20/04/2009

Entrevista - Pe. Enzo Bianchi

A intransigência católica pode alimentar o anticlericalismo


"Os 'dias ruins' do diálogo se tornaram piores?". É o momento certo para falar com o padre Enzo Bianchi a respeito do seu último livro, "Per un´etica condivisa" [Por uma ética compartilhada, em tradução livre], lamento sobre a agonia do diálogo entre fiéis e não fiéis, mas também profecia do seu renascimento. "Quando o conflito se institucionaliza nestes níveis entre o Vaticano e os Estados soberanos, corre o risco de não acabar mais", suspira desiludido o prior da comunidade de Bose, na Itália. A reportagem é de Michele Smargiassi, publicada no jornal La Repubblica, 18-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS



Na verdade, o seu livro parece ser um alerta aos fiéis mais do que aos leigos.

Sendo católico, sinto a responsabilidade de prestar um serviço de verdade aos católicos. De resto, estender a mão por primeiro, sem garantia de retribuição, é como um dever para nós.

Mas o senhor parece atribuir aos católicos a responsabilidade primeira pelas controvérsias, aos leigos "sem reação" sobretudo.

Nas últimas duas décadas, muitos católicos com forte sentido de militância – não a Igreja em si – procuraram impor as próprias opiniões por meio da ocupação do espaço público. A reação foi uma onda de anticlericalismo que, confirmo, é sempre uma reação a um clericalismo percebido como intransigente e desrespeitoso. Por sua vez, o anticlericalismo alimenta as intransigências católicas, e o círculo vicioso termina em confusão e barbárie.

Mas a Igreja italiana dialoga de bom grado com a classe política no goveno.

É sedutora a oferta do poder: um pacto fundado na "religião civil" a ser imposta com as leis. O cristianismo nasceu subversivo, depois muitas vezes aceitou o pacto. Hoje, porém, essa escolha é perigosa para a própria sobrevivência do cristianismo: nos EUA, onde a religião civil está em pleno vigor, não se sabe a quem os políticos se referem quando invocam a Deus. Por sorte, entre nós, essa perspectiva já é perdedora.

O senhor está certo disso? No caso Englaro, a Igreja invocou as leis para impor a própria visão do homem.

Conhecendo o que se move nas igrejas locais, nas comunidades, sei que as expectativas dos fiéis são diferentes: que a Igreja não se nivele mais sobre o neoliberalismo, tome distância de quem a usa como instrumento, se rebaixe na história com o espírito do "estrangeiro peregrino", consciente de ser uma fértil minoria.

Não parece que a hierarquia tenha elaborado o luto da hegemonia perdida.

Aceitar que se é minoria é necessário, assim como elaborar um luto. Depois, pode-se reunir pessoas que não pertencem à sua tradição e mantê-las consigo em um percurso de humanização social.

Mas quanto caminho os crentes e os não crentes podem fazer juntos? Pe. Milani não alertou o amigo ateu: não confies em mim, um dia eu te trairei?

Não, não é obrigatório que isso ocorra, ou que a traição seja tão dramática. Certamente, falando de Cristo, de ressurreição e de vida eterna, é óbvio que eu e o ateu nos separemos, mas isso não significa destruir o caminho feito juntos.

Os "valores não negociáveis" não são o limite da "ética compartilhada"?

Todo diálogo tem limites, mas, se falamos de direitos humanos, estamos bem distantes de tê-los alcançado. Então, todos devemos aceitar os métodos que a democracia possui para chegar às decisões. Podem surgir escolhas não compartilhadas, mas aceitáveis. Para aquelas não aceitáveis, o cristão sabe desde sempre que pode invocar o direito de dizer "non possumus".

A objeção de consciência não é um pé-de-cabra para forçar as decisões democráticas?

Não, se quem a invocar levar em consideração o fato de pagar pela sua "subversão", pelo seu direito de dizer não à polis em certos casos particulares. Aceitando as suas consequências, demonstrará que não tem outros interesses a não ser a consciência e a verdade.

Isso também é válido quando a Igreja convida a que se boicote um referendo? Ocorreu com a lei 40 [que impede a fecundação assistida], pode acontecer novamente com relação ao testamento biológico.

A iniciativa foi de alguns componentes eclesiais, mais do que da Igreja como tal. Em todo o caso, essas batalhas devem ser feitas pelos fiéis como cidadãos, não pelos bispos. As figuras representativas da Igreja devem parar na soleira do pré-político.

O senhor pede que os católicos abandonem o vitimismo. O que o senhor pede ao "ateólogos autodidatas"?

Que abandonem uma leitura velha e cômoda da Igreja, na qual o mal é a fé e não o seu uso na história. E que parem com a tentativa de tornar-nos ridículos. É um objetivo pouco honesto: se abaixa o alvo para atingi-lo melhor. Quem deforma não escuta, quem não escuta não entende que já existe uma Igreja que sabe traduzir o ensinamento de Cristo na arena da polis.

O que acontece se a ética não se compartilha? Entre os dois combatentes, quem vence?

O poder, é óbvio. É prazeroso a todo poder ver uma profecia de esperança se dissipar. Todo poder busca evitar sinergias entre boas vontades. Se continuarmos não nos escutando, o poder nos agradecerá por isso.