02/02/2009

Pe. Haight e a busca para tornar a mensagem cristã intelegível

Pe. Haight, silenciado pelo Vaticano, e a busca para tornar a mensagem cristã inteligível na pós-modernidade. Entrevista especial com Paul Lakeland


Depois de ser notificado pela Congregação para a Doutrina da Fé em 2004 e ser acusado de causar “graves danos aos fiéis” por causa do livro "Jesus, Símbolo de Deus" (Paulinas, 2003), o teólogo jesuíta norte-americano Roger Haight, de 72 anos, recebeu, agora em janeiro, ordens de Roma para parar de ensinar e publicar sobre assuntos teológicos. "Jesus, Símbolo de Deus", segundo o próprio Haight, é uma tentativa de expressar as doutrinas tradicionais sobre Cristo e a salvação em uma linguagem apropriada à cultura pós-moderna. E, em particular, o livro oferece uma leitura teológica positiva de religiões não-cristãs e suas figuras de salvação. Em entrevista exclusiva por e-mail à IHU On-Line, Paul Lakeland, professor de Estudos Católicos na Fairfield University, em Connecticut, nos Estados Unidos, afirma que o trabalho de Haight “busca servir exatamente ao mesmo propósito de toda a Igreja e da Congregação, isto é, tornar a mensagem da igreja inteligível neste novo mundo pós-moderno”. Lakeland foi um dos poucos teólogos que se manifestou publicamente em defesa de Roger Haight. Seu artigo "Not So Heterodox: In Defense of Roger Haight" [Nem tão heterodoxo: Em defesa de Roger Haight], foi publicado em um dos jornais católicos mais antigos e mais reconhecidos dos EUA, o Commonweal. Nesta entrevista Lakeland perpassa diversos pontos da teologia contemporânea e a sua relação de altos e baixos com os “elementos de controle” – como ele os chama – do Vaticano.
Fonte: UNISINOS


IHU On-Line – Para Haight, o que significa dizer que Jesus é o “Símbolo de Deus”?

Paul Lakeland – Quando Haight usa a palavra “símbolo”, ele está pensando no que a teologia católica usualmente se refere como um “sacramento”, mas, por estar escrevendo da mesma forma a todos os cristãos e os não-cristãos, ele não usa um termo que não é familiar ou talvez inaceitável, a uma primeira vista. Seu trabalho é apologético, alcançando um público além dos limites da Igreja Católica. Então, ele prefere usar o termo “símbolo”, já que é usado em muitas disciplinas diferentes (Ciências Humanas) e tem, mais ou menos, esse significado comumente aceito: um símbolo torna presente algo que não a si mesmo. Às vezes, os símbolos são a única forma de atingir certas realidades, por exemplo, o subconsciente humano. Um símbolo “concreto”, diferentemente de uma palavra ou ideia, por exemplo, é um “algo” verdadeiro. E um símbolo religioso concreto, como um livro, ou um sacramento, ou uma pessoa, é algo que torna Deus presente. Para aqueles que desejam ver as dinâmicas mais profundas da realidade simbólica, como alguns dos grandes Padres da Igreja e os Cristãos Orientais com os seus ícones, um símbolo é uma meditação profunda da presença real e verdadeira de Deus ao mundo. Muitas das pessoas que reagiram negativamente ao uso do termo “símbolo” por Haight trivializam-no e continuam, então, criticando o seu próprio mal-entendido.

IHU On-Line – Essa é a segunda notificação recebida pelo Pe. Haight do Vaticano. Desta vez, a Congregação para a Doutrina da Fé afirma que seu livro contém “afirmações contrárias às verdades da fé divina e católica [...] relativos à preexistência do Verbo, à divindade de Jesus, à Trindade, ao valor salvífico da morte de Jesus, à unicidade e universalidade da mediação salvífica de Jesus e da Igreja, e à ressurreição de Jesus”. O livro de Haight realmente ultrapassa as fronteiras da teologia católica ou a Congregação não compreendeu as ideias do autor?

Paul Lakeland – Eu não estou certo quanto ao que a pergunta se refere como “segunda notificação”. Pelo que qualquer um de nós sabe, houve apenas uma notificação dirigida à teologia de Haight. Todo o resto são apenas comentários sobre isso [Haight foi notificado pela Congregação para a Doutrina da Fé em dezembro de 2004 e agora, em 2008, recebeu ordens de Roma para parar de ensinar e publicar sobre teologia, N.R.]. Também, enquanto essas frases que resumem os “erros” de Haight em afirmações precisas podem ser boas para provocar a atenção e focalizar sobre a questão, elas também fazem com que pareça que o livro de Haight desafia, direta e abruptamente, a revelação divina e a fé católica. É difícil imaginar qualquer teólogo gastando tanto tempo e esforço com uma tarefa negativa como essa.

Todo o trabalho de Haight objetiva introduzir as pessoas no sentido cristão que pode ser experimentado como vital em nosso tempo e em nossa visão contemporânea do mundo. A frase citada na pergunta, então, representa uma interpretação muito estreita e particular do seu trabalho, que não é compartilhada por um amplo número de teólogos e fieis que leram os seus livros. É, na melhor das hipóteses, uma interpretação em disputa do trabalho de Haight. Raramente é útil fazer essas instruções ou afirmações generalizadas, tiradas do contexto e colocadas diante dos leitores como se fossem capazes de ser isoladas ou provadas. Elas são, pelo contrário, apreciações particulares de uma discussão ampla, técnica e de diversos nuances, em um longo texto baseado em um ponto de vista, em suposições e em um método. A disciplina da teologia e da comunicação de convicções teológicas é muito mais do que uma série de proposições e julgamentos absolutos. Somente quando isso é compreendido, é que é possível que alguém aprecie o que Haight está tentando fazer em sua cristologia. Atalhos e frases de impacto não são um substituto justo para se dedicar ao argumento em sua total complexidade.

Muitos teólogos e pensadores cristãos se dão conta de que a verdade da fé cristã encontra-se no próprio ser de Deus, de que nós nos agarramos a Deus por meio de nossa fé de que Jesus, em suas palavras, suas ações e sua pessoa, revela Deus, mas que, ultimamente, o objeto da nossa fé é um mistério incompreensível, como Karl Rahner disse tão eloquentemente. Sobre essa premissa, na consciência da transcendência infinita de Deus, muitas dessas pessoas dizem: o livro de Haight contém ideias que procuram abrir o mistério do divino e a fé católica sobre a pré-existência de Deus como Palavra, a divindade de Jesus que recebeu o poder dessa Palavra ou do Deus como Espírito, como Lucas insiste, de forma que toda a vida, o ensinamento, a morte e a ressurreição de Jesus são uma parábola concreta e histórica que nos traz a salvação de Deus. O livro nos mostra como essa salvação – que só pode vir de Deus, que é o criador do céu e da terra – estava presente em Jesus, e como Deus como Espírito continua a ser ativo em todo o povo de Deus na história e, de uma forma explícita, na Igreja. Embora Jesus seja uma pessoa histórica única e particular, Jesus é, na linguagem judaica, o Messias ou o Cristo, porque revela e media Deus de uma forma que é universalmente relevante. Todo mundo pode apreciar tal mensagem sobre Deus, mesmo que sejam incapazes de afirmá-la como verdade. Certamente, isso não está longe da essência da fé cristã.

Eu não posso dizer se a Congregação não compreendeu as ideias de Haight, mas eles certamente não parecem abertos a interpretar generosamente os seus objetivos. Seu trabalho, olhado com simpatia, busca servir exatamente ao mesmo propósito de toda a Igreja e da Congregação, isto é, tornar a mensagem da igreja inteligível neste novo mundo pós-moderno.

IHU On-Line – Haight afirma em seu livro que “só Deus realiza a salvação, e que a mediação universal de Jesus não é necessária” e que “na cultura pós-moderna é impossível pensar [...] que uma religião possa pretender ser o centro para o qual todas as outras devem ser reconduzidas". Com isso, qual é, para Haight, o objetivo do diálogo inter-religioso? É necessária uma espécie de “relativismo” para que haja um verdadeiro diálogo com as demais religiões?

Paul Lakeland – Muitos livros e muitas pessoas não descartaram essa questão aparentemente simples. Isso por si só deveria convencer a todos de que essa é uma questão difícil, que ainda está em aberto, porque muitos ainda a estão questionando. Essas citações de Haight, citadas fora de contexto, provavelmente não são a melhor maneira de começar a responder a essas questões profundas. Uma forma melhor deve ser tentar formular o problema ao qual Haight está tentando responder.

Tratando o segundo ponto em primeiro lugar, certamente alguém que considera os contornos da “cultura pós-moderna” concordaria com a afirmação de que essa cultura tem problemas com organismos em particular que anunciam verdades universais e absolutas para todos os outros. Como Haight está falando com pessoas que vivem e são afetadas por essa cultura, isso se torna um problema ao qual ele deve se dirigir e não pressupor a resposta e simplesmente anunciá-la.

Sobre o primeiro ponto, “Jesus” é o nome característico que se refere a Jesus de Nazaré, e muitas pessoas foram salvas antes que Jesus nascesse, como nós sabemos pelo Antigo Testamento. Além disso, como a igreja ensina no Vaticano II que as pessoas podem ser salvas mesmo que nunca tenham ouvido falar de Jesus, hoje se torna uma pergunta legítima questionar como elas foram salvas. O Vaticano II não responde a essa questão. Ele apenas ensina que elas foram realmente salvas fora da influência histórica de Jesus de Nazaré. Haight parece estar dizendo isso. Como a única forma pela qual as pessoas podem ter alguma ideia de Deus é por meio de organismos históricos concretos, e estes são usualmente chamados de religiões, é razoável pensar que Deus faz contato com as pessoas por meio das suas religiões. Tudo isso parece bastante óbvio.

Permita-me adiar a questão do objetivo do diálogo inter-religioso para a próxima pergunta, quando ela surge novamente, e passar para o termo “relativismo”. O “relativismo” é um termo usualmente negativo e totalitarista, que faz um julgamento genérico que poucos teólogos apoiam. Entre absolutismo e relativismo, encontra-se uma ideia mais saudável de pluralismo, que sugere diferenças que subsistem dentro de um campo de unidade ou comunhão. Na política, por exemplo, as pessoas dos Estados Unidos são geralmente agrupadas como “norte-americanos”, apesar de, muitas vezes, defender ferozmente posições políticas que são seriamente diferentes. A verdadeira habilidade para isso vem do respeito pelas outras pessoas, de sua defesa honesta de opiniões e do reconhecimento de que nenhuma pessoa, nenhum partido e nenhuma religião podem conter o infinito mistério de Deus. Essa ideia de reconhecer a unidade entre as diferenças oferece grandes possibilidades para se entender como Deus lida com os seres humanos e as respostas das religiões. A próxima pergunta conduz a esse território. Mas, antes de chegar lá, deve-se notar, de passagem, como a ideia do pluralismo é usual para a própria teologia católica. Certamente, a fé única pode se expressar em muitas teologias diferentes, porque sempre foi assim. A ideia de que há apenas uma teologia católica de alguma coisa é recente e disfuncional e não faz justiça à rica e complexa tapeçaria da Tradição. Se, por exemplo, tivéssemos tido apenas Agostinho ou apenas Tomás de Aquino, como seríamos mais pobres!

IHU On-Line – Qual a importância de Jesus para o pluralismo religioso e para o diálogo com as outras religiões? Como podemos estabelecer um paralelo entre Jesus e as demais figuras de salvação, como Buda, os deuses hindus ou os orixás afro-brasileiros?

Paul Lakeland – Se alguém viu um pouco de senso comum na última resposta, o contexto para esta discussão e o intercâmbio entre religiões muda imediatamente. Ela é menos polêmica e mais conversacional, é menos competitiva e mais alinhada em cooperação e compreensão mútua. Haight acredita que o objetivo do diálogo inter-religioso (a última pergunta) e a sua importância desde uma perspectiva cristã tem a ver com aprender mais sobre Deus e sobre nós mesmos. Quando reconhecemos que Deus comunicou algo do seu próprio ser para outras pessoas (e como se poderia dizer que o Criador não está presente e não revela o ser de Deus em todas as criaturas?), isso não significa que Deus está menos presente e comunicativo em nosso próprio povo (não-competição). O propósito e a importância do diálogo são comunicação e compreensão mútuas, de forma que possamos aprender mais sobre Deus a partir de como Deus se comunicou com outros e de como eles experimentaram e responderam a Deus. A importância de Jesus é que ele é o revelador universalmente relevante de Deus, e a sua revelação é verdadeira; a importância da Torá é de que Deus revelou seu próprio ser na Lei Judaica. Da mesma forma que aprendemos com nossa religião-mãe, poderemos aprender com as outras religiões.

Seria um erro interpretar Haight dizendo que há uma correspondência ou correlação um-para-um entre as figuras de salvação. Elas são diferentes; elas não são as mesmas. Haight diz explicitamente que as religiões não são iguais. “Igualdade” não é uma categoria que é frequentemente usada aqui: Sally é igual a Diane? A questão não faz sentido. A comparação deve ser feita em um nível muito fundamental do processo de revelação e de fé. Deus, como criador pessoal e amoroso, é a presença e o poder interior no íntimo de todas as criaturas e, por isso, no íntimo de todos os seres humanos. A autocomunicação de Deus, o Espírito de Deus pode explodir em todas as criaturas, situações e períodos em formas genuínas, assim como pode haver muitos guias falsos e decepcionantes. Comunidades religiosas saudáveis, harmoniosas, construtivas e vivas são um bom sinal da revelação de Deus. Religião comparada e teologias da religião comparadas são formas de se investigar os valores relativos das religiões.

IHU On-Line – A Congregação parece estar colocando em questão dois conceitos importantes para o Vaticano: salvação e relativismo religioso. Como essas duas ideias podem ser interpretadas à luz do pensamento de Haight?

Paul Lakeland – Vamos tomar essas duas ideias uma por vez. Salvação é um conceito central no livro "Jesus, Símbolo de Deus": Haight aborda isso com o Novo Testamento, em que ele identifica as diferentes metáforas e concepções que são usadas para descrever como Jesus salva. Ele trata disso novamente nos Padres da Igreja e, de novo, sistematicamente, em um nível pessoal e social. As diferentes ideias de salvação provavelmente explicam por que nenhuma forma de compreendê-la foi alguma vez rigorosamente definida a ponto de excluir as demais.

Algumas coisas são importantes para se entender Haight sobre a salvação. Uma delas é que ele entende a salvação neste mundo como o fato de se ter todo o nosso ser conscientemente aberto a todo o tamanho do amor de Deus por nós: é isso o que Jesus revela, e essa revelação é a salvação de Deus. Ele destaca o argumento patrístico da divindade de Jesus: Jesus deve ser divino precisamente porque nós experimentamos a salvação de Deus nele e por meio dele.

O segundo aspecto é que, uma vez que um cristão ou uma cristã experimente Deus como salvador por meio de Jesus, ele ou ela irá entender que a verdadeira natureza de Deus é ser salvador, por isso a presença criativa de Deus em todas as pessoas é também uma presença salvadora. Porque a salvação é revelada por Jesus para ser o caráter mesmo de Deus, sua oferta está presente onde quer que o Criador esteja presente, isto é, em todo o lugar. A salvação, por isso, não pode ser uma posse competitiva de um único grupo.

Desse ponto de vista da salvação, pode-se ver como o pensamento de Haight responde à questão do relativismo religioso. A ideia de “relativismo” é uma categoria errada para o cristão quando se refere à salvação. Há apenas um Deus e, portanto, apenas uma salvação. Essa salvação é revelada decisivamente em Jesus, mas Jesus revela-a precisamente ao revelar um Deus que é generoso no perdão e no amor, assim todas as criaturas de Deus participam dela. Uma religião ou outra podem expressar essa salvação de Deus mais ou menos claramente em sua vida e em seu testemunho, mas a única salvação que todos discutem em diferentes linguagens, terminologias e sistemas culturais religiosos ainda é uma promessa que excede infinitamente todas as expectativas.

IHU On-Line – Em seu artigo para a revista Commonweal, o senhor afirma que “uma das questões teológicas mais urgentes é como entender a forma pela qual a verdade está presente nas outras religiões e nas outras comunidades cristãs”. O senhor tem algumas respostas ou pistas para essa pergunta?

Paul Lakeland – Minha resposta à pergunta anterior serve em grande parte para responder a essa questão. Entretanto, é muito menos importante – talvez até impossível – determinar apenas como a verdade está presente em outras religiões do que afirmar que a verdade está, de fato, presente. A teologia institucional da tradição católica é impaciente com a ambiguidade ou a falta de certeza e tem uma tendência constante de exagerar o grau no qual os seres humanos compreendem o mistério divino. Mesmo com a ajuda do Espírito, nós não sabemos exatamente o quanto as nossas palavras correspondem à realidade de Deus. O quanto Deus está presente nas outras tradições é, a fortiori, algo pelo qual deveríamos nos humilhar. A Lumen Gentium foi muito clara ao dizer que Deus deseja a salvação de todas as pessoas e foi compreensivamente reticente sobre como exatamente isso ocorre. Os teólogos se debatem sobre esse assunto, e a igreja ainda não sabe como responder a essa questão, se é que algum dia irá responder.

IHU On-Line – Como o senhor vê o debate sobre o pluralismo religioso e o diálogo inter-religioso na teologia contemporânea?

Paul Lakeland – O debate, desde uma perspectiva cristã, se centra em três verdades. Primeiro, os cristãos tem fé em Jesus como a presença divina na história, como o salvador, e ninguém – budista, hindu ou muçulmano – poderia pensar melhor sobre os cristãos dizendo que Jesus só é significativo para os cristãos. Segundo, Deus deseja a salvação de todos os seres humanos, e o fato de eles serem salvos ou não, não tem relação com o fato de eles conhecerem ou não, ou aceitarem ou não Jesus como seu salvador. Terceiro, os membros fieis de outras tradições religiosas são tão persuadidos pelo valor salvífico dessas tradições como os cristãos o são pela mensagem do Evangelho. A tarefa da teologia não é sobre como mostrar que o segundo e o terceiro mandamento devem ser subsumidos ao primeiro, mas como todos os três podem ser verdadeiros.

IHU On-Line – Jon Sobrino, Jacques Dupuis, Peter C. Phan e agora Roger Haight, todos foram processados pelo Vaticano recentemente. Como é possível entender essa posição do Vaticano, em pleno século XXI, em plena pós-modernidade?

Paul Lakeland – A teologia oficial é proclamação, não hermenêutica. De certa forma, essa atitude [do Vaticano] é relativamente apropriada, porque o papel central da Igreja é a proclamação do Evangelho. O elemento “de controle” no comportamento burocrático do Vaticano é exagerado, primeiramente porque eles parecem não entender a tarefa teológica. O papel do teólogo tem a ver com a sua natureza hermenêutica, movendo-se, como o próprio Hermes, em uma espécie de estilo sacerdotal ou mensageiro entre a Tradição eclesial e os tempos em que nós vivemos. A teologia traz a sabedoria extraeclesial contemporânea para a interpretação do Evangelho, e o Evangelho, para a iluminação do nosso mundo do dia de hoje. A tarefa é sempre tentadora, ambígua e desafiadora. O erro que Roma faz é a sua falha em compreender que a pregação e a pesquisa teológica não são a mesma coisa, e que cada uma deve respeito à outra. Não se pretende aqui apoiar, selecionando os teólogos e juízes “oficiais” das teologias de outros, apenas aqueles que Antonio Gramsci nomearia como “intelectuais tradicionais”, isto é, aqueles que veem o seu papel apenas como uma apologia ao status quo.

IHU On-Line – Em sua opinião (ou em sua esperança), como o “caso Haight” irá terminar?

Paul Lakeland – Eu não tenho a mínima ideia de como o caso Haight irá terminar. Eu estou certo de que é um exemplo a mais de como o aparato do Vaticano para a investigação dos teólogos está moral e intelectualmente desacreditado. Minha esperança é de que Bento XVI possa adotar a retumbante declaração de posse de Barack Obama, no sentido de que a preocupação com a segurança não nos levará a um compromisso com os nossos valores fundamentais. Há uma séria desconexão entre o Evangelho do amor e da liberdade, por um lado, e os procedimentos quase-legais, secretos e injustos com horríveis consequências punitivas, por outro. Em geral, a comunidade teológica está se autocorrigindo, e o diálogo entre Haight e os teólogos que concordam com ele, com os que tem reservas sobre alguns aspectos de seu trabalho e com os que não concordam substancialmente tem ocorrido há algum tempo e irá continuar. Eu sei que Haight espera e aprecia esse tipo de troca, porque, como todo bom teólogo, ele sabe que irá aprender com esse tipo de debate, assim como os outros participantes. O Vaticano precisa reconhecer que é assim que a compreensão teológica progride. E se ele sente, em sua sabedoria, que há momentos em que deve intervir, então que isso seja feito em plena luz do dia, de acordo com as práticas judiciais reconhecidas internacionalmente. Essa função também deveria ser retirada das mãos da Congregação para a Doutrina da Fé e colocada onde ela pertence, na Comissão Teológica Internacional (CTI), mas uma CTI que seja razoavelmente representativa das muitas vozes da teologia católica, e não uma CTI composta apenas por uma perspectiva teológica.