05/05/2009

As causas de Dom Pedro Casaldáliga


Aproveitar a ocasião histórica de que vários países latino-americanos têm governos democráticos com presidentes de ideologias próximas para conseguir uma maior integração da América Latina se converteu em outra das causas de Pedro, segundo conta R. Valle, no jornal Nueva España, republicado pelo sítio Religión Digital, 03-05-09. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS





Causas que, seguindo as reflexões de José María Concepción, incluem outros três princípios básicos: a teologia da libertação, a terra e os indígenas. As causas da terra e dos indígenas fazem com que a voz espanhola de Casaldáliga coloque alguns poréns ao trabalho do carismático Lula da Silva. "O Brasil continua pendente da reforma agrária e da questão indígena. Lula é, desde sempre, o melhor presidente que o Brasil teve, mas o grande drama do país continua sendo a desigualdade. Lula deu satisfação aos ricos, que são muitos no Brasil, e deu de comer aos pobres com o seu projeto Fome Zero, mas não corrigiu problemas estruturais", explica o bispo natural de Cantabria, na Espanha.

No caso da terra, a reflexão de Casaldáliga, à qual Concepción coloca em palavras, parte da crítica da opção de Lula pelo agronegócio. "Optou-se pelo gado, pela soja e pela cana para fazer biocombustível, como negócio para resolver o déficit, e esqueceu-se da agricultura e de que existe muita terra improdutiva e uma lei que permite expropriá-la para que seja dada a quem precisa. Infelizmente, também se permitiu que os latifúndios invadissem a selva amazônica. Pedro chama-os de 'ecocidas', que matam a selva com o agronegócio", explica Concepción.

Também continua aberta a frente de recuperação de suas terras por partes das tribos indígenas. No território de Casaldáliga, há três tribos: os nômades karayá; os tapirapé, que conseguiram com êxito voltar à sua terra; e os xavante, que perderam parte de seu território quando uma deputada decidiu dar uma fazenda ao seu amante, e que há 11 anos lutam para que todas as sentenças judiciais e acordos políticos que reconhecem que eles podem voltar para casa sejam cumpridos.

Não é difícil entender que a terra e os pobres sejam a maior prioridade de um Casaldáliga filho de agricultores catalães que foi ordenado sacerdote em Montjuich em 1952, mas já em 1968 era missionário no Mato Grosso, no Brasil, após uma breve experiência em uma Guiné Equatorial então espanhola. No dia 23 de outubro de 1971, foi ordenado bispo de São Félix do Araguaia, uma diocese que ocupa 150 mil quilômetros quadrados, marcada pela pobreza e pela presença indígena, onde ele teve que lutar contra o regime militar e, em várias ocasiões, contra a incompreensão do Vaticano.

"Se você chega ali com a mente aberta, não há opções", asseguram Raba e Concepción, que lembram como Casaldáliga afirma que o cemitério é o lugar mais sagrado de sua prelatura, pois era ali onde, na sua chegada, enterrava, todos os finais de semana, vários peões e onde se viu na necessidade de enterrar crianças em caixas de papelão.

"Ele nos disse que ao chegar teve clareza disso e assim disse a um claretiano que o acompanhava: 'Aqui ou fazemos alguma coisa, ou morremos, ou vamos embora'", explicam seus amigos espanhóis. Uma sensação que eles mesmos sentiram, trinta anos depois, e que os moveu a fazer desse lugar do Brasil o seu segundo, ou às vezes o primeiro, lar. Claro que o Brasil e o seu povo os cativou tanto quanto o próprio Pedro Casaldáliga. "É uma personalidade impressionante", sentenciam ambos. Mari Pepa e José Maria já preparam o retorno ao Brasil em agosto.

Mari Pepa Raba e José María Concepción exibem em suas mãos, junto à suas alianças matrimoniais, um simples e escuro anel de tucum, presente de Pedro Casaldáliga, bispo emérito da diocese brasileira de São Félix de Araguaia e um dos máximos representantes da teologia da libertação. É um anel igual ao que Pedro – como todos os que se aproximam desse catalão de nascimento e missionário de vocação o chamam – colocou no já distante dia de 1971 em que foi ordenado bispo no Brasil.

Um símbolo externo de sua proximidade aos mais necessitados, ao qual somou outros dois, ao optar por um remo no lugar de um báculo e um chapéu camponês de palha em vez de uma mitra. Mas esse anel humilde é muito mais do que uma jóia, um presente ou um souvenir. "Ele mesmo diz para você quando lhe dá: você leva o anel e, com ele, vai o compromisso", relembra Mari Pepa.

Um compromisso que converteu esse casal de cantabrianos, que agora dividem os meses do ano entre a sua casa familiar em El Escorial e o peculiar Palácio Episcopal de São Félix, em dois amigos, colaboradores e porta-vozes das causas de Pedro. Gijón [cidade espanhola nas Astúrias] também está em seu caminho. José María e Mari Pepa passam alguns dias em Gijón para visitar sua filha Gala, uma engenheira naval que, há não muito templo, converteu-lhes em avós pela sexta vez.

Esta última viagem serviu, além disso, para concretizar o desenvolvimento da exposição "Os olhos dos pobres", em Mieres [cidade da Catalunha], e a possível apresentação, em Gijón, do livro "Pedro Casaldáliga. Las causas que dan sentido a su vida. Retrato de una personalidad", que reúne 26 artigos de outros tantos amigos que não estavam dispostos a deixar passar em silêncio o 80º aniversário do missionário catalão.

Ainda em visita familiar em Gijón, José Maria incluiu entre suas obrigações cotidianas enviar por e-mail ao bispo velho, como o chamam desde que foi substituído do comando da "prelazia" por Leonardo Ulrich Steiner, um amplo resumo de imprensa com todos os temas de interesse que tenham sido publicados em jornais da América Latina e da Europa.

Aos 81 anos e acometido pelo Parkinson, Casaldáliga segue firme em suas reivindicações pela reforma agrária e pela defesa dos indígenas e não deixou de escrever nem poemas nem suas conhecidas circulares. Se antes o fazia à máquina e as enviava por correio, agora utiliza sua própria página web. José Maria se converteu em um dos secretários de Casaldáliga, mesmo que, desde que o casal estabeleceu relação com o religioso no começo dos anos 90, ambos fizeram de tudo e com todos.

"Fomos ao Brasil pela primeira vez no verão de 1990 para ver um agostiniano, Félix Valenzuela, com o qual tínhamos uma grande amizade. A ideia era, além disso, estar na segunda Romaria dos Mártires, que ocorre em Santa Terezinha, e conhecer Pedro, de quem já conhecíamos pelos seus livros. Assim, deixamos as crianças com os avós em Noja e fomos. Nesse ano, Pedro teve problemas médicos e não foi à romaria, mas foi um grande impacto para nós: o povo, a pobreza, o lugar, a igreja...", lembram Mari Pepa e José María.

No verão seguinte, foi o seu filho Marcos quem optou em ir à comunidade de Pedro para ajudar durante os meses de verão... e ficou. Por isso, em 1992, o casal já tinha dois motivos para voltar para São Félix. "Ele nos abraçou muito fortemente pelo fato de termos lhe deixado o nosso filho. Pedro é natural, simples... Está cheio de amor e de amizade", explica Mari Pepa, que, com seu esposo, ficou cativada por essa igreja aberta e próxima dos mais necessitados, onde tudo é decidido entre todos, e o parecer de um agricultor é tão importante quanto o do bispo. "O compromisso com os pobres não era literário, era pura realidade", sentencia Concepción.

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