o falecido Gerald Renner, do livro "Vows of Silence" [Votos de silêncio], que aborda a vida de Marcial Maciel Degollado, e diretor do documentário homônimo que acompanha a investigação do Vaticano. O texto foi publicado no sítio do jornal The Hartford Courant, o principal jornal do Estado do Connecticut, nos EUA, 27-09-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS

Como absolutista, Bento XVI, em um discurso em 2006, citou uma fonte do século XIV, menosprezando o profeta Maomé, provocando fortes protestos do mundo muçulmano. O Vaticano publicou uma declaração de arrependimento. Como pastor indulgente, Bento XVI tentou trazer a cismática Fraternidade de São Pio X de volta para o rebanho, só para se complicar quando um bispo da seita negou que o Holocausto aconteceu. Mais complicações, e outro pedido de desculpas papal.

Hoje, o Papa enfrenta um desafio maior à sua autoridade. O Vaticano está investigando uma ordem religiosa internacional com sua sede norte-americana em Orange [Connecticut], e seu principal seminário em Cheshire [no mesmo Estado]. Como o Papa deve lidar com os Legionários de Cristo? Em 2006, ele baniu o fundador, Pe. Marcial Maciel Degollado, 86, a uma "vida de oração e penitência", depois de uma investigação de acusações de pedofilia.

Apesar do testemunho de 30 ex-legionários violentados por Maciel, o Vaticano falhou ao especificar seus crimes morais. Para pacificar seus seguidores, o Vaticano elogiou a ordem, ignorando sua página eletrônica, que havia atacado as vítimas. A Legião, então, apresentou Maciel como falsamente acusado, sem reprovar o Papa.

Maciel, que faleceu no ano passado, foi o maior arrecadador de fundos da Igreja moderna. A base de doadores da Legião inclui Carlos Slim, do México, dentre os homens mais ricos do mundo. Ele emprestou 250 milhões de dólares ao The New York Times para mantê-lo em funcionamento. A Legião, com um orçamento de 650 milhões de dólares, mesmo que com apenas 700 padres, administra seminários, faculdades e escolas em diversos países.

Maciel impressionou seus padres e seminaristas com presentes generosos para favorecer autoridades vaticanas. Diversos observadores que entrevistei manifestaram pesar com relação aos cheques de até 10 mil dólares para certos cardeais, presentes de Natal como vinhos caros e mil dólares em presuntos espanhóis, e até um carro para um cardeal. Eles se questionam se tudo isso não era suborno.

Além disso, conforme dois padres legionários me disseram no verão passado em Roma, os seminaristas - com e-mails rastreados e acesso restrito à Internet - são mantidos às escuras com relação à história de pedofilia de Maciel. Três anos depois de Bento XVI ter punido Maciel, os seminaristas ainda estudam seus escritos.

João Paulo II, que defendia a Legião apesar das alegações contra Maciel, apareceu em uma vídeo-propaganda da Legião (que não é mais usada), dizendo a um grupo: "Vocês todos são filhos e filhas do Padre Maciel!"

A ironia goteja como cera de vela. Em fevereiro, as autoridades da Legião revelaram que Maciel teve uma filha fora do casamento. Em agosto, notícias de Madri e da Cidade do México disseram que Maciel teve seis filhos de duas mulheres. O advogado José Bonilla, da Cidade do México, representa três dos filhos adultos, afirmando ter amplas evidências de sua paternidade e que exigem indenizações dos legionários. A ordem religiosa não os refutou.

Bonilla também afirmou que as autoridades da Legião sabiam sobre os filhos de Maciel na década de 90. Isso significa que a liderança da ordem enganou doadores e dois Papas por pelo menos duas décadas.

A fraude está em questão em um processo em Rhode Island, que procura desfazer o testamento de Gabrielle Mee, uma viúva que viveu em uma casa dirigida pelo Regnum Christi, o braço leigo da Legião. Os membros do Regnum Christi arrecadam dinheiro e estudam as cartas de Maciel. Desafiando a vontade da Sra. Mee, que doa sua propriedade de 15 milhões de dólares à Legião, sua sobrinha argumenta que, se a Sra. Mee soubesse a verdade sobre Maciel, nunca teria doado a quantia. Documentos do tribunal alegam que a Legião usou da generosidade da viúva para comprar um centro empresarial no condado de Westchester. Os moradores da região se opõem aos planos da ordem de montar ali um campus universitário.

Os pais de Glenn Favreau, um ex-legionário de Champlain, Nova Iorque, escreveram para a Legião buscando a devolução dos 13 mil dólares que doaram ao longo de 10 anos.

Bento XVI enviou cinco bispos de diversos países para investigar a Legião. Eles deveriam contratar contadores forenses para investigar suas finanças. Qualquer outra medida daria continuidade ao engano. O Vaticano deverá ordenar que a Legião pague o que for acordado com as vítimas e os filhos de Maciel. E, então, Sua Santidade deveria fechar essa operação doentia para sempre. Os padres e seminaristas da Legião com vocação genuína podem encontrar espaço em qualquer outro lugar da Igreja. Preservar a Legião como uma marca católica seria relativismo moral da pior espécie e uma mancha irreparável para este papado.