23/04/2009

A ressurreição na pós-modernidade

A ressurreição é uma realidade da fé e da esperança, e não da história. Por não ter referências, tende a ser vista como incrível que, em perspectiva pós-moderna, é uma categoria integrável à realidade. Diante desse conflito é preciso uma leitura pós-moderna do testemunho bíblico, defende o jesuíta Roger Haight. É o que revelou Jeremy Kirk, em entrevista (pode ser lida aqui, logo abaixo) publicada no sítio Religion Dispatches, mestrando do teólogo e um dos que lamentam a decisão da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), tornando este o último semestre de Haight no Seminário Teológico União, o Union, por privar não apenas os católicos, mas toda a comunidade teológica da sua cristologia pós-moderna. A reportagem é de Antonio Carlos Ribeiro e publicada pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação - ALC -, 22-04-2009.
Fonte: UNISINOS


Jesus Symbol of God, a obra que gerou toda a polêmica, foi publicada em 1999 pela editora Orbis Books (Jesus, símbolo de Deus. Paulinas, 2003). A CDF abriu um processo de investigação da obra. Haight foi notificado a respeito de supostos erros teológicos.

Enviado o esclarecimento, o ex-Santo Ofício julgou as respostas insatisfatórias por não adotar o método teológico tradicional, mas responder aos seres humanos da atualidade. Condenado, o autor foi impedido de ensinar teologia em instituições católicas.

Nesta situação foi convidado a ensinar no Union, uma escola de origem presbiteriana que hoje é marcada pela diversidade cultural e presença de representantes das tradições cristãs em diálogo com a tradição judaica. Ademais se orgulha de ter tido como alunos e professores teólogos e teólogas reconhecidos como Reinhold Niebuhr, Paul Tillich e Dietrich Bonhoeffer, no século XX, as feministas Beverly Harrison e Delores Williams, e o pai da Teologia Negra da Libertação, James Cone.

A publicação das obras Dynamics of Theology, em 1999 (Dinâmica da Teologia. Paulinas, 2004), e The future of Christology, em 2005 (O futuro da Teologia. Paulinas, 2008), e a atuação no Union, o colocaram no centro do diálogo teologia e pós-modernidade, superando noções velhas como a guarda do mistério da salvação, da tradição católica, e a da inerrância bíblica, da tradição evangélica.

Com as punições a teólogos brilhantes se transformando em luta romana, como denunciou Moltmann, elas têm se tornado ineficazes e, à medida que se tornam severas, gerado solidariedade aos/às teólogos/as.

Indagado sobre os erros em Jesus Symbol of God, Kirk respondeu que “isso depende de a quem você pergunta”, discordando que por não ter afirmado que Jesus é o logos, ou a palavra pré-existente de Deus, o teólogo possa ter rebaixado a divindade e a função soteriológica de Jesus.

E denunciou: “essa crítica minimiza e descaracteriza a discussão de Haight. Roma realmente rejeitou qualquer afirmação de que a crença no pluralismo das religiões, dentro ou fora do catolicismo, é válida e, por isso, merecedora de atenção teológica e eclesiástica”.

Para Kirk, esta obra trata das críticas pós-modernas ao cristianismo, que é a preocupação dos católicos norte-americanos. Haight afirmava a contínua relevância do cristianismo no contexto social e filosófico contemporâneo que apresentou tais desafios à legitimidade de certas reivindicações cristãs tradicionais. A falta de respostas adequadas a esse desafio levou muitas pessoas a deixarem a Igreja.

Sobre Jesus, afirma que Deus e o ser humano, ambos, são humanos e divinos. Só a cristologia dialética pode ser adequada e verdadeiramente fiel à tradição, como mostrou Calcedônia. Nesses dois pontos juntos, em tensão dialética que não pode ser resolvida, repousa o profundo mistério.

Assim, o cristão se acha existencialmente numa relação com Deus, por meio de Jesus. São aqueles que, pela fé, permitiram que Jesus fosse o seu acesso para Deus, a mediação privilegiada de Deus.

A ressurreição só pode ser entendida de um ponto de vista pessoal. Ela começa com as nossas esperanças em relação à nossa própria morte e as dos nossos entes queridos. “A esperança comum é a de que nós não morremos, mas continuamos existindo na esfera de Deus”.

A compreensão da ressurreição de Jesus só pode começar a partir da base da esperança, por isso para Haight não foi um evento histórico que aconteceu física e empiricamente no continuum espaço-tempo. Ao enterrarem um ente querido, cristãos “colocam o corpo na terra na fé-esperança de que a pessoa está ressuscitada de uma forma que não nega a historicidade do enterro físico”. Haight não afirmaria que o corpo de Jesus foi para algum lugar. “Não é a ressurreição de um cadáver. Não existe um Jesus zumbi”.

Entendendo a simbólica, especialmente no mundo ocidental, o jesuíta sustenta que “a ressurreição é uma ideia difícil de ser entendida porque nós não temos um referente sensorial. Sempre que falamos sobre coisas deste mundo, temos uma imaginação que trabalha em nossa ajuda. Mas com a ressurreição, a imaginação falha e na verdade começa a trabalhar contra nós. Então, assim que você a imagina, você faz dela algo incrível, um tipo de evento deste mundo. Você dá substância visual e tangível à ressurreição. Então, a questão de dizer que ela não foi um evento histórico é para assegurar que a ressurreição é uma realidade transcendente, que é uma questão de fé e de esperança”.

Kirk distingue “entre o que Haight diz em Jesus, Símbolo de Deus e como o que ele disse pode ser usado por outros estudiosos. O livro é uma discussão sobre como a fé cristã pode responder a certas críticas contemporâneas da fé e da tradição cristãs e não sobre a relativização de todas as crenças religiosas”.

Ele “pensou em termos do que ele achava que devia ser dito à luz da condição da Igreja contemporânea. Haight vê as pessoas deixando a Igreja simplesmente porque ninguém está respondendo às suas questões. Suas considerações eram dirigidas a essas pessoas, não aos riscos”.

Haight provavelmente “manifestaria otimismo com relação aos leigos. Se você olhar o catolicismo romano desde o começo, você vai ver um novo laicato culto. O corpo inteiro dos teólogos nos EUA será predominantemente formado por leigos, 80-90%, em poucos anos, e 65% desse corpo será de mulheres – será uma experiência completamente nova para a Igreja católica. Os leigos hoje estão conduzindo algumas paróquias com um padre que desempenha algumas funções especializadas. Há uma energia dinâmica totalmente nova na Igreja Católica Romana quando você a vê desde baixo”.

Mas esse ímpeto é refreado ao descrever o clero. “Quando você a olha de cima, vê sinais de declínio. Se considerarmos o número de pessoas nos seminários, a qualidade dessas pessoas nos seminários e as suas inclinações, não parece nada promissor. Quando você olha o episcopado e a oferta de possíveis candidatos, parece catastrófico. Eu acho que Haight reconheceria uma dialética como a existente entre o que os oficiais poderosos e conservadores em particular visam atingir e a força irrefreável dos leigos que constituem, em primeiro lugar, aquilo que definimos como ‘a Igreja’".

Diante da pergunta: Por que Haight permanece católico?, Kirk afirma que ele vê pessoas sofrendo à sua volta e por isso, “assume a responsabilidade pelas necessidades daqueles que estão ao seu redor e extrai a sua identidade da sua relação com eles”.

É preciso reconhecer que “o pluralismo não vai diminuir em um mundo cada vez mais globalizado e interdependente que enfrenta crises cada vez mais complexas e coletivas. Se o cristianismo ainda pode atuar como uma fonte para a reflexão ética à luz das crises históricas – o que eu confio profundamente que ele consegue – , ele deve ser honesto e confiável para este contexto globalizado e pluralista contemporâneo”.