19/05/2009

Pe. Juan Masiá Clavel

Equilíbrio ao debater sobre aborto


O padre jesuíta e teólogo moralista Juan Masiá Clavel, em seu blog Vivir y pensar en la frontera, propõe um decálogo de critérios éticos, para se evitar os posicionamentos extremistas pró ou contra o aborto. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS



Sem cair na armadilha do dilema entre pró-vida e pro-choice, muitas pessoas (incluindo representantes com responsabilidades parlamentares de diferentes pertenças, confessional ou aconfessional, assim como de diferentes afiliações partidárias dentro do espectro político), preocupadas seriamente em proteger a vida, a dignidade e os direitos de cada ser humano, coincidem em buscar o caminho intermediário para debater serenamente. Com o desejo de apoiar seu discernimento, proponho o seguinte decálogo de critérios éticos:

1. Buscar a convergência pró-pessoa em posturas divergentes diante do aborto. Posturas opostas podem, no entanto, coincidir ao afirmar que o aborto não é desejável nem aconselhável, que é preciso unir forças para desenraizar suas causas, que ninguém deve sofrer coação para abortar contra a sua vontade, e que é preciso melhorar a educação sexual para prevenir o aborto.

2. Não confundir crime, mal e pecado. Rejeitar desde a própria consciência o mal moral do aborto pode ser compatível com admitir a possibilidade de que, em determinadas circunstâncias, as leis não o penalizem como crime. O apoio a essas descriminalizações não deve ser identificado necessariamente com o favorecimento do aborto superficialmente, nem com o fato de considerá-lo desejável para a mulher.

3. Não ideologizar o debate, nem política nem religiosamente. Evitar agressividade e violência contra qualquer uma das partes e não fazer bandeira ideológica dessa polêmica por razões políticas ou por razões religiosas. Ele não deixa de ser um mal moral quando a lei não o penaliza, nem a razão de considerá-lo um mal moral depende de uma determinação religiosa.

4. Deixar margem para exceções inéditas em situações conflitivas. As situações limite não deveriam ser formuladas como colisão de direitos entre mãe e feto, mas sim como conflito de deveres no interior da consciência dos que querem (incluindo a mãe) proteger as vidas de mãe e feto. Nos casos trágicos, não existem soluções pré-fabricadas. As campanhas de mau-gosto – em ambos os extremos, pró-abortistas e antiabortistas – não ajudam no debate.

5. Acompanhar pessoas antes de julgar os casos. Nem as religiões deveriam hastear bandeiras de excomunhão, nem as supostas defensoras da mulher deveriam jogar demagogicamente com a apelação a direitos ilimitados dela para decidir sobre seu corpo em suposto choque com a exigência de respeito por parte do feto. O aconselhamento moral ou religioso pode acompanhar as pessoas em suas tomadas de decisão, mas sem decidir em seu lugar nem condená-las.

6. Compreender a vida nascente como processo. A vida nascente em suas primeiras fases não está plenamente constituída a ponto de exigir o tratamento correspondente ao estatuto pessoal, mas isso não significa que o feto pode ser considerado como mera parte do corpo materno, nem como realidade parasitária alojada nele. A interação embriomaterna é decisiva para a constituição da nova vida nascente e merece o máximo respeito e cuidado: à medida que se aproxima o terceiro mês de gravidez, aumenta progressivamente a exigência de ajudar para que ela chegue ao final. Para evitar confusões ao falar de proteção da vida, tenha-se presente a distinção entre matéria viva da espécie humana (p.ex., o blastócito antes da nidação) e uma vida humana individual (p.ex., o feto, além da oitava semana).

7. Confrontar as causas sociais dos abortos não desejados. Não podem ser ignoradas as situações dramáticas de gestações de adolescentes, sobretudo quando são consequência de abusos. Sem generalizar, nem aplicar indiscriminadamente o mesmo critério para outros casos, deve-se reconhecer o problema social do aborto, como reprimir suas causas e como ajudar para a sua diminuição.

8. Enfrentar os problemas psicológicos dos abortos traumáticos. É importante prestar assistência psicológica e social àquelas pessoas às quais sua tomada de decisão deixou cicatrizes que precisam de cura. Não se deve confundir a contracepção de emergência com o aborto. Mas seria desejável que a administração de recursos de emergência, como a chamada pílula do dia seguinte, fosse acompanhada do oportuno aconselhamento médico-psicológico.

9. Questionar a mudança de mentalidade cultural em torno do aborto. Repensar a mudança que o ambiente favorável à permissividade do aborto supõe e o dano que isso causa em nossas culturas e sociedades.

10. Levar a contracepção a sério, mesmo reconhecendo suas limitações. Fomentar a educação sexual com boa pedagogia, ensinar o uso eficaz dos recursos anticoncepcionais e a responsabilidade do homem, sem que a carga do controle recaia só sobre a mulher. Sem levar a anticoncepção a sério, não há credibilidade para se opor ao aborto. Deve-se fomentar a educação sexual integral, que abranja desde a higiene e a psicologia, até implicações sociais e que inclua o conhecimento suficiente sobre recursos contraceptivos, interceptivos e contragestativos.

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