06/04/2009

Pe. Hans Küng

O que significa e o que não significa “ressurreição”

Fonte: UNISINOS

É claro que os testemunhos mais antigos e mais curtos do Novo Testamento não apresentam a ressurreição de Jesus como uma devolução da vida mundana – portanto, não estabelecem uma analogia com a devolução da vida pela mão dos profetas no Antigo Testamento. Não, do ponto de vista do horizonte de esperança apocalíptico-judaico trata-se nitidamente do enaltecimento do Nazareno assassinado e sepultado por Deus e para junto de Deus, para junto de um Deus que ele próprio chama “Abba”, Pai.

Afinal, o que significa “Auferweckung”, uma palavra que transmite uma imagem, que significa literalmente despertar do sono? Agora posso responder resumidamente à pergunta:

- Ressurreição não significa o regresso a esta vida espaço-temporal. A morte não é anulada (não se trata da animação de um cadáver). Pelo contrário, a morte é definitivamente superada. Trata-se da entrada numa vida totalmente diferente, imperecível, eterna, “celestial”. A ressurreição não é um “fato público”.

- Ressurreição não significa uma continuação desta vida espaço-temporal. O fato de se falar em “depois” da morte é enganador; a eternidade não é determinada por um antes nem por um depois temporais. Pelo contrário, significa uma nova vida na esfera de Deus, invisível, incompreensível, que rompe com as dimensões de espaço e tempo, simbolicamente designado por “Céu”.

- Ressurreição significa positivamente o seguinte: Jesus não morreu para dentro do Nada. Pelo contrário, morreu para dentro de uma realidade última e primeira, inconcebível, englobante. Foi recebido por essa realidade verdadeira a que chamamos Deus. O que espera o Homem ao encontrar o seu Eshaton, o fim da sua vida? Não o Nada, mas sim Tudo, isto é, Deus. O crente sabe desde então que a morte é a passagem para Deus, é a retirada para junto de Deus, nesse domínio que supera todas as ideias, que nenhum Homem alguma vez viu, alheio ao nosso toque, entendimento, reflexão e fantasia! A palavra mistério é bem empregue para descrever a ressurreição para a vida nova, porquanto se trata do domínio primordial de Deus.

Dito de outro modo, a fé dos discípulos é – tal como a morte de Jesus – um acontecimento histórico (apreensível por meios históricos); por sua vez, a ressurreição através de Deus para a vida eterna não é um acontecimento histórico, visível e imaginável, nem biológico. Todavia, trata-se de um acontecimento real na esfera de Deus. O que significa isto? O que significa “viver”? Um olhar para o quadro da ressurreição de Grünewald adverte-nos para o fato de o ressuscitado não ser meramente um outro ser puramente celestial, continua possuindo o corpo e a alma do homem Jesus de Nazaré, o crucificado. E a ressurreição não transforma este homem num fluido indeterminado, fundido com Deus e com o universo. Este homem permanece também na vida de Deus, o homem determinado, inconfundível que foi, porém, sem as limitações espaço-temporais da sua figura mundana! Daí a transição do seu rosto para pura luz em Grünewald. Segundo os testemunhos das escrituras a morte e a ressurreição não anulam a identidade da pessoa, mas preservam-na numa forma inimaginável, transformada, numa dimensão completamente diferente.

A consequência? Atualmente para nós, com formação científica, tem que se falar claramente. Para que a identidade da pessoa seja preservada, Deus não necessita dos restos físicos da existência mundana de Jesus. Estamos perante a ressurreição para uma forma de existência totalmente diferente. Talvez a possamos comparar com a existência das borboletas, que saem do casulo da lagarta. Tal como esse ser vivo deixa a velha forma de existência (“lagarta”) e aceita uma nova forma de existência inimaginável, liberta e leve (“borboleta”), assim podemos imaginar o processo de transformação de nós mesmos através de Deus. Uma imagem. Não estamos obrigados a qualquer tipo de ideias fisiológicas de ressurreição.

Afinal a ressurreição está ligada a quê? Não ao substrato constantemente a mudar ou aos elementos deste corpo particular, mas sim à identidade dessa pessoa inconfundível. O caráter físico da ressurreição não exige – nem outrora nem hoje – que o corpo morto seja reanimado. Pois, Deus ressuscita o Homem numa nova forma, inimaginável, como consta do paradoxo de Paulo: como “soma pneumatikón”, de “caráter físico-espiritual”. Com estas palavras, de fato, paradoxais, Paulo pretendia transmitir-nos simultaneamente as seguintes duas mensagens: continuidade – porque o “caráter físico” representa a identidade da pessoa até ao momento, que se desfaz, como se a história vivida e sofrida até ao momento se tivesse tornado irrelevante – e, simultaneamente, descontinuidade – porque o “caráter espiritual” não representa simplesmente a continuação ou a reanimação do antigo corpo, mas sim a nova dimensão, a dimensão do infinito, que depois da morte de tudo o que é finito se transforma, tem seu efeito.