21/05/2009

O sexo dos clérigos

Qual é o sentido de reprimir as expressões da sexualidade, não apenas entre os clérigos, mas também na vida diária? O que ganha a fé católica com isso?, pergunta Tomás Eloy Martinez, escritor e jornalista, em artigo publicado no jornal El País, 20-05-2009. A tradução é do Cepat.
Fonte: UNISINOS



Quase se perdem na memória os tempos em que a Igreja Católica enfrentou desafios tão duros quanto os dos últimos anos. O que acontece não tem a gravidade do cisma litúrgico do bispo Marcel Lefebvre, tampouco o fervor revisionista na interpretação dos Evangelhos que desembocaram na Teologia da Libertação, e sim as violações de uma obrigação que não é matéria de dogma, mas de continua perturbação: o sexo dos clérigos.

Primeiro foram os delitos de pedofilia que, em dezembro de 2002, provocaram a renúncia do cardeal de Boston, Bernard Law, de quem se suspeitou de ocultação; 450 demandas milionárias por décadas de abusos contra menores deixaram a arquidiocese à beira da falência.

Agora, mais uma vez, como costuma acontecer, o escândalo surge quando vem à tona algo que se tentava ocultar: a descendência do ex-bispo paraguaio Fernando Lugo, agora presidente do Paraguai. O bispo de Ciudad del Este, no Alto Paraná, Paraguai, Rogelio Livieres, disse que os seus colegas sabiam sobre Lugo faz tempo. “Não sei por que se mascaram os temas da Igreja e não se ventilam. Em nossa época (...) tudo se descobre no final”, afirmou Livieres.

E encontrou uma instantânea refutação oficial: "O Conselho Episcopal Permanente lamenta e rejeita as expressões do monsenhor Livieres, que dá a entender que houve encobrimento e cumplicidade dos bispos do Paraguai sobre a conduta moral do então membro do colegiado episcopal, monsenhor Fernando Lugo".

As palavras de Livieres lembram às que o argentino monsenhor Jerónimo Podestá, impulsor do Movimento Latino-americano de Sacerdotes Casados, escreveu, em 1990, ao então presidente do Episcopado Argentino, cardeal Raúl Primatesta: "Vejo com pena que, em geral, vocês tenham uma visão bastante alienada e tímida: não sabem o que pensam e sentem as pessoas no mundo de hoje. A Igreja é o Povo de Deus e vocês sabem disso, mas no fundo continuam pensando que vocês são a Igreja".

Quando era bispo de Avellaneda na província de Buenos Aires, Argentina, no final dos anos de 1960, Podestá converteu-se em um pesadelo para a ditadura do general Juan Carlos Onganía. Reunia multidões de até 1 milhão de pessoas para cerimônias religiosas que se transformavam em espontâneas manifestações políticas. Para o regime foi um alívio quando o bispo anunciou, em 1967, a decisão de se casar.

Podestá bateu várias vezes na porta do Vaticano sem conseguir que Paulo VI lhe retirasse a suspensão a divinis. Insistia em recordar que, se Jesus optou pelo celibato, não o impôs aos seus apóstolos, entre eles havia casados e solteiros. O ex-bispo de Avellaneda dizia que o celibato é um dom, não um mandato divino, e que nada impede de sentir a vocação sacerdotal ao estar privado dessa graça.

A maioria dos católicos ignora que os sacerdotes e os bispos não tinham proibido o casamento durante os primeiros 10 séculos de vida cristã. Além de São Pedro, outros seis papas eram casados e – o mais chamativo ainda – 11 papas foram filhos de outros papas ou de membros da Igreja. [grifo nosso].

Em 1073, Gregório VII impôs o celibato. Um dos seus teólogos, Pedro Damián, afirmou que o casamento dos sacerdotes era herético, porque os distraia do serviço ao Senhor e contrariava o exemplo de Cristo. Se a intenção do papa era restaurar a derrocada moral do clero e purificar a igreja com exemplos de castidade, dezenas de historiadores supõem que a decisão de impor o celibato também foi um meio para evitar que os bens dos bispos e dos sacerdotes casados fossem herdados pelos seus filhos e viúvas em vez de beneficiar à Igreja.

Qual é o sentido de reprimir as expressões da sexualidade, não apenas entre os clérigos, mas também na vida diária? O que ganha a fé católica com isso? Teme-se que o prazer distraia da oração, da relação com Deus, mas o desprezo pela mulher nos seminários e a contradição dos impulsos naturais do homem na realidade não fortalecem os vínculos entre a Igreja e o povo de Deus. Ao contrário, o celibato obrigatório costuma desanimar algumas vocações sacerdotais e provoca deserções no clero.

Pensava-se que "a vigente lei do sagrado celibato" devia seguir "unida firmemente o ministério eclesiástico", Paulo VI, atento aos clamores da modernização do Concílio Vaticano II, analisou as objeções em uma encíclica memorável, Sacerdotalis caelibatus, de 1967. Ali se perguntou: "Não terá chegado o momento de abolir o vínculo que, na Igreja, une o sacerdócio ao celibato? Não poderia ser facultativa esta difícil observância? Não sairia favorecido o ministério sacerdotal se fosse facilitada a aproximação ecumênica?"

Por acaso Deus não se preocupou com os deslizes do ex-bispo Lugo, porque a sua glória está além do que estabelecem os seres humanos. Mas a inflexibilidade da doutrina deixa entre os católicos a pergunta sobre o sentido e as normas criadas pela Igreja há 10 séculos, que não existiam antes e não teriam por que existir para sempre.

Jesus pregou a humildade, o amor a Deus e aos seus semelhantes. Suas lições de vida continuam sendo claras. Às vezes, no afã por interpretá-las, os seres humanos as escurecem. [grifo nosso].

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