10/02/2009

Pe. Manfredo Araújo de Oliveira

Neste mês por iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e com a participação de todas as dioceses de nosso Estado está ocorrendo um seminário que deverá discutir as questões básicas do semi-árido no Ceará que tem 86,8% de sua área nele inserida. No passado foram realizados três seminários sobre "O homem e a Seca no Nordeste". Já a formulação do novo seminário manifesta uma nova compreensão das questões que se gestou tanto em nível de sociedade como em nível de igreja: a questão é mais ampla e mais profunda do que apenas o problema da seca e por esta razão uma ação pertinente em relação a esta problemática exige uma tomada de consciência que possa dar conta do novo patamar de compreensão. Certamente a questão da seca e de modo especial o problema da água continuam centrais já que a água é absolutamente fundamental para a qualidade da vida humana.

O Instituto de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Estado do Ceará (INESP) publicou no ano passado um estudo da mais alta importância: "Cenário atual dos recursos hídricos do Ceará", o produto de um grande esforço coletivo de 98 instituições / entidades que foram convidadas a participar deste grande processo reflexivo sobre questões de fundamental relevância para a vida de nosso povo. A primeira afirmação é de enorme gravidade: no Ceará a distribuição deste bem que é tão essencial à vida é muito desigual o que já se mostra no fato de que dos 8.185.286 habitantes do Ceará cerca de três milhões não têm acesso à água tratada e mais de cinco milhões não têm ao saneamento o que certamente tem muito a ver com muitas das mortes e enfermidades que encontramos entre nós. O mais grave neste contexto é a inexistência de políticas públicas capazes de assegurar mudanças desta situação de modo especial no que se refere ao atendimento das populações rurais, sobretudo, as difusas no semi-árido.

Em regiões semi-áridas com densidade populacional como a nossa os recursos hídricos constituem uma questão decisiva para o seu desenvolvimento. Mesmo com a garantia de água suficiente para o consumo humano e animal e com grande irrigação, o perigo da seca não é eliminado. Além disto não existe uma política agrícola que garanta segurança mínima no que diz respeito a recursos hídricos ao setor produtivo da agricultura familiar. Por outro lado, toda a oferta de água em nosso estado é concentrada nos grandes e médios perímetros de irrigação e aqui a infra-estrutura foi toda ela construída com recursos públicos. O quadro se torna mais sombrio quando se leva em consideração a depredação sistemática do meio-ambiente através da expansão imobiliária sem controle, do aterramento de lagoas e da destruição de dunas e áreas de preservação ambiental o que revela o descaso completo da questão ecológica.

A grande discussão a respeito de água e desenvolvimento manifesta com clareza, segundo o documento, que a água não é vista como um instrumento de partilha e de democratização de oportunidades, portanto, de justiça social, o que conduz a uma dicotomia que por sua vez revela a natureza do modelo de desenvolvimento que se implanta entre nós: a dicotomia entre a utilização da "água para o desenvolvimento" e sua utilização para "a melhoria das condições de vida" da população. Uma outra questão central decorrente deste modelo é a questão das transferências de bacia: a água que vem do interior para abastecer a região metropolitana de Fortaleza e os complexos industrial e turístico normalmente não beneficia as bacias doadoras. Ora. a questão de fundo destes debates é que a água é um direito humano uma vez que intimamente vinculado ao direito humano elementar que é o direito à vida. Assim, a questão central do semi-árido é a luta pela efetivação deste direito.

Fonte: ADITAL